Matérias dessas que fiquem para quem as agarrar, mas não para ele, filho de operários que procura sempre pôr a mão na massa, livre de produções em massa e de fordismos modernos. Talvez sejam os genes os agentes responsáveis por fazer dos conflitos sociais a sua praia. Aos rumores que dizem que esta é a sua última longa metragem responde com a incerteza de quem não deixou de querer mas já começa a deixar de poder. Aos 78 anos, e com "O Salão de Jimmy" – sempre crítico em relação ao seu país natal -, leva-nos à história real de Jimmy Gralton, um irlandês que é deportado para os Estados Unidos por perseguição política, por motivos duvidosos. Os documentos dessa deportação não estão disponíveis desde essa altura. "Estranho", diz-nos.
Está com 78 anos, certo?
Acho que sim, qualquer coisa desse género.
A vontade de fazer filmes permanece intacta?
Bem… penso que sim, o entusiasmo, em geral, é o mesmo. Mas também penso que há diferentes formas de nos divertirmos, há várias maneiras de ter energia. Se não te esqueceres de te levantar cedo da cama, há sempre novas formas de gostares do teu trabalho.
Diz-se que este é o seu último filme. Confirma?
Ainda não sei, é difícil dizer. Vou sentar-me com o Paul Laverty [guionista] e com a Rebecca O"Brien [produtora], as duas pessoas que sempre trabalham comigo, para perceber se há algo mais a fazer, se vale a pena continuar. Vamos ver.
Isso significa que está cansado de fazer filmes?
Nem por isso, mas é fisicamente muito exigente. Já não vou para novo e aguentar, consecutivamente, 14 horas pelos meus pés, a andar de um lado para o outro… talvez consiga oito, mas 14? Começa a ser demasiado para mim, mas nada está decidido.
O que se vê a fazer se, de facto, decidir parar. O que o motiva?
Provavelmente assistir a jogos de críquete e ver umas partidas de futebol. Parece-me bom.
A televisão podia ser uma hipótese de trabalho, ou está fora de questão?
A televisão é ainda mais desgastante que o cinema, sobretudo por ser mais controlada, há mais patrões, mais executivos, é muito burocrático, e isso não me atrai nada. A televisão tem sido arruinada pelas pessoas que a controlam, isto para não falar do controlo político a que se sujeita.
Portanto não é para si, é isso?
É mais que isso. Acho sinceramente que é um meio de comunicação muito importante, mas é por certo dos mais difíceis de trabalhar, em que é mais difícil realizar coisas com qualidade sem ninguém meter o dedo.
Recentemente criticou a BBC pela cobertura da invasão de Gaza. Porque decidiu fazê-lo?
Vejamos, a BBC é a televisão nacional, a questão é que não é uma voz independente, é uma voz controlada, é a voz do Estado. A deturpação do conflito de Gaza tem sido demasiado evidente, a deturpação das questões políticas de maneira geral está à vista de todos na BBC. Representam os interesses do capital, da monarquia, da igreja.
E quando se fala de Gaza em específico, como é que se isso se reflecte?
Eles fingem que são objectivos, mas não são. Quando se fala de Gaza é mais grave ainda, porque estamos a falar de crimes de guerra que o estado israelita comete e que não são noticiados, enquanto a resistência palestiniana é considerada terrorista. Ainda hoje [ontem] Israel matou uma mãe e o filho e a BBC apresenta o caso como uma resposta a um rocket palestiniano, o que não é nada, o rocket é como fogo-de-artifício. E isto não acontece só na BBC, a maior parte dos media ocidentais fá-lo também, ignora simplesmente, e isto é algo que tem ser dito.
Em Bath, há uns dias, esteve a falar de si e do seu trabalho. É algo que gosta de fazer?
Vivo em Bath e é algo que não me importo de fazer, mas também não falo muito de mim, limito-me a responder às perguntas que as pessoas fazem, é o mínimo que posso fazer, como estou a fazer contigo.
Em 2006 ganhou a Palma de Ouro com "Ventos da Liberdade", um filme sobre a Guerra da Independência na Irlanda, um pouco como este "Salão de Jimmy". Tem uma espécie de fascínio por este país?
A relação entre a Irlanda e o Reino Unido é muito importante para os dois países. Como ex-colónia, os irlandeses fizeram naturalmente o seu papel para obter a independência. A resposta do Reino Unido diz muito sobre como o Império Britânico trata as suas colónias, a forma como resistiram gerou uma enorme miséria no território irlandês, os britânicos nunca disseram a verdade sobre essa guerra, fingiriam que eram apenas os irlandeses a lutar entre eles.
E também continua a sua saga de abordar problemas sociais, neste caso a pobreza e os conflitos com a igreja. É o seu veículo para se expressar?
Não, é uma história real e parece trazer à tona muitas ideias. Quando se dá uma mudança social não se trata de sermos miseráveis, mas felizes. A luta por uma vida digna, assim como a ligação da religião organizada e o poder económico. O que também me atraiu foi ser apenas um pequeno lugar no campo, no canto de um país do qual nunca ninguém ouviu falar, e ainda assim contém todas estas ideias. É encantador.
Como descobriu a história deste homem, Jimmy Gralton?
Foi o Paul Laverty que ouvir falar do Jimmy, através de um outro guionista que lhe falou da história. Então ele falou comigo, e pelas razões que acabei de dizer pareceu-nos uma história que devia ser conhecida pelas pessoas.
Esse canto de que fala chama-se Leitrim, no Noroeste da Irlanda. Como foi gravar por lá, qual foi a reacção das pessoas locais?
Fantástica, como sempre. A qualquer sítio onde vou é sempre a mesma coisa, toda a gente fica feliz por termos escolhido aquele local, querem saber a origem do projecto e se podem participar, tudo. Neste caso, os mais jovens participaram na dança, a felicidade enchia-lhes o rosto.
Há actualmente algum espaço como o Salão de Jimmy em Leitrim?
Nem por isso, a economia está numa depressão muito grande por lá, muitos deles emigraram para encontrar trabalho, para a Austrália, para os Estados Unidos, por aí. No local onde era o salão existe um pequeno sinal dele, mas é isso, pouco mais.
Tal como o Jimmy…
Precisamente, o que acontece no filme está a acontecer hoje naquele mesmo lugar.
Percebeu se as pessoas tinham ou não conhecimento da história do Jimmy?
Quase ninguém sabia da existência de Jimmy Gralton, nem da sua história heróica. Duas ou três pessoas já tinham ouvido falar, mas nada mais, e eram sobretudo aquelas que tinham cargos institucionais. Mesmo os documentos da deportação de Jimmy Gralton já não estão disponíveis, desapareceram na altura, o que é no mínimo estranho.
Como é o cinema no mundo real, vivido, longe das grandes cidades e do circuito da indústria?
É muito difícil dizer, mas penso que nalguns países é melhor que noutros. A França sempre foi mais forte neste sentido que os outros países europeus. Existe uma grande diversidade de filmes, de matérias. No Reino Unido não é grande coisa, o cinema comercial domina tudo, os distribuidores têm medo. Fora de Londres é quase impossível ver filmes independentes. E sei que é algo generalizado. Mesmo em Espanha é muito complicado fazer um filme.
Ganhou este ano o Urso de Ouro Honorário. É pessoa de se importar com estas distinções?
Não sei, nunca sei bem o que dizer, mas quando isso acontece mostra que as pessoas são simpáticas e estão atentas ao teu trabalho, não é apenas por um livro, é por todo o teu trabalho ao longo dos anos. É uma boa recompensa, dizes "muito obrigado e espero que gostem do próximo".
Não lhe parece que estas atribuições possam estar relacionadas com os rumores que dizem que se pode reformar?
Provavelmente sim, por isso e pela idade que tenho. Quando ficas velho as pessoas tendem a ser mais generosas contigo, é quase como poder andar de autocarro sem pagar.