Camões, glosado no título, não seria conhecido por Victor Lustig, cujos truques para ludibriar as vítimas eram também verdadeiros poemas – entre eles, uma máquina de fazer dinheiro. Nas demonstrações que fazia perante cada “cliente” previamente selecionado e do qual conseguira fazer-se amigo, Lustig convidava-o a introduzir na máquina uma nota verdadeira e um pedaço de papel branco com idêntica dimensão, depois de ele próprio sub–repticiamente ter colocado no mecanismo uma outra nota. Passadas seis horas, o acionamento de uma manivela levava a máquina a expelir as duas notas, uma das quais – e aí estava o disfarce – ainda húmida da tinta, sinal de o papel branco se transformara em valor real. Claro que o papel ficava nas entranhas da geringonça. Para comprovar a ilusão, Lustig deslocava-se com o cliente a um banco que, naturalmente, confirmava a autenticidade das notas. Fulminado pela evidência, logo o “cliente” insistia na compra da máquina, ao que Lustig acabava por aceder, considerando a amizade criada e uma avultada comissão. Claro que o comprador nunca conseguia extrair qualquer nota suplementar, mas Lustig já tinha viajado para longe, onde artefacto semelhante se encontrava disponível para uma nova “emissão”. A dificuldade de comunicações e a vergonha pelo logro eram suficientes para deixar Lustig descansado.
Passaram entretanto 100 anos, mas o produto persistiu e estendeu-se mesmo a novos mercados, como o da política, naturalmente usando modernas tecnologias que a renovada clientela já não dispensa.
Em Portugal, a geringonça substituiu o ferramental e as notas de Lustig pelo computador e pelo PowerPoint. Mas se Lustig só conseguia que a máquina produzisse uma nota ao fim de seis horas, o PowerPoint geringôntico garante dinheiro farto imediato no bolso do cidadão, o fim das privações, o aumento da riqueza assente na dinâmica do investimento, do consumo privado, das exportações e da despesa pública.
Acontece que Lustig fazia private placement do produto junto de clientes affluent, enquanto o governo faz dele colocação pública, que exige rigor e validação interna e externa, todavia repetidamente negada. Tal maquinismo é incapaz de transformar dados virtuais em maná concreto e real, dizem.
E se Lustig introduzia duas notas verdadeiras, falsas são as notas que o governo usa para rodar o motor do crescimento: o consumo foi travado por novas fiscalidades, e o investimento racionado. Por milagre, não prejudicando, também insistem, nem crescimento nem redução do défice. Todavia, a nota que vai saindo é a da desaceleração do PIB, do aumento do desemprego, da diminuição da competitividade e das exportações. O papel branco onde se imprimiriam as promessas ficou nas entranhas da geringonça e a austeridade passou a chamar-se consolidação. Consolidação da austeridade, melhor dito.
E se Lustig enganava a vítima com uma caixa, o governo engana com duas, tendo introduzido em cada uma o Plano de Estabilidade e o PNR.
Referencia a primeira o Tratado Orçamental, de que os parceiros de governo nem querem ouvir falar, enquanto a segunda, a do PNR, inclui algumas das mais fortes paixões desses mesmos. Mas não sendo reproduzido o cenário da última no cenário da primeira – é o governo que o diz -, tal significa que é o próprio governo a atestar a falsidade da nota do PNR, pois que não a releva para efeitos do Plano de Estabilidade.
Truques que desmerecem de uma democracia de qualidade, incompatível com geringonças de sistemas eleitorais geradores de políticos ágeis em habilidade, mas muito arredados da prática da verdade. Onde pode acolher–se um fraco humano?
Subscritor do manifesto
“Por Uma Democracia de Qualidade”