Pereira Cristóvão só acertava os detalhes dos crimes pessoalmente

Pereira Cristóvão só acertava os detalhes dos crimes pessoalmente


Arguidos que falaram na primeira sessão do julgamento em que Cristóvão responde por associação criminosa e roubo confirmaram a relevância do ex-inspetor da PJ


Na primeira sessão do julgamento em que Paulo Pereira Cristóvão e outros 17 arguidos respondem pela acusação de crimes de associação criminosa e roubo qualificado, houve confissões de medo, revelações detalhadas sobre assaltos, arrependimentos, alguns momentos caricatos e até a informação de que um arguido está fugido à Justiça. Trata-se de um personal trainer conhecido como ‘CopKiller’, que até domingo estava em prisão domiciliária.

Durante o dia de ontem, foram ouvidos três arguidos e todos eles confirmaram a relevância do ex-vice-presidente do Sporting num esquema que chamam de cobranças difíceis, mas que para o Ministério Público não passa de um conjunto de assaltos premeditados. Alguns com violência.

Neste processo, estão ainda em causa crimes como sequestro, posse e detenção de arma proibida, abuso de poder, violação de domicílio por funcionário e falsificação de documento.

Paulo Pereira Cristóvão, que estava debaixo dos olhos atentos da sua mãe, presente na sala do Tribunal, esclareceu os juízes que irá prestar declarações, mas apenas quando considerar “oportuno”.

O primeiro arguido a falar foi, por isso, Celso ‘Kota’, um dos elementos mais relevantes na teia, de acordo com o Departamento Central de Investigação e AçãoPenal (DCIAP). O arguido começou por explicar que só falaria à vontade se os restantes suspeitos saíssem da sala, frisando ter receio da influência do antigo vice-presidente do Sporting. Uma influência que justificou com a ligação deste à Ordem dos Templários.

O pedido foi aceite pela juíza Marisa Arnedo, presidente do coletivo – o mesmo que na sexta-feira passada condenou Pereira Cristóvão, por outros crimes, a quatro anos e meio de cadeia, com pena suspensa.

Como tudo começou Questionado sobre o seu envolvimento, Celso ‘Kota’ esclareceu que em 2013 tinha sido contactado por um empresário, Paulo Santos, que lhe pediu ajuda para recuperar uma dívida de 350 mil euros. O devedor era um outro empresário de Cascais, Cristiano Martins. Como Celso estava com a sua liberdade restringida por conta de um processo de tráfico de droga, sugeriu o nome do ex-inspetor da Polícia Judiciária Paulo Pereira Cristóvão.

Depois de tudo ter sido acordado e de Cristóvão ter aceitado o serviço, o empresário Paulo Santos levou para casa de Celso toda a documentação que comprovava a existência da dívida de Cristiano. Foi depois disso que o arguido terá conhecido melhor ‘Mustafá’, ou seja, Nuno Mendes, líder da Juve Leo, uma vez que Pereira Cristóvão o levou lá a casa para consultar esses documentos.

Perante os juízes, Celso assegurou ter-se desligado de tudo a partir desse momento, tendo apenas sabido do assalto à casa de Cristiano alguns dias depois.

Contou ainda que a sua relação com Pereira Cristóvão começou quando este era dirigente do Sporting, altura em que foi chamado para fazer segurança em jogos mais complexos. Pereira Cristóvão, acrescentou, ajudou-o por diversas vezes, assim como outras pessoas mediáticas, como Kátia Aveiro, irmã de Cristiano Ronaldo.

‘Mustafá’ implica Ex-inspetor

Celso ‘Kota’ saiu de cena, mas o que aconteceu de seguida foi revelado por outro dos principais arguidos. Nuno Mendes, o líder da Juve Leo, respondeu a todas as questões do tribunal e revelou como foram as combinações com o ex-inspetor da PJ.

“Quando saímos de casa do Celso, o Paulo Pereira Cristóvão foi mostrar-me o prédio, em Cascais, [onde morava Cristiano] e pediu-me que arranjasse pessoas para  fazer aquela cobrança”, disse, adiantando que foi por isso que acabou por envolver um familiar seu neste esquema. ‘Mustafá’ perguntou a Paulo Alexandre, seu irmão e também arguido, se estaria disposto a arranjar um grupo para fazer o serviço. Depois de alguma insistência, conta, conseguiu convencê-lo.

Nuno Mendes afirmou em tribunal estar realmente convencido de que se tratava de uma cobrança real e que ainda ficou mais descansado quando o seu irmão lhe contou que as pessoas que tinha arranjado eram dois elementos da PSP: “Para mim, serem da Polícia descansou-me, não ia haver violência nem outras coisas…”

Durante todo o período em que duraram as combinações, todos os contactos que o ex-inspetor da Judiciária tinha consigo eram sempre pessoalmente e o aviso era dado por Nuno Lobito – que chegou a ser arguido mas não foi acusado.

“O Paulo Pereira Cristóvão não falava disto por telemóvel, mas ligava-me quando era para falar do Sporting”, esclareceu ‘Mustafá’.

O isco de um milhão de euros  Mas o que ia ganhar afinal ‘Mustafá’ e os outros elementos com tal cobrança? Segundo Nuno Mendes, tinham indicações de de Pereira Cristóvão que iam cobrar uma dívida de um milhão de euros, dinheiro que o empresário Cristiano Martins teria num cofre de sua casa e o combinado era que o dinheiro, no final, fosse dividido entre o grupo (50%) e Pereira Cristóvão (50%). Ou seja, meio milhão para cada parte e nada para o credor. Isto apesar de Celso ‘Kota’ ter dito antes que em causa estava uma dívida de apenas 350 mil euros.

Na noite do crime, perto das 21h30, o grupo aproximou-se do prédio onde morava Cristiano, em Cascais, dividido em dois carros. Num deles ia ‘Mustafá’ com o seu irmão Paulo Alexandre e Pereira Cristóvão. No outro iam os dois agentes da PSP contratados para o serviço e um terceiro elemento, o serralheiro Mário Lopes.

Não demoraram mais de 30 minutos dentro da habitação, contou aos juízes o líder da Juve Leo, que ficou dentro do carro, a 50 metros. Quando saíram, o carro que ficou de vigia seguiu os homens que tinham conseguido um saco cheio de dinheiro.

A deceção Tudo correu como planeado menos uma coisa, explicou o arguido: quando finalmente pararam os dois carros em que seguiam, no Guincho, os três que tinham entrado na residência contaram que no cofre de Cristiano apenas tinham encontrado 80 mil euros e não um milhão.

“O Pereira Cristóvão disse que era impossível e ainda disse que eles tinham tirado dinheiro”, recordou ‘Mustafá’, explicando que, depois de os envelopes com o dinheiro terem passado de um carro para o outro, cada um seguiu o seu caminho: “Nós fomos para a garagem da casa da Malveira de Paulo Pereira Cristóvão e eles foram para a Margem Sul”.

Quando chegaram à casa do ex-inspetor da PJ, segundo se lembra, dividiram o dinheiro e Cristóvão aproveitou para queimar de imediato alguns cheques, num balde que tinha na garagem.

“O problema foi dizer às pessoas que afinal não era para dividir 500 mil euros, mas sim 40 mil”, revelou o líder da Juve Leo, que terá manifestado esta preocupação de imediato ao ex-vice-presidente do Sporting.

Pereira Cristóvão, porém, terá descansado de imediato o seu operacional: “Pediu-me para descansar as pessoas porque ele ia arranjar mais cobranças difíceis para eles e disse-me mesmo que estava já a preparar uma cobrança para daí a duas ou três semanas”.

E assim foi. Dias depois, Nuno Lobito terá ido informar ‘Mustafá’ de que Pereira Cristóvão queria falar novamente consigo. O ex-inspetor da PJ terá iniciado aí as combinações para uma outra cobrança, desta vez na Avenida do Brasil: “Eram 3 ou 4 milhões que estariam debaixo dos tacos, do chão”. Dessa vez os homens não encontraram nada na habitação, apesar de terem levantado o chão todo, e Nuno Mendes decidiu “sair fora”: “Disse-lhe que ele estava a pôr-me numa situação complicada, porque as pessoas estavam muito chateadas e ele disse-me que iria ter outra cobrança, mas a partir daí saí fora”.

Questionado pela defesa de um dos agentes da PSP arguidos no processo e pela juíza, ‘Mustafá’ não conseguiu justificar, porém, como acreditara que em causa estavam cobranças reais, uma vez que o dinheiro nunca ia para o credor, ou seja, para a pessoa que o reclamava. “Foi assim que o Paulo Pereira Cristóvão disse”, respondeu sempre.

A terminar o seu depoimento, disse que, se fosse hoje, não voltaria a entrar num esquema destes: “Estou completamente arrependido”.

O arguido que planeou tudo

Mário Lopes, conhecido por Vítor Hugo, é o serralheiro que terá feito a ponte entre o irmão de ‘Mustafá’ e os dois agentes da PSP envolvidos no esquema: Elói Fachada e Luís Conceição. Um deles tratou inclusivamente de conseguir mandados de busca falsos, para dar credibilidade às cobranças.

Mário Lopes começou por esclarecer que já esteve preso por assaltos e que quando foi procurado para fazer estas cobranças foi porque todos conheciam as suas ligações ao mundo do crime.

“Eu é que arquitetei isto tudo, quando me disseram que era para ir recuperar dinheiro a um homem que tinha burlado outro”, admitiu, justificando: “O que nós fizemos, ao enganá-lo, ele já tinha feito a outra pessoa. O plano era enganar um burlão”.

O plano e as gargalhadas Arrancando algumas gargalhadas a quem assistia ao julgamento, inclusivamente aos agentes da PSP destacados para fazer a segurança do Tribunal e aos restantes arguidos, Mário Lopes disse que estava numa altura da vida em que não queria voltar ao crime, mas que este caso era tentador: “A pessoa em causa, por ser burlão, não podia apresentar queixa”. “Pensava eu”, rematou de seguida.

Quando chegaram ao prédio, tinham tudo ensaiado, tão bem, “que até o segurança acreditou”. “Ele disse-nos que o Cristiano tinha saído e deixou que nos escondêssemos até que ele chegasse. Ele acreditou mesmo”, disse, recordando que justificaram a busca com um processo de diamantes e tráfico de ouro: “Inventámos essa historiazinha”.

Entre a tristeza que disse sentir por ter desencaminhado um agente da PSP, Elói Fachada, (que conhecia do ginásio) para o mundo do crime e o relato das cobranças, conseguiu arrancar outra gargalhada à audiência: “Quando o Cristiano chegou, fiz como fazem os polícias. Disse-lhe que, se não colaborasse, eu ia colocar essa indicação no relatório que tinha de fazer para o juiz. Foi como me disseram na primeira vez que me prenderam”.