Monsieur Héristal vivia tranquilo, entre a pacatez familiar, o conchego das rotinas e o movimento dos astros, a cuja observação se entregava apaixonadamente. Mas uma conjugação de acontecimentos e vontades levou-o ao trono quando a república naufragou e os fazedores de reis não encontraram melhor do que ele. Nesses fazedores de reis havia de tudo, desde os que sempre precisam de um pai, mesmo que apenas simbólico, aos que acham que ganham mais na sombra do trono do que sob a luz da república, passando por aqueles (a maioria) que não sabiam bem o que queriam para além de tranquilidade e da malga cheia, e se tantos diziam que era um rei e que era Pepino, não seriam eles a destoar. Pepino espantou-se e começou por resistir, mas lá no fundo queria e rendeu-se depressa. Ninguém o obrigou, apenas lhe acenaram com as palavras do costume sobre serviço, necessidade e honra, mas quem assim acede ao aceno é porque, mesmo que diga que não, realmente quer o cavalinho do trono.
Mas foi curto o reinado de Pepino, que foi coroado como iv – o iii fora o seu longínquo antepassado que ficou conhecido como o Breve e foi pai de Carlos Magno. Durou pouco o reinado porque não percebeu bem as coisas e cometeu o mesmo erro duas vezes, a primeira por defeito e a segunda por excesso. É verdade que Pepino também não revelou a paciência e a resistência suficientes para os pesos do reinado, como a perda de privacidade, a perda de senhorio sobre a sua pessoa, a roubalheira e a preguiça à sua volta e a necessidade de fechar os olhos ou de sorrir contemplativamente, et cetera. Mas foi o erro que cometeu duas vezes que acabou com tudo, um erro sobre o exercício do poder, que é muitas vezes o erro que acaba com os tronos. Primeiro, Pepino não quis exercer realmente o poder e deixou andar, não percebendo que o poder tem de se levar com rédea curta, embora amiúde se deva dar fio e deixar correr, mas sempre para puxar depois. Pepino não o fez porque não percebeu ou talvez porque não quis, por lhe faltar o feitio para isso. Deixou andar e não se preocupou com mandar mesmo (pela ameaça ou pela sedução, ou pelas duas), ou ao menos com parecer que sim, porque o poder está realmente onde os homens acreditam que está.
Depois, tarde de mais e com rédea demasiado curta, Pepino quis cavalgar o cavalinho, e meteu-se não só a querer conduzir os que o lá tinham posto, mas a fazê-lo com manias bruscas de alterar a ordem das coisas e de redistribuir, igualizar, aplanar et cetera. Deu-se mal e foi apeado, claro está. Mas mesmo que se tivesse dado bem a criar uma nova ordem, também não duraria muito se persistisse nas tentações de planura e igualdade, pois diz a História, quando a metade de baixo substitui a metade de cima, rapidamente passa a ver a sua posição em cima como a ordem natural das coisas e a defendê-la com unhas e dentes. Não lhe costumam sobreviver reis como este Pepino, o equivocado protagonista da fábula de John Steinbeck “O Breve Reinado de Pepino iv”.
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