Daniel Adrião. Contra Costa porque tem de ser

Daniel Adrião. Contra Costa porque tem de ser


O segurismo “já era” e o pós-segurismo não tem condições para aparecer. Vai Daniel Adrião, um mensageiro antiaparelhista, que até pode livrar Costa de um resultado norte-coreano 


Daniel Adrião é o challenger de António Costa nas eleições diretas no PSque se realizam hoje à tarde (em 16 federações) e amanhã (nas restantes sete). Mas apenas porque tem de ser – os estatutos do PS impedem que uma moção de orientação política global seja apresentada sem uma candidatura a líder. Ainda assim, este militante vai, ainda que involuntariamente, surgir como o aglutinador de todos os descontentamentos. E poderá impedir António Costa de sair das diretas com uma votação “norte-coreana”.

Um crítico interno diz ao i que o líder poderá ficar abaixo dos 90% por causa da entrada de Daniel Adrião em cena. Se a contagem dos votos de 40 mil militantes não colocar Costa muito abaixo deste valor, a maioria socialista poderá até agradecer-lhe. Em novembro de 2014, sem oposição, Costa chegou aos 96%, sendo eleito secretário-geral pela vontade de 22 700 votos. Antes, porém, tinha sido consagrado, como nenhum outro líder partidário foi antes, nas primárias abertas a não militantes. Recolheu 118 mil votos (67,8%), arrumando com o então líder António José Seguro.

O setor segurista nunca mais se recompôs, nem depois de António Costa ter perdido as legislativas para o PSD de Passos Coelho. A construção da inédita geringonça deitou por terra a oposição interna. Agora, o setor segurista, ou o que resta dele, irá votar em Adrião nas diretas. 
No congresso marcado para o primeiro fim de semana de junho, porém, haverá pouco a ligar as principais figuras politicamente desalinhadas do atual primeiro-ministro – como Francisco Assis, Sérgio Sousa Pinto ou Álvaro Beleza – a Daniel Adrião, politicamente próximo da “esquerdização” de Costa.

O que quer Adrião Arredado da ribalta política, Daniel Adrião, de 48 anos, é recordado pelas duas vezes em que se candidatou à liderança, mas da Juventude Socialista, entre o final dos anos 80 e o início dos anos 90.
No momento em que entregou a sua moção intitulada “Resgatar a democracia”, Adrião disse que “quer estancar a crise da democracia representativa”, demonstrada pela crescente abstenção e pelo afastamento dos cidadãos em relação aos partidos. Entende que a reforma do sistema eleitoral e uma evolução antiaparelhista no PS podem inverter a tendência de perda. 

“É um movimento que nasce de uma necessidade de profunda discussão no interior do PS sobre o futuro do partido e do país. Este não é um movimento de crítica, mas um movimento de massa crítica”, resumiu Adrião.

Críticos condicionados A criação de círculos uninominais, a defesa da escolha dos candidatos a cargos eletivos partidários através de diretas e o método das primárias para a eleição do líder formam uma agenda que é comum entre Daniel Adrião e Álvaro Beleza, impulsionador das primárias. 

O ex-secretário nacional de António José Seguro, que negociou pelo setor segurista com António Costa a transição, chegou a declarar-se disponível para avançar contra este, após as legislativas que o PS perdeu, mas recuou de imediato. 

Beleza é agora mais conciliador. “Enganei-me sobre a fragilidade desta solução política, mas não estou completamente convencido de que o futuro será risonho”, diz ao i. “Não vamos ao congresso em guerra contra António Costa, apoiamos este governo e o primeiro-ministro. Vamos em representação de um setor moderado, que faz falta ao PS, para debater política”, afirma o atual membro da comissão política do PS. Beleza fala aqui na primeira pessoa do plural, incluindo na sua posição Francisco Assis e Eurico Brilhante Dias.

Deste grupo, o deputado Eurico Brilhante Dias está mais ou menos integrado no PS costista. Uma entrada no secretariado poderá acontecer se o líder quiser dar sinais de alargamento da sua base de apoio, integrando os pós-seguristas – algo que está longe de ser dado como certo pelo grupo de ex-apoiantes do anterior líder.

Coimbra é uma lição Este fim de semana não elege apenas o líder do PS para um próximo mandato de dois anos. Os militantes socialistas também vão eleger os 1764 congressistas que estarão presentes na FIL de 3 a 5 de junho. E ainda a presidente do Departamento Nacional das Mulheres Socialistas. Elza Pais é a única concorrente, após Sónia Sanfona (que pertenceu ao secretariado de Seguro) se ter retirado. Por falta de apoios, segundo a sua adversária, enquanto a própria alegou pressões “inadmissíveis”. 

Há ainda uma votação este fim de semana que a maioria dos socialistas preferia que não existisse: a da federação distrital de Coimbra, que tinha sido adiada devido ao escândalo de inscrições irregulares de militantes que mancha a liderança de Pedro Coimbra. 

O problema não ficou resolvido:António Manuel Arnaut (filho do histórico António Arnaut) candidatou-se contra Pedro Coimbra, com um manifesto de moralização do partido. Mas duas semanas depois de avançar, Arnaut suspendeu a sua candidatura por considerar que “o processo eleitoral se encontra viciado, não garantindo as mínimas condições de legalidade e transparência”.

Pedro Coimbra, que lidera há dois mandatos, ficou com caminho aberto para ser reeleito – uma vitória do aparelhismo que tem, para os simpatizantes da moção de Daniel Adrião, uma virtude. “É um exemplo doloroso e presente de como é preciso mudar a vida interna do PS”, comenta um militante socialista ao i.