Marcelo: PS e esquerda cada vez mais desconfiados do Presidente

Marcelo: PS e esquerda cada vez mais desconfiados do Presidente


À esquerda desconfia-se das intenções de um Presidente aparentemente simpático para o governo, mas com uma agenda interventiva. No PS há quem ache que só está à espera que mude a liderança do PSD. No BE, defende-se que trabalha para o regresso do arco da governação


Desconfiança é a palavra certa para descrever a forma como a esquerda olha para Marcelo Rebelo de Sousa. Para lá de toda a simpatia e bom relacionamento entre Belém e São Bento, há um sentimento, raras vezes admitido em público, de que a forma como o Presidente tem tratado a maioria que apoia o governo faz parte de uma tática que, no longo prazo, revelará que Rebelo de Sousa está onde sempre esteve: no centro-direita.

À esquerda olha-se para a má relação entre Marcelo e Pedro Passos Coelho e desconfia-se de que o Presidente estará, afinal, apenas à espera que liderança do PSD mude para tirar o tapete à geringonça.

À ESPERA DO PSD

Porfírio Silva, um dos dirigentes socialistas mais próximos de António Costa, partilhou essa mesma visão num post no Facebook, este fim de semana. “Contrariamente a alguns camaradas meus, não vejo com nenhuma bonomia o comportamento político que está a exibir o atual Presidente da República. Acho que a sua tática atual visa conseguir a substituição da direção do PSD – e não acho que um Presidente deva agir para obter certas configurações na estrutura de um partido, qualquer que seja esse partido. E isso não me parece menos grave lá por o partido em questão não ser o meu.”

Porfírio Silva vê no “tique de simpatia” de Marcelo para Costa apenas “um compasso de espera, visando dar tempo à chegada do PSD ao ponto de rebuçado para a sua própria emergência como principal ator da direita portuguesa”.

A análise do dirigente do PS surge no final de uma semana durante a qual esteve mais próximo do que nunca um azedar de relações entre São Bento e Belém que só não terá acontecido porque nem Marcelo nem Costa querem que aconteça. O Presidente está apostado em manter a estabilidade governativa. O primeiro-ministro tem consciência da popularidade de Rebelo de Sousa e da importância de não criar um conflito institucional.

Ainda assim, a polémica em torno dos colégios com contratos de associação foi o que esteve até hoje mais perto de dar origem a um incidente entre governo e Presidência. Marcelo tem insistido – como ontem voltou a fazer publicamente – na necessidade de um “entendimento” entre escolas privadas e Ministério da Educação. Mas da 5 de Outubro o que tem chegado é a reafirmação de que é para manter a política de evitar redundâncias entre a rede pública e a oferta privada financiada pelo Estado.

O dossiê tornou-se ainda mais complicado graças às notícias – nunca desmentidas por Belém – de que o Presidente estaria a fazer uma diplomacia de bastidores para uma aproximação de posições. É que, enquanto estes sinais vinham da Presidência, no governo montava-se uma defesa cerrada ao não recuo do ministro Tiago Brandão Rodrigues.

A polémica em torno dos contratos de associação é um dos exemplos mais claros de como Marcelo Rebelo de Sousa quer ser um ator político relevante, e não uma rainha de Inglaterra. António Costa, reagindo à forma como o Presidente tem intervindo nesta matéria, chegou mesmo a afirmar que Marcelo “não é rainha” e que o governo “convive bem” com as opiniões que vêm de Belém.

Na realidade, à esquerda há incómodo com as posições mais interventivas do Presidente da República. E esse incómodo não se reflete só em comentários no Facebook ou em conversas de bastidores. Ele está nas moções que as lideranças de PS e BE vão levar aos respetivos congressos.

No texto que António Costa levará à convenção socialista em junho, a designação do sistema português como “semipresidencialista” é tida como “equívoca”. Costa lembra que o sistema está desenhado para ter o parlamento no centro e frisa o facto de “o executivo responder politicamente, e em exclusivo, perante a Assembleia da República, a cuja fiscalização política naturalmente se submete”.

Na moção de Catarina Martins há uma referência ainda mais clara ao desagrado com a forma como Marcelo encara a função presidencial. O texto que a líder levará à convenção do BE fala mesmo numa “tentativa de presidencialização do regime político que marca o início do mandato do novo Presidente da República”.

Catarina Martins não tem dúvidas sobre as intenções de Marcelo: “As suas pressões para ‘acordos de regime’ visam repor as relações históricas e o alinhamento à direita dos partidos da alternância”.

A mesma leitura tinha já o dirigente bloquista Jorge Costa em março quando, em entrevista ao i, dizia que “Marcelo Rebelo de Sousa está empenhado num certo regresso à normalidade do bloco central”.