“É humanamente impossível investigar os acidentes sem técnicos”

“É humanamente impossível investigar os acidentes sem técnicos”


No acidente de uma avioneta que vitimou uma pessoa e deixou dois feridos graves poderá levar-se muito tempo até se saber o que passou. Tudo porque a entidade que tem a responsabilidade de investigar não tem pessoas para o fazer. Entrevista, por escrito, a Álvaro Neves, diretor do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes…


Nas vossas estatísticas referentes ao ano passado estão reportados 29 acidentes/incidentes mas nenhum processo está concluído ou homologado. Constata-se mesmo que muitos acidentes/incidentes de anos anteriores não têm o processo concluído. Por que motivo existe esta demora na conclusão das investigações? Existe falta de meios nesta área para prosseguir com as investigações?

A sua questão é pertinente e vem focar o ponto que, infelizmente, desde que assumi este cargo, e está a fazer três anos, venho a batalhar com a tutela, a necessidade de reconhecer a importância do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves (GPIAA) no seio da comunidade aeronáutica, dotando-o com os meios humanos e técnicos para prosseguir cabalmente com a sua missão. Portanto, a sua constatação/indignação é a da comunidade aeronáutica e dos cidadãos que se preocupam com a segurança aérea, como é possível prevenir acidentes se a Autoridade Nacional de Investigação demora 4 anos a publicar um relatório que deveria no máximo sair num ano. Infelizmente ainda hoje me debato com este problema. Tenho dois investigadores, e aguardo a autorização para mais dois há 18 meses, e a atual tutela ainda não me deu qualquer estimativa quando receberei a autorização para completar o quadro de pessoal técnico. Razão porque aponta essas dezenas de ocorrências sem qualquer relatório final publicado, é humanamente impossível produzir sem matéria prima, e enquanto este organismo de extrema importância para a prevenção de acidentes aéreos, não for reconhecido com a importância que merece, continuaremos a ter dezenas e dezenas de processos sem qualquer intervenção por incapacidade técnica na sua resolução.

Que investigação está a ser desencadeada em relação ao último acidente?

Relativamente ao acidente em Ferreira do Alentejo, posso adiantar que o GPIAA abriu uma investigação global de acordo com o preconizado no Anexo 13 da ICAO, dado ser responsabilidade integral do Estado providenciar todos os meios para que a investigação técnica decorra sem sobressaltos, no cumprimento da previsibilidade de publicar o relatório final no decurso de um ano após o evento.

Em matéria de prevenção e fiscalização que trabalho é feito?

O tema prevenção é um dos pilares da nossa missão mas, infelizmente, é-nos quase impossível efetuar qualquer aproximação no âmbito de realizar programas específicos com os operadores, abarcando o tema prevenção. A prevenção é uma área muito importante para a minimização dos acidentes, este organismo tem que ter capacidade humana e técnica para estudar as tendências de ocorrências e proceder à elaboração de programas de mitigação com os diversos operadores aéreos, situação que atualmente é impossível ser posta em prática com este quadro de pessoal e estrutura orgânica.

Nos últimos anos tem havido outros acidentes com vítimas fatais. Há lugar, no entender do GPIAA, alguma medida de prevenção nesta área? Se sim, o que têm proposto ou tencionam propor?

Como já foi anunciado pelo GPIAA os acidentes fatais ocorridos nos últimos anos, centraram-se numa área específica da classe ligeira e ultraligeira, que congrega as atividades de escolas de aviação e aviação de lazer. Considerando as dificuldades enumeradas do GPIAA, tentamos obviar com a assinatura de um protocolo com a APAU, associação que representa os pilotos de ultraleves onde realizamos várias ações de prevenção, nomeadamente, colóquios, conferências, etc., onde o tema foi segurança operacional, centrado na atitude do piloto. Relativamente às escolas de voo, ainda não nos foi possível realizar qualquer ação conjunta de ações de prevenção, é intenção do GPIAA de as realizar sempre na expectativa que a alteração de estrutura solicitada, seja uma vez por toda posta em prática pela tutela, permitindo assim, abraçar o pilar prevenção com afinco e pertinência, pois somente assim ajudaremos a prevenir acidentes aéreos.

marta.reis@ionline.pt