Cuidados paliativos. Dez anos depois, há uma revolução em curso

Cuidados paliativos. Dez anos depois, há uma revolução em curso


Pela primeira vez o Ministério da Saúde nomeou dirigentes especificamente para esta área. O futuro passa por consultas nos centros de saúde e visitas a lares de idosos   


“Mais do que aumentar o número de camas de cuidados paliativos, queremos levar os cuidados paliativos a todas as camas.” Foi desta forma que Edna Gonçalves, médica do Hospital de S. João ontem nomeada presidente da Comissão Nacional de Cuidados Paliativos, resumiu a “mudança de paradigma” que espera levar a cabo nos próximos anos. 

Na sessão de tomada de posse no Ministério da Saúde, foram revelados planos concretos: a par do reforço das unidades de cuidados paliativos na rede de cuidados continuados – que completa dez anos – a ideia é oferecer este tipo de assistência que visa a gestão da dor (clínica e psicológica) logo no momento de diagnóstico de qualquer doença que potencialmente seja uma ameaça à vida. Ou seja, sem esperar por fases terminais, até aqui a lógica dominante. 

Consultas externas de cuidados paliativos nos centros de saúde e nos hospitais mas também visitas regulares de equipas comunitárias a lares de idosos são algumas das novidades em vista e que a equipa vai aprofundar num plano estratégico que devem tornar público dentro de dois meses. 

Uma abordagem de cuidados paliativos por todos os níveis de cuidados de saúde (primários, hospitalares e continuados), equidade no acesso por parte da população e acreditação e avaliação das equipas são algumas das linhas mestras da equipa que começa com uma realidade onde apenas 7% dos doentes com indicação para cuidados paliativos são efetivamente referenciados (conclusão divulgada esta semana pelo Observatório Português dos Sistemas de Saúde). Dois terços dos portugueses morrem nos hospitais, quando o desejo da maioria seria permanecer em casa. Edna Gonçalves considerou que o investimento aumenta não só a qualidade de vida mas pode até prolongá-la em alguns casos, diminuindo os efeitos de tratamentos agressivos desnecessários.

Muitas lacunas A nomeação da Comissão Nacional de Cuidados Paliativos, que pela primeira vez dá autonomia a este tipo de cuidados, estava prevista na lei desde 2012 mas só agora foi operacionalizada.  Edna Gonçalves disse que a rede de cuidados continuados permitiu algum reforço de experiências que arrancaram no país há 25 anos, mas trouxe um revés: “colar os cuidados paliativos aos cuidados continuados”, sendo dada prioridade ao acompanhamento de doentes crónicos e à sua recuperação em detrimento dos paliativos. 

No âmbito da Rede Nacional de Cuidados Continuados, que arrancou em 2006, ainda há três distritos (Viana do Castelo, Aveiro e Leiria) que não têm qualquer unidade de cuidados paliativos a funcionar – estabelecimentos em que a nova comissão entende que deve haver internamento de doentes agudos e por curtos períodos, privilegiando-se apoio no domicílio. 

Apesar de estar previsto na lei, só 35% dos hospitais tem uma equipa de cuidados paliativos a funcionar. E nos Agrupamentos de Centros de Saúde, onde também deve haver pelo menos uma equipa para ir a casa dos doentes (e, no futuro, a lares), a cobertura das equipas comunitárias no final do ano passado era ainda mais reduzida: apenas 17,5%.

Mais organização O Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Fernando Araújo, sublinhou que mais do que investimento financeiro, trata-se de organizar melhor os profissionais. ”Muitos médicos e enfermeiros com especialização em paliativos não estão hoje vinculados a este tipo de cuidados nas instituições onde trabalham”, disse ao i. Uma das armas do ministério para forçar a organização será passar a contabilizar indicadores nesta área para avaliação e financiamento das unidades já em 2017.

Manuel Luís Capelas, da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos, mostrou disponibilidade para colaborar com a tutela mas alertou que hoje não se sabe quantos profissionais têm formação específica, o que dificulta o planeamento. O ministério assinou ontem protocolos com associação, o Observatório de Cuidados Paliativos e as Faculdades de Medicina de Lisboa e do Porto, para aumentar as sinergias.

Um dos desafios lançado pelo governo é todos os cursos de medicina e enfermagem passarem a ter formação obrigatória nesta área. A Faculdade de Medicina anunciou que isso já está decidido na instituição e deve arrancar em breve. Só em Lisboa e no Porto já houve 300 profissionais a concluir mestrado em paliativos.