Estado. Auditorias da IGF apanharam 611 milhões de receitas em falta

Estado. Auditorias da IGF apanharam 611 milhões de receitas em falta


Relatório de atividades de 2015 revela que foram detetadas infrações financeiras e criminais no montante de 123 milhões de euros e 14 milhões de impostos em falta, entre muitas ilegalidades


O conjunto de irregularidades e ilegalidades detetadas pela Inspeção-Geral de Finanças (IGF) no ano passado representam receitas em falta para o Estado no valor global de 611 milhões de euros. De acordo com o relatório de atividades de 2015 da IGF, acabado de divulgar pelo principal organismo de controlo interno do Estado, só o montante das infrações financeiras e criminais ascende a 123 milhões de euros, e em impostos em falta foram 14 milhões de euros. A maior fatia (348 milhões) diz respeito, no entanto, ao incumprimento de diversos tipos de “obrigações declarativas”. À semelhança dos relatórios anteriores, a IGF limita-se a divulgar um resumo das principais conclusões das auditorias e não revela os organismos e serviços que praticaram essas mesmas ilegalidades e irregularidades. Das 1426 denúncias apreciadas, 528 ações de controlo, 273 relatórios de auditoria e 198 entidade auditadas resultaram 59 participações a entidades judiciais em 2015. Aqui ficam as principais conclusões:

Contas fora do tesouro

As auditorias realizadas com o objetivo de verificar o cumprimento do princípio da Unidade de Tesouraria do Estado por parte das entidades da administração central e do setor empresarial do Estado (SEE) em finais de 2014 permitiram “identificar saldos bancários fora do Tesouro sem fundamento no valor de 103,5 milhões de euros e juros no montante de 2,7 milhões, gerados em contas da banca comercial, que não foram entregues ao Estado”. Só na administração central existiam 28 entidades em situação de incumprimento, com saldos bancários fora do Tesouro no valor de 41,1 milhões. No SEE, e num universo de 172 empresas públicas, 103 tinham contas fora do Estado, das quais “34 apresentavam saldos bancários em incumprimento no montante de 62,4 milhões”.

4,3 milhões em subvenções públicas ilegais

O relatório da IGF indica que 544 entidades públicas concederam subvenções a 49 939 beneficiários, no valor de 4,3 milhões de euros, “sem que exista um quadro regulador da atividade de concessão de subvenções públicas que introduza rigor, objetividade e eficiência a este tipo de despesa pública”. O documento revela que as 520 entidades que concederam subvenções no valor de 3,4 milhões “não cumpriram a obrigação fiscal declarativa a que estavam vinculadas”.

Milhões em impostos em falta

No âmbito do combate à fraude e evasão fiscais, uma auditoria ao sistema e-fatura permitiu à IGF detetar alguns milhões de euros de impostos em falta. No que toca à informação de faturação não detalhada, foram identificados mais 800 mil euros de rendimentos não declarados em IRS, bem como no setor dos pequenos retalhistas, onde se verificaram irregularidades na faturação emitida e omissão de pagamentos. A IGF estima que no biénio 2014/2015 estejam 1,1 milhões de euros de receita de IVA em falta e 500 mil em rendimentos não declarados em IRS.

Neste capítulo, a IGF faz ainda referência às 22 empresas municipais “indevidamente isentas” de IVA, com uma perda de receita para o Estado estimada de 2,8 milhões de euros. Foi ainda atribuída “indevidamente” a isenção de imposto a 32 prédios afetos a empresas locais (com valor patrimonial tributário de cerca de 132 milhões de euros), com uma receita em falta estimada em cerca de 4 milhões de euros.

Outra auditoria ao sistema de controlo das mais-valias não sujeitas a IRS apurou “indícios de irregularidades no valor de cerca de 3,2 milhões de euros”.

1725 imóveis com benefícios indevidos

Numa auditoria ao sistema de controlo dos Fundos de Investimento e de Pensões, a IGF identificou 1725 imóveis que usufruíram de benefícios fiscais indevidos, “com a consequente não liquidação de imposto de cerca de 1,7 milhões de euros”.

485 mil euros em reabilitação de imóveis sem partilha

Um fundo autónomo com a responsabilidade de conservação e reabilitação de imóveis do Estado financiou dois projetos a 100% (no valor total de 485 mil euros), “apesar de o regulamento de gestão apontar para a partilha de responsabilidades (entre o fundo e os beneficiários) e obras cujo prazo de execução não se revelou compatível com a urgência invocada”.

17 operações urbanísticas ilegais

Na área do controlo urbanístico, a IGF detetou a aprovação ilegal de 17 operações urbanísticas por parte das câmaras. A falta de fundamentação da dispensa de cedências obrigatórias ao domínio público municipal de áreas para espaços verdes e/ou equipamentos estabelecidas por lei, e “omissões e erros (por defeito e por excesso) no apuramento das taxas, de que resultou a liquidação a menos de 176 mil euros e a mais de 13 mil euros”, foram outras das insuficiências encontradas.

A IGF concluiu ainda que existe uma “excessiva morosidade na instrução e decisão dos processos de contraordenação” urbanística, uma pendência “indevida” de processos a aguardar a reposição da legalidade, um arquivamento “indevido” de processos de contraordenação e a aplicação “frequente e não fundamentada da pena de admoestação”.

Despesas de representação e abonos ilegais

As infrações no que toca à gestão dos recursos humanos têm sido recorrentes ao longo dos anos. E 2015 não fugiu à regra: pagamento indevido de despesas de representação e outros abonos a dirigente intermédio sem vínculo à administração pública (no valor de 47,2 mil euros); não redução remuneratória prevista nas leis do Orçamento do Estado relativa à remuneração e despesas de representação, respetivamente de dirigente máximo e eleitos locais (pagamentos em excesso de 14 mil euros); “equiparação remuneratória indevida dos membros do órgão de direção e de dirigente intermédio de estabelecimento de ensino superior público aos cargos similares dos institutos politécnicos, com pagamentos em excesso de 65 mil euros; trabalho extraordinário sem verificação dos respetivos requisitos legais; atribuição indevida de isenções de horário de trabalho; e deficiências no controlo da assiduidade e do cumprimento das 40 horas de trabalho semanais.

Hospital PPP. divergência de 722 mil na faturação

Uma auditoria realizada a um hospital em regime de parceria público-privada concluiu que há divergências na faturação de 722 mil euros, correspondentes à produção e remuneração da atividade do hospital  uma situação que resulta das “debilidades da interface de integração automática dos dados dos sistemas de informação hospitalar e contabilístico que prejudicam a integridade e comprometem a fiabilidade da informação existente em ambos os sistemas”.

Multas de 1,5 milhões por aplicar

No âmbito da contratação pública, as ilegalidades detetadas também são mais do mesmo. Entre as várias apontadas, destaque para as multas não aplicadas pelo incumprimento de prazos de execução contratual de obras públicas, no valor de 1,5 milhões de euros. A IGF detetou ainda ajustes diretos ilegais no montante de 471 mil euros; a aquisição direta de serviços sem qualquer procedimento pré-contratual e sem base legal, no valor de 181 mil euros; e a ausência de publicação, ou publicação tardia, no portal dos contratos públicos de ajustes diretos após a realização dos pagamentos em quatro de dez situações (111 e 665 mil euros, respetivamente).

Colégios privados sem controlo               

A IGF fez questão de destacar um capítulo sobre a ação de fiscalização que realizou no âmbito dos auxílios públicos aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo. E as conclusões são, no mínimo, preocupantes. Depois de revelar que o montante das subvenções concedidas pelo Ministério da Educação atingiu os 451 milhões de euros no biénio 2013/2014, a IGF concluiu que, “em regra, não são efetuadas diligências para confirmar a real situação socioeconómica do agregado familiar de alunos candidatos a apoios” e que “o Ministério não dispõe de um plano estratégico enquadrador quanto às subvenções públicas, nem de indicadores de aferição do impacto na sociedade, o que não permite avaliar cabalmente a eficiência e eficácia da utilização destes dinheiros públicos”.