Chegámos atrasados à aula mas antes tivemos que fazer. Desta vez, os alternativos estão na fila da frente, feitos alunos aplicados numa turma de repetentes distraídos. E os professores, alguns com cabelo a tigela, dão a lição. São os Black Lips, novos nesta escola que é o Rock in Rio, atípicos o suficiente para meterem os baldas lá de trás a tirar apontamentos. Bate-se o pé, em sinal de isto-até-é-bom, enquanto na frente os ultras não se importam, parecem mesmo ter trazido o manual. O resto dispersa, na relva artificial que faz deste Palco Vodafone um campo seguro, melhor seria dizer arriscado na ótica de um festival cujos grandes nomes são outros.
Eles bem puxam, mas, salvo a espaços, os Black Lips mereciam outra justiça, pelo meio um abraço para o Egito, que lhes fica lindamente. Também a bela mini portuguesa, tática das antigas mas sempre eficaz. "Don't turn off", pedem, isto enquanto chovem rolos de papel higiénico, há quem roube um bocado, nunca se pode garantir onde a noite decide terminar. Outros por exemplo, carregam as cadeiras encher da Vodafone, típico traz-isso-para-o-outro-palco que já é uma das imagens deste festival.
Vamos a boleia das cadeiras vermelhas, que jantar é sempre preciso. A digestão chega pelas 22h, numa tenda eletrónica que arrepia de tão vazia que se encontra. Depois os Fandango, essa dupla de Gabriel Gomes e Luís Varatojo que desordena a tradição do fado, da guitarra portuguesa e do acordeão numa estética eletrónica sensível e atraente. Ao nosso lado uma senhora vai mais longe que os outros dançarinos, ensina-nos os passos, numa espécie de dança à lá rosa mota, maratona sem sair do sitio. Fandango, às tantas, vira festa antecipada, a pedir mais gente e por certo calhava melhor às 02h mas vai muito bem por agora.
Bruce Springsteen convoca a multidão e vem tudo, um labirinto de encontrões até ao lugar possível. O boss mete um pé no palco e até o casal de velhotes atrás de nós berram como se finalmente, agora, tivessem visto o mar. No meio desta audiência entusiasta somos benjamins, chega quase a ser constrangedor, como se nos faltasse credibilidade geracional para aqui estar. Só que Bruce é todo poderoso, acolhe todos sem exceção, com a sua já da casa E Street Band leva-nos ao tempo destes companheiros de concerto, quanto mais Springsteen toca mais somos como eles, culpa da máquina de rock que domina o palco. As horas passam e,vá se mais ou menos à bola com a sonoridade do Boss, torna-se improvável não lhe reconhecermos a classe, os frangos que já virou montam-se em pilha, apanhe-se o comboio que Springsteen não leva demasiado tempo em apeadeiros, nota-se-lhe a fome, diverte-se a valer com a guitarra ao peito. Lá mais a frente lê se "fuck trump", fã que é fã aposta em cartazes atuais, pois claro. "Está-se a portar bem" ouve-se na conversa da frente, como se o Boss fosse capaz de fazer desfeitas dessa índole, o reparo mais evidente talvez seja o som por vezes oscilante, engasgado, que talvez se tenho embrulhado no já carismático vento da Bela Vista. Uma hora e meia depois do concerto começar já há quem se agarre as pernas. Estava tudo à espera de poder nascer de novo com o boss, aliás, "Born In the U.S.A." serviu de despertador de um público já meio dormente para se afigurar com um dos momentos do concerto. "Glory Days" vem em catadupa, dias de glória estes que o todo poderoso parece sempre viver, até porque posto isto vem "Dancing in the Dark". Não chegou às 03h45, tempo de duração que tem vindo a protagonizar na maioria das datas da sua digressão atual, também nem tudo tem que ser uma odisseia.
Ainda sobra energia -quer dizer, o resto do que o Boss sugou – para uma última capela. Mano Le Tough ainda traz uns sobreviventes de Springsteen, o palco eletrónico, composto como nunca, faz desligar o cérebro, aqui não é preciso saber letras de cor. Hoje, mais logo, vamos à caça da cadeira de encher.