Costa quer o Brexit


Se o Reino Unido sair da União Europeia, é natural que outros países também avancem para o referendo. Costa aplaude, pois se os britânicos saírem, Portugal poderá justificar a sua política errática com a crise europeia…


Hoje pode ser o último dia da Europa como a conhecemos. Dentro de algumas horas, os britânicos vão às urnas dizer se querem ficar ou sair da União Europeia. São só eles que decidem. Mas seremos todos nós, cidadãos europeus, a sofrer as consequências da sua escolha. Qualquer que seja o resultado, dificilmente alguma coisa voltará a ser como dantes. Pior ainda se os britânicos optarem por ir sozinhos à sua vida. Para alguém que, como eu, segue o debate no Reino Unido no espírito da velha aliança anglo-portuguesa, é forte a esperança no bom julgamento dos britânicos. Embora reconheça legitimidade e pertinência em muitos argumentos da campanha pela saída da União – a começar pela crítica ao funcionamento opaco, pouco escrutinado e pouco democrático de Bruxelas -, desejo que Londres fique para liderar algumas das mudanças necessárias nas instituições europeias. Caso o Reino Unido diga sim à Europa, ganhamos todos. Por todos quero dizer os britânicos, os europeus e os democratas. Caso diga não, ganham alguns. Ganham os militantes da causa do leave que democraticamente defenderam o seu ponto de vista e o seu conceito de interesse nacional. Mas ganham, principalmente, as forças nacionalistas e extremistas, da esquerda e da direita, que dentro ou fora da Europa salivam pela destruição do projeto europeu. Não é difícil imaginar de quem estamos a falar.

Também por isso tenho uma enorme dificuldade em compreender os argumentos dos que acreditam que a Europa até pode ser um lugar melhor sem o Reino Unido. Não, não será. E porquê? Primeiro, porque o Brexit somaria um problema de grande magnitude à multiplicidade de crises que hoje já se cruzam com o destino da Europa (fraco crescimento económico, desemprego, terrorismo, refugiados e extremismo político). Segundo, porque a Europa está órfã de líderes que possam conduzir a mudança num momento com esta gravidade – Merkel começa a ser posta em causa pela opinião pública alemã, Hollande até as primárias do PS francês se arrisca a perder e, em Itália, Renzi está ameaçado pelos populistas. Terceiro, o Brexit abrirá uma caixa de Pandora referendária. É provável que a Holanda e a Áustria também queiram votar a pertença europeia. E que a Escócia e a Catalunha voltem a pôr a independência em cima da mesa. Quarto, aceitar que a defesa da União pode ser feita em conivência com o maior rombo de sempre na integridade e unidade europeias é de uma ingenuidade colossal. Será que já nos esquecemos que foi pela paz que nos juntámos?

Em Portugal, o debate sobre o Brexit tem estado fora da agenda política. Não me surpreende. A coligação das esquerdas deseja o Brexit. Não vale a pena perder muito tempo com o Bloco de Esquerda e com o PCP, que têm um currículo de oposição à Europa, ainda que com objetivos diferentes.

Já António Costa deve estar a fazer figas para que os britânicos mandem passear Bruxelas. Ele sabe que isso seria dramático para o nosso país no longo prazo. Mas como político eminentemente tático, Costa está preocupado com o curto prazo. E aí o primeiro–ministro sabe que tirará vantagens. Para começar, nos corredores de Bruxelas, Portugal deixará de ser problema se Londres saltar borda fora.

Quanto ao resto, o Brexit oferece-lhe um bode expiatório dourado: a economia portuguesa abranda e o défice derrapa? É da instabilidade europeia criada pelo referendo. O desemprego aumenta e a produção industrial cai a pique? Culpem os britânicos que votaram não. As exportações gripam? Claro, agora há tarifas comerciais do outro lado do canal da Mancha.

Por último, Costa e o PS alimentam a esperança de que é desta que a Europa vai “virar a página da austeridade” e adotar a progressista política do arco da esquerda mediterrânica que vai de Lisboa a Atenas – eu sei que Costa não liga aos pormenores, mas o voto dos britânicos não tem nada a ver com austeridade, até porque Londres está fora do euro.

O paraíso europeu está perto do fim. Com o Reino Unido fora, estaremos apenas mais próximos do crepúsculo europeu.

Carlos Carreiras

O primeiro-ministro deseja a saída do Reino Unido da União Europeia

Costa quer o Brexit


Se o Reino Unido sair da União Europeia, é natural que outros países também avancem para o referendo. Costa aplaude, pois se os britânicos saírem, Portugal poderá justificar a sua política errática com a crise europeia...


Hoje pode ser o último dia da Europa como a conhecemos. Dentro de algumas horas, os britânicos vão às urnas dizer se querem ficar ou sair da União Europeia. São só eles que decidem. Mas seremos todos nós, cidadãos europeus, a sofrer as consequências da sua escolha. Qualquer que seja o resultado, dificilmente alguma coisa voltará a ser como dantes. Pior ainda se os britânicos optarem por ir sozinhos à sua vida. Para alguém que, como eu, segue o debate no Reino Unido no espírito da velha aliança anglo-portuguesa, é forte a esperança no bom julgamento dos britânicos. Embora reconheça legitimidade e pertinência em muitos argumentos da campanha pela saída da União – a começar pela crítica ao funcionamento opaco, pouco escrutinado e pouco democrático de Bruxelas -, desejo que Londres fique para liderar algumas das mudanças necessárias nas instituições europeias. Caso o Reino Unido diga sim à Europa, ganhamos todos. Por todos quero dizer os britânicos, os europeus e os democratas. Caso diga não, ganham alguns. Ganham os militantes da causa do leave que democraticamente defenderam o seu ponto de vista e o seu conceito de interesse nacional. Mas ganham, principalmente, as forças nacionalistas e extremistas, da esquerda e da direita, que dentro ou fora da Europa salivam pela destruição do projeto europeu. Não é difícil imaginar de quem estamos a falar.

Também por isso tenho uma enorme dificuldade em compreender os argumentos dos que acreditam que a Europa até pode ser um lugar melhor sem o Reino Unido. Não, não será. E porquê? Primeiro, porque o Brexit somaria um problema de grande magnitude à multiplicidade de crises que hoje já se cruzam com o destino da Europa (fraco crescimento económico, desemprego, terrorismo, refugiados e extremismo político). Segundo, porque a Europa está órfã de líderes que possam conduzir a mudança num momento com esta gravidade – Merkel começa a ser posta em causa pela opinião pública alemã, Hollande até as primárias do PS francês se arrisca a perder e, em Itália, Renzi está ameaçado pelos populistas. Terceiro, o Brexit abrirá uma caixa de Pandora referendária. É provável que a Holanda e a Áustria também queiram votar a pertença europeia. E que a Escócia e a Catalunha voltem a pôr a independência em cima da mesa. Quarto, aceitar que a defesa da União pode ser feita em conivência com o maior rombo de sempre na integridade e unidade europeias é de uma ingenuidade colossal. Será que já nos esquecemos que foi pela paz que nos juntámos?

Em Portugal, o debate sobre o Brexit tem estado fora da agenda política. Não me surpreende. A coligação das esquerdas deseja o Brexit. Não vale a pena perder muito tempo com o Bloco de Esquerda e com o PCP, que têm um currículo de oposição à Europa, ainda que com objetivos diferentes.

Já António Costa deve estar a fazer figas para que os britânicos mandem passear Bruxelas. Ele sabe que isso seria dramático para o nosso país no longo prazo. Mas como político eminentemente tático, Costa está preocupado com o curto prazo. E aí o primeiro–ministro sabe que tirará vantagens. Para começar, nos corredores de Bruxelas, Portugal deixará de ser problema se Londres saltar borda fora.

Quanto ao resto, o Brexit oferece-lhe um bode expiatório dourado: a economia portuguesa abranda e o défice derrapa? É da instabilidade europeia criada pelo referendo. O desemprego aumenta e a produção industrial cai a pique? Culpem os britânicos que votaram não. As exportações gripam? Claro, agora há tarifas comerciais do outro lado do canal da Mancha.

Por último, Costa e o PS alimentam a esperança de que é desta que a Europa vai “virar a página da austeridade” e adotar a progressista política do arco da esquerda mediterrânica que vai de Lisboa a Atenas – eu sei que Costa não liga aos pormenores, mas o voto dos britânicos não tem nada a ver com austeridade, até porque Londres está fora do euro.

O paraíso europeu está perto do fim. Com o Reino Unido fora, estaremos apenas mais próximos do crepúsculo europeu.

Carlos Carreiras

O primeiro-ministro deseja a saída do Reino Unido da União Europeia