Bagão Félix alerta para que a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos (CGD) vai ser “destrutiva”.
“A comissão de inquérito à Caixa vai ser destrutiva. É um processo em que não há inocentes e que vai minar a confiança dos portugueses no sistema financeiro. E não é bom para a gestão da Caixa, que vai passar a estar durante meses ‘em gestão’. Vai ser um atirar de lama constante de um lado para o outro”, disse ao i Bagão Félix.
O antigo ministro das Finanças do governo de coligação PSD/CDS liderado por Pedro Santana Lopes comentava a decisão anunciada quarta-feira pelo líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, durante o debate quinzenal com o primeiro-ministro, António Costa.
O líder da bancada do PSD anunciou à câmara que o partido vai impor uma comissão de inquérito à CGD para avaliar e conhecer as responsabilidades de governos e administrações na gestão do banco público.
Bagão Félix, que foi também administrador do Banco de Portugal na década de 90, defende que a questão da CGD devia ser analisada por “uma comissão independente do poder político, constituída por autoridades reguladoras, incluindo Ministério Público, Tribunal de Contas, e que não fizesse discussões na praça pública todos os dias”.
“Para discutir esta questão, há quase obrigatoriamente que violar o segredo bancário. Só valeria a pena uma comissão de inquérito que conseguisse objetivamente prevenir situações futuras e pudesse tirar ilações das situações de ilicitude e, ao mesmo tempo, conseguisse minar o menos possível a confiança que é, aos olhos do povo, o código genético da Caixa”, acrescentou o economista.
Bagão Félix reconhece que, “como português e contribuinte”, gostaria que fosse esclarecido porque “são necessários 4 mil milhões”. E também o que se passou depois de, há quatro anos, a Caixa ter vendido “30% do mercado segurador português por mais de 1200 milhões de euros”. “Onde está o dinheiro? Como português e contribuinte, gostava de obter essa resposta. Mas a própria comissão parlamentar de Economia e Finanças poderia discutir isso. A comissão de inquérito é a pior solução e deveria ser a última”, afirma Bagão.
E conclui: “A CGD é um símbolo de confiança do português médio no sistema financeiro. Inicialmente chamava-se Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência. Está ligada à lógica do pequeno aforro, um conceito sociocultural que não há no BCP, no BPI e noutros bancos. A Caixa tem montes de rabos-de-palha, mas não tem comparação com os casos do BPN e BES, que levaram a comissões de inquérito e eram conhecidos como casos de polícia.”
O debate parlamentar de ontem ficou marcado pela iniciativa do PSD, para a qual basta o apoio de um quinto dos deputados – 46. A decisão mereceu de imediato duras críticas à esquerda, com o PS a acusar os sociais-democratas de irresponsabilidade, ao surgir num período em que está em preparação um plano de reestruturação e recapitalização da Caixa.
Durante o debate, António Costa aproveitou para tranquilizar os partidos que dão apoio parlamentar ao governo, Bloco de Esquerda e PCP, assegurando que o plano que está a ser negociado em Bruxelas não prevê despedimentos, mas apenas eventuais ajustamentos decorrentes dos normais planos de reforma que se aplicam na banca.
O BE aproveitou o debate para desafiar o executivo a avançar para uma “auditoria forense aos créditos de alto risco da CGD e partilhar os resultados com o parlamento e o Ministério Público”. Sobre a iniciativa do PSD, Catarina Martins deixou um recado à bancada social-democrata: “Se o PSD quer uma comissão parlamentar de inquérito para investigar tudo, essa iniciativa não tem de ser potestativa e não terá a oposição do BE, com certeza.” E concluiu: “Isto de o PSD querer uma comissão de inquérito só sua, sabemos bem o que pode querer dizer.”
O PCP vê a decisão do PSD como uma forma de “achincalhamento da Caixa”, de desvalorização do banco para se caminhar para a privatização, nas palavras do deputado Miguel Tiago expressas aos jornalistas já fora do hemiciclo.
Já depois do anúncio de Luís Montenegro, o PSD veio esclarecer que está disponível “para dialogar com as outras bancadas o objeto da comissão”.
O primeiro-ministro assumiu perante os deputados que o governo tem um objetivo bem fixado relativamente à CGD: “Queremos uma Caixa 100% pública, 100% do Estado e 100% capitalizada” para cumprir a sua missão enquanto “pilar do sistema financeiro” nacional, e com capacidade para assegurar “a poupança das famílias, financiar a economia, as pequenas e médias empresas”.
Costa disse ainda que a CGD vai continuar com uma rede de balcões que cobre todo o território nacional, tendo todavia adiantado que, em matéria de internacionalização, a Caixa vai ter de definir onde a sua presença é estratégica e onde pode deixar de estar representada.
Enquanto à esquerda a maior preocupação esteve focada na questão de eventuais despedimentos, no encerramento de balcões e nos montantes dessa operação de recapitalização que vai ser “paga pelos portugueses”, à direita, as perguntas dirigidas a Costa centraram-se nas razões que levam o governo a avançar agora para este plano de reestruturação e quais os custos da operação.
Tanto o líder parlamentar do PSD como a presidente do CDS-PP, Assunção Cristas, insistiram por mais de uma vez para que o primeiro-ministro avançasse com os números concretos que estão a ser negociados com a Comissão Europeia, com Luís Montenegro a falar mesmo em quatro mil milhões de euros.
Costa respondeu, também por mais de uma vez, que o plano não está fechado, acentuando que o governo não vai contribuir para alimentar especulações sobre os fundos que são necessários para se avançar com a reestruturação.
Um dos momentos mais animados do debate surgiu quando o PSD, sempre pela voz de Luís Montenegro, disse que para o seu partido não está em causa a natureza pública da CGD, declaração que levou António Costa a ironizar, afirmando notar nessa declaração “uma evolução da posição do PSD”.
“Fiquei satisfeito por não ouvir o líder do PSD repetir o que disse em 2011, que seria preciso abrir o capital da CGD a privados. Estou muito contente que já não seja essa a posição do PSD”, disse.
A ironia voltou às palavras do chefe do governo quando, ao comentar o anúncio da criação da comissão de inquérito, atirou, dirigindo-se à bancada do PSD: “Mais vale tarde do que nunca. Se durante os quatro anos de governo não conseguiram apurar o que se passava na Caixa Geral de Depósitos, mais vale que tentem agora com a comissão de inquérito.”