Prejuízos. Cem pré-avisos de greve em 10 anos enterram Porto de Lisboa

Prejuízos. Cem pré-avisos de greve em 10 anos enterram Porto de Lisboa


Governo fala numa perda de 100 mil euros por dia, armadores falam em 300 mil. Números que fazem os operadores admitirem recorrer a despedimento coletivo 


Quatro anos de greves no Porto de Lisboa colocaram-no na lista negra dos principais operadores internacionais. Mas a falta de credibilidade não é a única consequência da paralisação causada pela falta de entendimento entre estivadores e operadores portuários.

Em termos de prejuízos, o governo avança que a greve no porto de Lisboa tem um custo diário de 100 mil euros. “Fizemos um balanço a nível nacional, com transferência de carga e aumento dos custos dos outros portos e, conseguindo ponderar alguns dos que são dos prejuízos diretos sobre as empresas que utilizam os portos, chegamos à conclusão de que existe no mínimo um prejuízo a nível nacional de 100 mil euros”, explicou Ana Paula Vitorino, ministro do Mar.

Números que, de acordo com os patrões, ficam abaixo dos prejuízos registados. De acordo com as contas que têm sido divulgadas, os armadores têm estado a perder cerca de 300 mil euros por dia e a situação do Porto de Lisboa é cada vez mais instável.

Mas os prejuízos são maiores do que a perda diária e já vêm de 2012, altura em que as exportações começaram a cair por causa de greves nos portos. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), nesse ano, a greve dos estivadores provocou uma paralisação nos portos nacionais que culminou numa forte quebra nas expedições para o espaço comunitário. Nesse ano, a greve neste setor custou a Portugal cerca de 1,2 mil milhões de euros.

 As exportações são, aliás, uma das preocupações de muitos que falam mesmo em atentado à economia. De acordo com João Albuquerque, presidente do Conselho Empresarial do Ave e do Cávado (CEDRAC), “uma greve de um mês é, acima de tudo, um atentado à economia e apresenta-se já como um problema de segurança nacional” e acrescenta que “representando o CEDRAC 33,6% das exportações no Norte do país e um volume de negócios na ordem dos 22 mil milhões de euros, tememos pela estabilidade económica dos nossos associados, uma vez que esta greve afeta todos os setores empresariais e desacredita a economia nacional face aos investidores internacionais, o que evidentemente se repercutirá nas exportações”.

Cerca de 100 pré-avisos de greve em dez anos marcaram a atividade do porto de Lisboa. E, de acordo com a Associação dos Agentes de Navegação de Portugal (AGEPOR), fizeram com que “os terminais portuários da capital perdessem cerca de um terço da atividade que desenvolviam”.

A paz que não durou Em janeiro, o governo anunciava o fim de um conflito com mais de três anos e garantia o fim das greves. Mas este cenário não demorou a mudar. Em abril, começava uma nova greve. Uma paralisação que foi prolongada até 16 de junho. Agora, o governo tenta uma nova ronda de negociações. Enquanto isso, os principais operadores fogem das perturbações causadas pela greve na estiva.

A situação acabou por ganhar tais proporções que levou mesmo Ana Paula Vitorino a apelar à nova administradora do Porto de Lisboa, Lígia Sequeira, que coloque o porto a funcionar, mesmo que para isso tenha de acabar com os atuais contratos de concessão que tem com os operadores. Já na segunda-feira, Ana Paula Vitorino tinha sido peremtória: “Ou mantemos os privilégios de alguns ou mantemos o emprego a milhares.” As expetativas do governo quanto à nova gestão do Porto de Lisboa são, aliás, muito claras. “É preciso recuperar o Porto de Lisboa seja lá como for”, admite a ministra do Mar, acrescentando que “se para isso for necessário renegociar as concessões, acabar com as concessões, apoiar processos em que passamos a ter novas concessões e novos trabalhadores, então isso terá de ser feito.” Ou seja, na prática, caso os atuais contratos de concessão entre Administração do Porto de Lisboa e operadores chegassem ao fim, também os contratos dos operadores com os estivadores acabavam. O que significa que, quando fossem celebrados novos contratos entre o Porto de Lisboa e os operadores, estes passariam a ter liberdade para contratarem novos estivadores, eventualmente com condições laborais não tão favoráveis quanto aquelas que são praticadas atualmente.

Além disso, Ana Paula Vitorino aproveitou para deixar claro que chegou a hora de resolver o problema e frisou mesmo que o apelo ao entendimento é o último que o governo faz. “Nós tentámos apelar ao consenso. E chegou a hora de resolver o problema. Faço um último apelo, aos sindicatos e aos operadores, para que cheguem a um acordo que garanta o emprego a todos quando trabalham no Porto de Lisboa. Têm de pôr fim ao braço-de-ferro.”

A lista negra dos operadores Uma das maiores consequências da greve é a perda de atividade no porto da capital, mas há uma outra que tem ganho cada vez mais importância: Lisboa entrou para a lista negra dos principais operadores internacionais. Uma posição que Pedro Queiroz, diretor-geral da Federação das Indústrias Portuguesas Agroalimentares (FIPA), reforça, esclarecendo que estes operadores “não estão a fornecer cotações de matérias-primas para o mercado português, devido à instabilidade da situação criada em Portugal”. E alerta: “As que são disponibilizadas apontam para acréscimos de preços que nada têm a ver com os preços do mercado mundial”. 

Medo da instabilidade assombra Porto de Lisboa Esta greve dos estivadores ganha ainda mais peso depois de, em dezembro de 2015, alguns armadores terem abandonado o porto de Lisboa para fugirem da greve dos estivadores, que começou a 14 de novembro. O grupo dinamarquês Maersk, maior armador mundial, chegou mesmo a comunicar aos clientes e parceiros que pretendia abandonar as operações no Porto de Lisboa. Por esta altura, este era já o anúncio da segunda baixa, depois de a alemã Hapag-Lloyd ter trocado o porto de Lisboa pelo de Leixões. Para a Associação dos Agentes de Navegação de Portugal (AGEPOR, “os armadores já não estão para se sujeitar a um porto que não deu no passado, não dá no presente e também não se vislumbra querer dar no futuro garantias e vontade de ter estabilidade”.

Porto de Leixões ganha cada vez mais protagonismo Enquanto o Porto de Lisboa perde atividade, o Porto de Leixões faz a trajetória contrária. De acordo com Jaime Vieira dos Santos, presidente da Comunidade Portuária de Leixões, o porto está neste momento com índices de execução “equivalente a 2014, que foi o melhor ano do porto”. A greve dos estivadores no Porto de Lisboa fez com que Leixões recebesse de Lisboa 10 mil contentores. No entanto, para Jaime Vieira dos Santos, a situação não é a melhor. Apesar do crescimento registado no porto, o presidente da Comunidade Portuária de Leixões assume que prefere que a situação no porto da capital seja resolvida em breve.       

Estivadores em filme Em 1954, o filme “Há Lodo no Cais” tornou-se um dos mais polémicos da época, somando as mais variadas críticas dos partidos de esquerda e sindicatos norte-americanos. A película, considerada uma das melhores obras do cinema, conta a história de um rapaz que vive na zona portuária de Nova Iorque, EUA, e trabalha como pau para toda a obra para gangsters que controlam o sindicato dos estivadores. Um drama que ganhou os mais variados galardões.

Mas afinal o que impede o acordo? A reunião de dia 20 de maio acelerou a situação de rutura que agora se vive no Porto de Lisboa. Os operadores propuseram um acordo de paz social que, acima de tudo, previa um novo contrato de trabalho para colocar um ponto final na greve que começou no dia 20 de abril e que foi prolongada até 16 de junho.

As greves eram, aliás, um dos pontos em destaque numa das cláusulas. O acordo que os operadores propuseram visava que durante seis anos não houvesse nenhuma greve. Mas os estivadores recusaram. De acordo com o sindicato deste setor, na base da greve está a falta de acordo sobre a progressão na carreira e a defesa, por parte dos sindicatos, de que a atividade portuária seja feita por estivadores e não por trabalhadores não qualificados a ganhar perto do salário mínimo. Os sindicatos exigem também que os trabalhadores que laboram no Porto de Lisboa há vários anos deixem de ter contratos precários.