A existência de freios e contrapesos (“checks and balances”) entre os diferentes poderes, explicitada por James Madison (1751-1836), um dos pais fundadores dos EUA, é um elemento essencial para conter as tentações de abuso de poder.
Infelizmente, em Portugal, este aspeto fundamental da democracia está pouco desenvolvido, bastando dar alguns exemplos. Em primeiro lugar, o tema de perguntas quinzenais ao governo é definido por este e não pelo parlamento, ainda por cima com um prazo curtíssimo para a oposição se preparar. Em segundo lugar, a maioria tem o poder de vetar a audição parlamentar de individualidades relevantes, incluindo dirigentes da administração pública, o que constitui uma limitação inaceitável à fiscalização do executivo pelo parlamento. Em terceiro lugar, a maioria também pode limitar a constituição de comissões de inquérito, quer a si própria, quer sobre outros temas relevantes.
É completamente inaceitável e incompreensível que o regimento da AR permita estas situações de desprezo por uma das funções mais importantes do parlamento: a fiscalização do poder executivo e, atrever-me-ia também a dizer, do poder judicial. Não falo da fiscalização de casos judiciais concretos, mas da escandalosa ineficiência da justiça. Na verdade, o poder judicial nunca se justificou ao país, nunca fez reivindicações racionais de melhoria de bloqueios, desde o legislativo ao administrativo. O que o poder judicial tem sido capaz de fazer não passa de pedir mais meios para continuar a gerir tudo da mesma forma, para além das mais escandalosas reivindicações corporativas.
O que é mais estranho nesta deficiência dos freios e contrapesos é a ausência de críticas à sua debilidade. Que aqueles que eram os partidos do arco da governação nunca o tenham feito, pode compreender–se, porque temeriam que viessem a ser alvo de fiscalização quando voltassem ao poder. Agora que o PCP e o BE nunca tenham feito uma crítica forte e persistente a esta entorse da nossa democracia, já é mais difícil de compreender.
Infelizmente, agora parecem ser eles o obstáculo a uma reforma estrutural e essencial da nossa democracia. Tudo isto vem a propósito das declarações do BE contra uma eventual comissão de inquérito à CGD, bem como das declarações do líder parlamentar do PS, Carlos César, que considera “grave” e “irresponsável” o inquérito proposto pelo PSD. Parece que o que se passou na Caixa não foi nada de grave nem irresponsável, mas tentar conhecer o que se passou é que é mau.
Na verdade, o inquérito promete. Em primeiro lugar, repare-se na inédita revelação pública de uma lista de grandes devedores da CGD, em flagrante violação do sigilo bancário. Por falar nisso, de novo, neste caso, tivemos mais um silêncio ensurdecedor do Banco de Portugal.
Depois, tivemos indicação – abram-se garrafas de champanhe! – que a PGR acordou do seu torpor e tenciona investigar alguns créditos malparados na Caixa. Ninguém percebe porque é que, quando as coisas estavam a ser feitas à descarada, na praça pública, a PGR nunca mexeu um dedo, e só agora, quando o contribuinte já perdeu milhares de milhões de euros, é que se lembra de agir, quando já não há hipótese de recuperar esse dinheiro. Mesmo assim, mais vale tarde do que nunca.
Para além disso, todos sabemos de histórias cabeludas, envolvendo certas personagens e empresas, que deixo ao leitor a tarefa de adivinhar.