A (atual) UE foi construída com dois objetivos essenciais: garantir a paz na Europa e conter a Alemanha (então RFA). Para se conseguir alcançar estes objetivos usou-se o instrumento da integração, aprofundando a unificação de políticas e alargando o seu espaço geográfico. No entanto, a meio do caminho perdeu-se de vista os objetivos primordiais e essenciais e passou-se a encarar o instrumento “integração” como um objetivo em si mesmo, tendo-se com isso acumulado um número inacreditável de erros, cada vez mais profundos e graves.
Um primeiro erro – gravíssimo – decorrente desta confusão foi pensar que se deveria caminhar para a máxima uniformização possível, que todos deveriam partilhar as mesmas regras. Isto foi criando um número sucessivo de anticorpos, tendo-se gerado vários braços-de-ferro com diversos Estados-membros, tendo sido admitidas, com má cara, cláusulas de exceção em alguns casos, sobretudo o do Reino Unido. Como pode passar pela cabeça dos eurocratas que obrigar os países a políticas que eles não querem pode ser bom para promover a paz?
Um segundo erro, entretanto timidamente reconhecido, foi a criação de uma burocracia europeia, à imagem e semelhança do pior centralismo e dirigismo francês, a querer meter o bedelho nos assuntos mais ridiculamente triviais. Se o objetivo era criar animosidade contra a UE, a integração europeia e as instituições comunitárias, não poderiam ter escolhido uma via melhor.
O caso mais sério de um erro de integração correspondeu à criação do euro, a que todos os países seriam obrigados a pertencer, tendo de novo o Reino Unido conseguido uma cláusula de exceção. Vou, neste texto, passar por cima de todos os problemas económicos do euro e fazer uma avaliação unicamente política da sua criação. O euro trouxe mais paz à Europa? Nem por sombras, criou linhas de conflito duríssimo, desenterrou os piores fantasmas da ii Guerra Mundial. O euro serviu para conter a Alemanha? Fez exatamente o contrário!
A criação do euro foi o maior equívoco europeu das últimas décadas, decorrente da confusão de se ter passado a considerar que a integração era um objetivo em si mesmo. Estou em crer inclusive que os historiadores no futuro dirão que foi o euro que provocou a desintegração da UE.
Por tudo isto, considero que o Brexit, inevitável nas próximas semanas ou um pouco mais tarde, é um sintoma dos males da UE e que deveria ser usado para reformar as instituições e tratados europeus. Em particular, deveria deixar-se de lado a ideia de uniformização de políticas e de pretender avançar mais na integração. Já ultrapassámos o limite da boa integração. A partir daqui, mais integração vai significar quase sempre mais conflitos e menos paz, o contrário dos verdadeiros objetivos da construção europeia.
Ao negociar os novos termos de convivência com o Reino Unido depois da saída, julgo que se deve aceitar suspender a liberdade de circulação de pessoas (um dos pontos de maior divergência), se for esse o desejo do governo britânico. Mais: acho que a UE deve continuar a permitir a liberdade de circulação dos britânicos no espaço europeu, mesmo que não haja reciprocidade, e que isso deveria ser alargado a outros países da UE. É evidente que prefiro que haja liberdade de circulação de pessoas do que não haja, mas considero que, mais importante do que isso, é que os países (sobretudo as democracias maduras) não sejam obrigados a políticas com que não concordam.