Para o ex-ministro das Finanças de José Sócrates, não faz sentido que o Estado seja discriminado enquanto acionista da Caixa Geral de Depósitos e, como tal, não possa injetar dinheiro no banco. Para Teixeira dos Santos, o Estado deve estar em pé de igualdade com o que acontece no setor privado, sem ter de onerar o Orçamento. Já em relação à venda do Novo Banco, diz que Portugal não está em condições de escolher a nacionalidade do potencial interessado, apesar de admitir que gostaria de ver a instituição financeira em mãos portuguesas. O responsável critica ainda a Comissão Europeia por ameaçar Portugal com sanções devido ao défice excessivo e lembra que foi uma das entidades que mais enalteceram o esforço que o país fez no sentido de corrigir o défice. Teixeira dos Santos lembra ainda que eventuais sanções seriam difíceis de explicar aos portugueses.
Como vê o sistema financeiro português?
É preciso fortalecer o sistema bancário, capitalizando-o, e resolver os problemas que algumas instituições tiveram no passado. Por um lado, é preciso um sistema financeiro robusto e que inspire confiança e, por outro, que sirva como um instrumento que financie a própria economia. Penso que a questão do crédito malparado, que tem vindo a ser discutida, é algo que neste momento está a afetar negativamente o setor e a capacidade do sistema financeiro para poder recuperar mais rapidamente a sua robustez. Este crédito malparado é uma soma de imparidades que afeta negativamente a competitividade.
Considera que uma das soluções para resolver o problema do crédito malparado é avançar com a criação do tal banco mau?
A expressão “banco mau” poderá estar a ser usada de forma inapropriada, pois não tem de ser necessariamente mau. No fundo, é um veículo onde seriam colocados os ativos não produtivos dos bancos, mas o importante é que esse processo seja feito de forma transparente tanto em termos contabilísticos como em termos de mercado e, acima de tudo, os interesses públicos e dos contribuintes não sejam postos em causa.
E seguir o exemplo do que já é feito noutros países?
Acho que o sistema italiano é uma referência que merece ser analisada porque é o que está em curso a nível europeu, neste novo quadro de união monetária. Mas uma solução desta natureza terá de ser feita conforme as regras europeias e, por isso, digo que a experiência italiana pode ser uma experiência interessante porque, como vai à frente, pode indicar as soluções possíveis que podem ser exploradas no nosso país. E se isso contribuir para podermos estancar mais rapidamente o efeito negativo que estes créditos têm no desempenho dos bancos, penso que é importante avançarmos com uma medida semelhante de forma que uma operação desta natureza permita reestruturar financeiramente empresas que estejam em dificuldade, recapitalizar empresas que, sendo viáveis, terão um papel importante no desenvolvimento da economia portuguesa. Neste dossiê vejo que, mais importante do que resolver o problema da banca, é poder permitir a muitas empresas acederem a financiamento, poderem recapitalizar-se e terem uma estrutura mais sólida.
Os bancos, ao libertarem-se destes créditos, poderão apostar mais no financiamento…
Se os bancos conseguirem aliviar a pressão desses ativos, acabam por ter outra agilidade. E, ao mesmo tempo, um veículo pode agilizar também a própria limpeza dos balanços das empresas.
Mas é um projeto que tem pés para andar desde que não tenha custos para os contribuintes?
Acho que é preferível avançar com uma solução desta natureza sem impor custos para os contribuintes e é desejável que assim seja. Tanto que os ativos, ao passarem para o veículo, este estaria mais focado na gestão desses ativos e na sua recuperação e, por isso mesmo, a probabilidade de sucesso será maior, já que os bancos estão vocacionados para outro tipo de negócios.
O sistema financeiro está agora também a enfrentar o problema da injeção de capital na Caixa Geral de Depósitos. O que acha que deverá ser feito?
É desejável e positivo que o dossiê Caixa Geral de Depósitos seja resolvido nos termos em que podemos antever. O aumento de capital da Caixa terá de ser feito nos termos que me parecem corretos, ou seja, o Estado é acionista, e um acionista, quando tem de recapitalizar um banco, faz essa recapitalização. Tal como acontece com os bancos privados e os seus acionistas. Se os bancos privados precisam de um aumento de capital, os acionistas fazem-no. Mas isso não significa que se seja obrigado a penalizar as contas públicas, nem que se obrigue a registar esse aumento de capital no défice orçamental. Isso nunca aconteceu no passado, só recentemente, com o governo anterior, é que isso foi considerado uma ajuda de Estado. O Estado é um acionista com responsabilidades perante a instituição e deve ser capaz de poder capitalizar a Caixa em pé de igualdade com o que acontece no setor privado, sem ter de onerar o Orçamento, porque não é disso que se trata. Se a Caixa puder ser capitalizada nestes termos, ficamos com uma situação financeira robusta e fortalecida.
E iria contribuir para fortalecer o sistema financeiro…
Os portugueses sempre olharam para a Caixa como um banco confiável, nunca houve razões para que assim não fosse. A crise afetou todos os bancos e também afetou a Caixa. O banco apresentou prejuízos por causa da crise, mas tem um acionista que é o Estado e que, no fundo, somos todos nós. E para manter esta instituição, que foi sempre emblemática do sistema financeiro, centenária e que sempre foi pública, é necessário que continue a ser, aos olhos dos portugueses, um banco público e confiável. O sistema financeiro como um todo beneficia dessa robustez por parte da Caixa Geral de Depósitos.
Então não faria sentido que o Estado não pudesse avançar com o aumento de capital?
Claro que não. Um banco privado, quando está em dificuldades, também ninguém coloca em causa os seus acionistas por injetarem capital nesse banco para o tornar mais sólido. Acho que, tal como não cabe na cabeça de ninguém colocar dificuldades a acionistas privados que injetem capital no banco de que são proprietários, então também não faz sentido colocar dificuldades por o Estado colocar capital no banco que é público.
Como vê o processo de venda do Novo Banco?
A venda do Novo Banco a uma entidade privada, quer ela seja nacional quer estrangeira, será sempre um sinal de confiança na economia portuguesa e no sistema bancário português. Isto é sinal de que, se alguém quer investir e colocar o seu dinheiro no Novo Banco, é porque confia em Portugal e no nosso sistema financeiro.
Mas há quem apresente manifestos contra a espanholização da banca. Não o choca que o Novo Banco possa ser comprado por investidores estrangeiros, nomeadamente espanhóis?
Não, o país não está em condições para ser esquisito nesta matéria. O facto de não termos capacidade ou de não existir capital no país que seja capaz de avançar com uma operação destas não significa que a venda não seja concretizada. Gostaria muito que houvesse capitalistas portugueses que tivessem dinheiro para colocar na economia portuguesa e para terem uma presença na banca portuguesa. Gostaria muito que assim fosse, mas temos de ser realistas e a realidade não é essa. Se não temos essa capacidade em termos nacionais para investir, não só na banca como noutros setores económicos do país, então não podemos rejeitar investidores só por serem estrangeiros, aí não podemos ser esquisitos. O país tem as suas regras, temos é de ter autoridades no país que façam com que essas regras de determinada atividade sejam devidamente cumpridas.
A Comissão Europeia propôs que se abra um procedimento por défice excessivo contra Portugal. Acha que representa um cartão vermelho ao governo?
A forma como coloca a questão confirma aquilo que é a minha leitura deste problema. A questão das sanções está relacionada com o facto de, no ano passado, o país não ter saído da situação de défice excessivo. Tem mais ou menos a ver com o facto de o país ter tido um défice de 3,2% do produto interno bruto (PIB) depois de ter corrigido a situação do Banif, e de não ter tido um PIB abaixo dos 3%. Mas isso é resultado orçamental do governo anterior. O facto de surgir agora uma eventual sanção por parte da Comissão pode parecer um cartão vermelho à política do atual governo quando, na verdade, é um cartão vermelho aos resultados do governo anterior. E é essa a confusão do ponto de vista político com que não posso concordar e nem sequer faz sentido. O Orçamento do Estado entrou há pouco tempo em vigor – na verdade, tem cerca de dois meses de execução, e o resultado da execução desse Orçamento até ao momento não evidencia sérios riscos de incumprimento dos objetivos que foram estabelecidos pelo governo.
Mas há sempre incertezas…
É certo que há sempre fatores de incerteza que estão relacionados com a conjuntura internacional, com o desenvolvimento da economia interna, que são fatores de risco, mas não temos sinais óbvios de que as metas orçamentais, principalmente em termos de défice, não vão ser cumpridas. Neste momento, ainda é cedo para fazermos algum juízo, precisamos de mais algum tempo, alguns meses, para termos bases sobre a execução orçamental para podermos avaliar. Por isso mesmo, um eventual cartão vermelho da Comissão à execução do ano passado pode ser interpretado como um cartão vermelho à política atual e causa, no meu entender, alguma confusão.
Considera então que a Comissão Europeia está a funcionar atualmente como um elemento desestabilizador?
Sem dúvida, além de representar uma conotação política muito negativa. Porque a Comissão, que tanto elogiou o país e até o governo anterior pela política prosseguida e pelos resultados alcançados, agora ameaça com sanções. Curiosamente, até quando o atual primeiro-ministro foi visitar a sra. Merkel, a sra. Merkel recordou os bons resultados do governo anterior, e agora como é que os portugueses vão perceber que, depois de tantos elogios e tantas pancadinhas nas costas, venham agora sugerir sanções ao país? Não faz sentido. E acima de tudo, acho que é muito difícil explicar aos portugueses, que sofreram durante estes anos os efeitos desse ajustamento, vir agora impor uma sanção, ao fim ao cabo dando o dito por não dito.
Acredita que é possível chegar a um acordo?
Penso que as autoridades europeias, em situações delicadas, têm manifestado capacidade de bom senso. Espero que mais uma vez essa capacidade esteja presente.
Esteve esta semana presente numa conferência sobre competitividade. Como vê a competitividade da economia portuguesa a cair três posições no ranking e Portugal a ser ultrapassado por países como a Turquia?
Se olharmos bem para os indicadores que são utilizados pelo Institute for Management Development (IMD) para construir os índices de competitividade, constatamos que é no domínio das finanças públicas e das políticas de governo que houve um agravamento da apreciação que é feita, quer na base dos indicadores estatísticos, quer na base das apreciações que são feitas no âmbito do painel que é utilizado no inquérito que foi feito. Por um lado, o nível do défice e da dívida, que são dois aspetos que penalizaram bastante a avaliação que foi feita, este ano, à situação da economia portuguesa, e, por outro lado, o risco da instabilidade política, em que há uma incerteza quanto às políticas governamentais, pesaram nesta avaliação.
Mas as perspetivas para este ano também não são animadoras e temos assistido a constantes revisões do crescimento do PIB…
Este relatório tem como base os números estatísticos de 2015. Os dados de 2016 ainda não foram usados nesta avaliação, mas sem dúvida que, no âmbito do inquérito de opinião que foi feito, a existência de alguma incerteza por parte dos analistas e dos agentes económicos em geral é um fator que, de alguma forma, pesou negativamente na avaliação. Do ponto de vista económico, há dois indicadores que pesaram negativamente na avaliação de Portugal: em primeiro lugar, o desempenho do investimento direto estrangeiro, em que há uma quebra significativa deste tipo de investimento: e, por outro lado, há uma preocupação com o nível do desemprego que, apesar de ter descido nos últimos trimestres, permanece elevado, principalmente o desemprego de longa duração e o desemprego jovem.
E que vão continuar a pesar negativamente…
São dois aspetos que penalizaram e penalizam a economia portuguesa. Mas apesar desta queda de posições no ranking da competitividade, ao passarmos da 36.a posição para a 39.a, esta é a segunda melhor posição dos últimos cinco anos, porque em 2012, 2013 e 2014 estávamos em quadragésimo qualquer coisa. Por isso, houve uma melhoria do ranking em 2015. Há um recuo de três posições em 2016, mas coloca-nos melhor do que estávamos entre 2012 e 2014. Há também a questão das finanças públicas e o facto de o país não ter saído do défice excessivo, tal como se esperava e, por outro lado, o impacto do Banif nas finanças públicas, que acabaram por penalizar negativamente esta apreciação.
Falou na perda de investimento direto estrangeiro. Acha que a elevada carga fiscal praticada em Portugal não estará a penalizar esta situação?
Sem dúvida que a fiscalidade afeta as decisões dos investidores, mas não me parece que recentemente tenha havido um agravamento dos impostos. A carga fiscal de hoje é igual à de anos anteriores. Acho que o que terá penalizado aqui, essencialmente, foram incertezas políticas que perturbaram um pouco o canal de entrada de investimento no país. O facto de o ano passado ser um ano de eleições acabou por criar de alguma forma um clima de incerteza quanto à evolução política do país. Tudo isto terão sido fatores que terão afetado negativamente a entrada de investimento estrangeiro no ano passado.
E a própria dúvida em relação à durabilidade do acordo de governo…
Temos de ver isto em dois níveis. Por um lado, pelos níveis dos dados estatísticos e, por outro lado, pelos níveis de perspetiva. Os dados estatísticos que aqui temos são os de 2015, mas as pessoas que foram inquiridas obviamente que incorporam a sua leitura, a sua perceção e as dúvidas que poderão ter.
O desafio para este ano é encontrar a tal estabilidade política?
Sem dúvida. Há cinco grandes desafios para o país: o primeiro está relacionado com as finanças públicas e, no fundo, com a redução do défice e da dívida. E quando falo na dívida é tanto a dívida pública como a privada. E o problema da dívida privada é do domínio bancário, e isto tem a ver com a saúde do sistema bancário, a sua robustez e a necessidade de ser capitalizado e robusto. O terceiro desafio é a capacidade de atração e retenção do investimento estrangeiro, e isso exige uma estabilidade política, nomeadamente na política fiscal. Depois, os outros desafios estão mais relacionados com as questões laborais e empresariais. Ou seja, uma melhoria das condições de trabalho e do local de trabalho e, por outro lado, uma melhoria da produtividade do país.
Defende a necessidade de encontrar estabilidade política, mas o Presidente da República, ao dar um prazo de governação ao executivo, está a criar ainda maior instabilidade…
Não quero entrar no jogo do que o Presidente da República quis dizer e ele próprio já veio explicar o que queria dizer. Não sou propriamente um analista político e nem quero entrar no jogo da intriga política.
Vai agora para presidente executivo do BIC. O que falta para entrar em funções no banco?
Os acionistas enviaram uma proposta ao Banco de Portugal com os novos nomes para os órgãos sociais do BIC Portugal e estou à espera que se pronuncie.
E tem ideia de quando é que o processo estará concluído?
Não faço ideia.
O que espera deste novo projeto?
Estou à espera de um desafio interessante.