Ser vegetariano desde pequenino? “Os meus filhos são dos mais altos da turma”

Ser vegetariano desde pequenino? “Os meus filhos são dos mais altos da turma”


Gabriela Oliveira acaba de publicar “Cozinha Vegetariana para bebés e crianças”, resultado das suas investigações enquanto jornalista e mãe


Croquetes de amêndoa e brócolos, creme de grão e batata-doce, mousse de alfarroba e chocolate. Gabriela Oliveira, vegetariana há 19 anos, garante que os filhos não torcem o nariz a estes petiscos e ainda nunca lhe pediram para provar carne. Licenciada em comunicação social, investiga o tema há mais de dez anos e publicou agora um livro com receitas e dicas importantes para os pais que estejam a equacionar iniciar um modelo de alimentação vegetariana. O i conversou com a autora e faz um apanhado de algumas dicas e propostas alternativas à papinha de pacote ou à sopinha com borrego.

É vegetariana há muito tempo?

Há 19 anos, desde que terminei o curso. Na altura estava a conversar com um amigo (agora, marido) e descobri que era possível fazer a substituição das proteínas por alimentos de origem vegetal e que a carne não era obrigatória na alimentação. Mudei de um dia para o outro, não conseguia comer carne sem pensar na questão do sofrimento dos animais. Comecei a interessar-me muito pelo tema da nutrição e pela culinária vegetariana. Conseguir encontrar fórmulas para tornar as refeições vegetarianas mais saborosas, fáceis de preparar e completas do ponto de vista nutricional tornou-se um desafio. 

Começou logo a pensar introduzir a mesma dieta quando nasceu o seu primeiro filho? 

Sim. Pesquisei muito e na altura entrevistei médicos e pediatras sobre o tema e percebi que era possível dar uma alimentação vegetariana ao meu primeiro filho. Quando nasceram os outros dois, já tinha publicado um livro sobre o tema, por isso estava mais preparada. Para reforçar as proteínas, em vez de carne ou peixe, colocava nas sopinhas tofu, lentilhas, feijão, grão ou tempeh. Usava também cereais integrais, algas marinhas, papas caseiras, purés de fruta e os chamados complementos para reforçar os nutrientes, como a levedura de cerveja, o gérmen de trigo e as sementes trituradas.

Uma criança pode ter um regime vegetariano exclusivo? Não lhe falta nada?

Eu tenho uma abordagem aberta: cabe a cada família optar pelo regime alimentar que considera mais adequado, sendo que as crianças devem ter um acompanhamento médico regular, independentemente do regime escolhido. As crianças podem ter uma alimentação vegetariana em exclusividade sem riscos de carências desde que sejam tomados alguns cuidados e a alimentação seja variada, equilibrada e ajustada às necessidades de cada etapa de crescimento. No livro detalho esses cuidados, como melhorar a absorção do ferro, como reforçar as proteínas, como garantir o ómega-3 e a vitamina B12, etc. Sei que o tema não é consensual mas várias associações internacionais de dietética e pediatria assumem uma posição favorável sobre as dietas vegetarianas na infância. Recentemente, no nosso país, a Direção Geral de Saúde (DGS) também o confirmou. Disse mesmo que “à semelhança de outros padrões alimentares, o padrão vegetariano, quando bem planeado, pode fornecer todas as necessidades nutricionais de crianças e adolescentes”.

Temos sempre algum receio de, indo por caminhos menos explorados, saber se estamos mesmo a dar o melhor aos nossos filhos. Não passou por isso? 

Quando os pais são vegetarianos e estão familiarizados com os alimentos típicos da culinária vegetariana, não faz sentido recuar e dar carne aos filhos, como alguns médicos chegam a sugerir. É fundamental assegurar as proteínas e os nutrientes que o bebé necessita, mas estes podem ser garantidos através de alimentos de origem vegetal, como o tofu, as leguminosas, a quinoa e outros. Se nas principais refeições tivermos presente uma boa fonte proteica e de minerais, as proteínas estão asseguradas. Além disso, a maioria dos alimentos que damos às crianças ao longo do dia (como o leite e os cereais) contêm proteínas. Hoje, no Ocidente, a grande preocupação na alimentação das crianças não é a falta de proteínas mas o excesso de proteínas, de açúcares e de gorduras saturadas, que está relacionado com o aumento da obesidade e de várias doenças evitáveis. E a habituação ao açúcar começa, infelizmente, nos primeiros meses de vida, por vezes, sem os pais se aperceberem.

Não lhe parece haver alguma contradição no que dizem os pediatras face a tudo o que se discute hoje em dia sobre alimentação? Por um lado, dizem que as crianças não podem comer açúcar até ao primeiro ano, por outro mandam comer papas já feitas que mesmo sendo “a primeira papa” têm maltodextrina… 

Pior, vejo muitos bebés sentados ao colo dos pais, nos centros comerciais, a comer batatas fritas, bolos cheios de açúcar e gorduras, e a provar refrigerantes! Não era suposto, mas acontece. A Organização Mundial de Saúde é clara ao afirmar que as crianças não devem consumir açúcar, pelo menos, durante o primeiro ano de vida. Mas existem à venda muitas papas para lactentes com açúcar ou sacarose, o que é lamentável e injustificável. Pediatras informados chegam a prescrever essas papas. Porque o fazem? Seria bom que refletissem sobre essa contradição. No livro dou sugestões de papas caseiras com diferentes cereais, que podem ser preparadas em 5 a 10 minutos e a baixo custo. 

Como foi a reação do seu pediatra? 

Os médicos que acompanharam os meus filhos não colocaram obstáculos. Os meus filhos sempre cresceram bem, são dos mais altos da turma, com boas notas, com bons amigos e são saudáveis, por isso, não houve preocupações em relação ao facto de serem vegetarianos. Os amigos deles e os professores ficam curiosos e perguntam muito porque é que eles não querem comer carne. A resposta costuma ser simples: “Gostamos muito dos animais, por isso não os queremos comer!” O meu filho mais velho já é adolescente e continua a não querer provar carne. Hoje em dia já se encontram mais alternativas nos supermercados e restaurantes (mesmo de fast-food), e é relativamente simples satisfazer os gostos dos filhos. Se no futuro eles escolherem outro tipo de alimentação, eu aceitarei, claro. Isso aplica-se a qualquer outra decisão que venham a tomar.

O que motivou o livro? 

A primeira vez que publiquei um livro sobre este tema foi há dez anos. Na altura, existia pouquíssima informação sobre alimentação vegetariana na infância. Este livro traz uma nova abordagem, pois todas as receitas são 100% vegetarianas e ilustradas, de forma que podem servir de guião para todas as famílias, em especial, para as crianças com intolerâncias e alergias alimentares ao glúten, aos ovos, à lactose ou às proteínas animais. Queria também mostrar que podemos oferecer os legumes de formas diferentes, por exemplo, em almôndegas e croquetes, e incentivar as crianças a apreciarem o sabor natural dos alimentos. Como os pais têm pouco tempo, a maioria das receitas são rápidas e fáceis de preparar, além de serem adequadas tanto para os filhos como para os pais. Confesso que comi muitas papinhas de bebé enquanto fotografava e escrevia o livro, porque me confortavam e saciavam nas noites frias de Inverno.

Terem esta alimentação não vos sai muito caro?

Não sai mais caro porque as proteínas vegetais são mais baratas do que a carne e o peixe. As leguminosas são muito acessíveis e mesmo alimentos como o tofu biológico fresco conseguem-se a um preço inferior à carne (500g de tofu fresco custa 2,5€ nas lojas especializadas). Para romper com essa ideia, comecei por publicar o livro “Cozinha Vegetariana para quem quer poupar”, em que as receitas iam de escassos cêntimos até 5 euros.

Não tem mesmo muito mais trabalho a preparar as refeições?

Não é mais demorado. Podemos preparar bifinhos de tofu em cinco ou 10 minutos, pelo método que explico no livro, pois nem é preciso deixar temperado de véspera e podemos decidir na hora o que vamos cozinhar. Além disso, podemos recorrer ao feijão e ao grão já cozidos e prontos a usar, para acompanhar com o tal arroz

Qual é a receita preferida lá em casa? 

É difícil dizer só uma receita… Uma das preferidas é panquecas de banana, também na versão wafles, servidas com compotas. Depois há as sobremesas que eles adoram, como o bolo de chocolate com cobertura extra e a tarte gelada de limão. Nas comidas, os gostos são mais variados, os mais pequenos talvez prefiram os bifinhos de tofu e o mais velho, a feijoada de cogumelos ou o caril de grão. São receitas que estão nos meus livros e que têm sido repetidas em casa de muitas famílias, o que me deixa feliz, por saber que há tantas pessoas a aderir a refeições vegetarianas.