A França  tem o direito de saber!

A França tem o direito de saber!


Obcecada com ataques terroristas, a segurança em volta do Euro-2016 viu-se surpreendida pelos velhos criminosos do costume: os hooligans. Desta vez, e apesar de os ingleses estarem envolvidos, o medo vem de Leste. Adeptos russos, polacos, ucranianos e croatas estão na lista negra. A UEFA já ameaçou com exclusões


Eles têm medo. Muito medo! Eles são os habitantes de Saint-Étienne a contas com um Eslováquia-Inglaterra no dia 20 de Junho. O Portugal-Islândia passa-lhes para segundo plano. Frente a frente entre duas seleções com adeptos civilizados e tranquilos. Depois das hediondas imagens de Marselha e do Vieux Port coberto de cacos de vidro, teme-se a repetição da violência…

Preocupados em demasia com possíveis ataques terroristas, os agentes de segurança que gerem o Europeu de 2016 viram-se surpreendidos pelas duas madrugadas de intensa violência em Marselha. Os velhos inimigos do futebol, os «hooligans», parecem não estar tão desaparecidos e controlados como se pensava. À mínima faísca, uma explosiva combinação entre cerveja e vodca deixou ingleses e russos dos dois lados da barricada. Se na noite de sexta-feira, no Cais dos Belgas, os britânicos pareciam ter levado a melhor, as horas que se sucederam ao encontro entre as duas seleções serviram para uma vingança à moda russa – fria.

Estive lá e vi! Centenas e centenas de homens e rapazes de tronco nu ameaçando-se de um lado para o outro das ruas e das praças, batendo nos peitos como gorilas, desafiando-se para o corpo a corpo que, volta e meia, rebentava num passeio ou numa passadeira. Garrafas de cerveja voavam como pombas assassinas, estilhaçando-se no chão, cobrindo o Vieux Port de um tapete afiado e assustador. Polícias de capacete e quase armaduras negras investiam de quando em vez sobre grupos mais excitados. Cada um dos seus avanços provocava gritos de indignação e aquela raiva selvagem e histórica que as multidões têm pelas autoridades. Sangue, muito sangue. Contam-se às dezenas, os que foram assistidos pelas brigadas de bombeiros e prontos-socorro que surgiam na retaguarda dos «gendarmes». Trinta e seis, trinta e oito, trinta e nove: variam as contas sobre os feridos graves. 

Depois, os militares recuam, deixando de novo aos contendores o centro da batalha. Mais ameaças, mais cânticos, mais gestos obscenos e provocatórios, insultos soezes, gritos de raiva ou de aflição.

Há aqueles que procuram fugir a tudo isto. Procuram o sossego no final da Canebiére, nas Allées Gambetta, nos caminhos que levam a Saint-Charles e aos comboios que partem durante quase toda a noite. São na maioria ingleses. Há uma carreira direta a Londres, passando por Paris e pelo túnel da Mancha.
Os mais teimosos ficam. Não desistem da guerra! Ficam até que o cansaço e o sol da manhã no horizonte os derrote. Quando regressam? Ninguém sabe!

Um medo palpável O Campeonato da Europa deveria ser algo de bom para as cidades de França e não um rasto de violência e destruição. De onde surgirão os próximos confrontos? Todos têm o direito de perguntar e de saber.
As cidades que vão receber a Inglaterra, Lens (País de Gales) e Saint-Étienne (Eslováquia) são pequenas e desprotegidas, se as compararmos com Marselha ou Paris. Mas as autoridades francesas preocupam-se com outro fenómeno mais surpreendente: muitos dos «hooligans» que estão a aparecer vêm dos países do Leste da Europa e não se encontram monotorizados como a maioria dos que vivem na Comunidade Europeia. É difícil saber ao certo onde irão atacar. Os jogos das seleções da Ucrânia, da Rússia, da Croácia e da Polónia estão no topo dos considerados de alto risco.

A UEFA já veio, através do seu Comité Executivo, ameaçar as federações inglesa e russa da sua vontade de intransigência. Novas tranquibérnias armadas por adeptos de ambos os países poderá acarretar a expulsão do Campeonato da Europa. Todos estão certos de que para adeptos que se lançam numa viagem atrás das suas equipas, muitos deles sem bilhetes para os jogos, numa ânsia de choque e violência, tais ameaças cairão em saco roto.

Entretanto grassa o medo. Às duas da manhã de sábado, em Marselha, os transportes públicos, incluindo táxis, tinham desaparecido das ruas. Quem pode manter as montras das suas «brasseries» e dos seus bares intactas, não hesitou em escondê-las por detrás de grades de ferro o mais cedo que conseguiu. As figuras negras dos polícias de viseiras, com um ar marveliano de Batman em Gotham City, são insuficientes para deter a selvajaria. Do mar sopra uma brisa que anuncia mais manhãs sem sossego… Onde? Onde voltará a rebentar a violência? A França tem o direito de saber!