“Prudência, equilíbrio e ponderação”. São estes os substantivos do ministro da Saúde, que ontem no parlamento recusou teorias do caos com a reposição das 35 horas e acabou por se demarcar de declarações da responsável pelas finanças do SNS. O governo não assume que um desequilíbrio nas contas que motive um orçamento retificativo seja uma possibilidade.
Em entrevista ao “SOL”, no passado fim de semana, Marta Temido, presidente da Administração Central do Sistema de Saúde, considerou que seria bom haver um reforço do orçamento do SNS. Reconhecendo que “ninguém gosta de orçamentos retificativos”, a responsável explicou que a reposição de salários ou mesmo a subida do salário mínimo não foram acauteladas do ponto de vista financeiro no Orçamento do Estado.
Confrontado com esta declaração, Adalberto Campos Fernandes fez questão de afirmar a posição política do ministério. “Creio o que [Marta Temido disse] é uma reflexão de uma cidadã circunstancialmente presidente de um instituto que trabalha com o ministério da saúde. Nesta matéria não estamos de acordo. Não vejo nenhuma necessidade [de que o retificativo] venha a ser equacionado.”
O ministro reiterou várias vezes que a sustentabilidade do SNS é uma prioridade, acreditando contudo que é possível “contemporizar o impulso reformista com resultados em saúde e equilíbrio orçamental”, disse.
Como argumento tinha os dados da execução orçamental, ontem conhecidos. Depois de um primeiro trimestre em que a dívida disparou, os dados de Abril mostram que o saldo do SNS se situa em -99,8 milhões, menos 77,1 do que no mesmo período do ano passado. Os pagamentos em atraso nos hospitais baixaram 14 ME, para 536 milhões, fruto da entrada em vigor do orçamento mas também do desconto das notas de crédito que as farmacêuticas atribuem aos hospitais. A despesa subiu 1,9%, metade do mês anterior. Já a receita aumentou 4,8%, mais do que no primeiro trimestre. Ainda assim, a despesa com pessoal continua a subir. E falta o impacto das 35 horas.
Mais organização Na entrevista ao “SOL”, Marta Temido adiantava que, na ausência de um reforço financeiro, – iriam surgir “situações muito complicadas” mas impunha-se responsabilidade, considerando não estarem em causa as previsões de défice. A tónica, nesse caso, passaria a ser ainda mais a reorganização dos serviços. No caso das 35 horas, não estando ainda fechado o modelo em que vai avançar, a responsável admitiu que não haverá contratações lineares.
Sobre esta ideia parece haver sintonia no ministério. “As dificuldades devem-se mais vezes a problemas de organização do que ao financiamento”, disse o ministro. Adalberto Campos Fernandes disse que a reposição da 35 horas na saúde deverá ser analisada com especial cautela, até por entrar em vigor na altura do verão em que há mais pessoal de férias. Reiterou que em cima da mesa está um faseamento mas remeteu decisões para quando estiver aprovado o quadro legislativo, que o PS adiou para próxima semana. De qualquer forma, disse que o recrutamento não é instantâneo.
O ministro afastou a hipótese de repor o pagamento do trabalho extraordinário este ano, uma exigência dos sindicatos que já prometeram lutar para que a promessa eleitoral seja cumprida. O ministro disse que só no orçamento de 2017 isso poderá ser acautelado. Campos Fernandes tem contudo a expectativa de que a negociação com os sindicatos dê frutos: revelou estar a trabalhar no sentido de obter melhorias na resposta “dentro do quadro orçamental”, como os médicos mais velhos poderem fazer urgências (hoje deixam de fazer aos 55 anos).
"Setor provado dependente"
A afirmação mais forte, contudo, surgiu quando o tema da relação entre o Estado e os prestadores privados foi suscitado pelos deputados, até no embalo da discussão dos contratos-associação na educação e da revisão que está a ser feita dos hospitais em regime PPP. Paulo Macedo dizia-se ministro do sistema de saúde, onde cabia um setor privado. Adalberto Campos Fernandes foi perentório: o recurso ao setor privado é para reduzir aumentando internalizando a resposta no SNS.
O ministro estimou mesmo que, dos mil milhões de euros que o SNS paga ao setor convencionado por resposta que não consegue dar aos utentes, 15% a 20% poderiam ser poupados, revertendo esse dinheiro para o financiamento do setor público. Em causa, estariam 150 milhões a 200 milhões. Um valor reduzido quando se tem em conta os 4 mil milhões de orçamento dos hospitais mas que supera, por exemplo, o que o Estado vai gastar este ano com contratos de associação nas escolas.
Campos Fernandes não se ficou pelas contas e considerou que se instituiu em Portugal um “setor privado de dependência”, considerando que deve trabalhar numa relação de transparências mas não de “dependência de uso, que não é boa para o Estado nem para o setor privado que, de um momento para o outro, pode ver o seu funcionamento comprometido”.