Há uma boa parte da esquerda portuguesa que se convenceu de ser a herdeira legítima do regime. É uma esquerda oligárquica, narcísica. É uma esquerda que encontra em si a voz da nação, que se comporta como se estivesse naturalmente destinada a governar e que despreza os resultados eleitorais que falham em reconhecer a sua evidente autoridade política e moral. Essa é, com pouquíssimas exceções, a esquerda que hoje temos a tomar conta do país.
Catarina Martins e Carlos César, em duas entrevistas, nem sequer se deram ao trabalho de esconder essa ideia de monopólio sobre o Estado. A líder do Bloco, que sustenta esta solução de governo PS, disse que está no apoio ao governo para “esticar a corda”. César, que é do partido do governo solucionado por Catarina e Jerónimo, acrescenta que “estão todos a esticar a corda” e que “governar é esticar a corda ao máximo”. Curiosa definição de governo: na semana em que o país chocou com os paupérrimos resultados dos primeiros seis meses do executivo de António Costa (já lá vamos), os partidos da coligação das esquerdas mandam-nos à cara que a sua política é um joguinho irresponsável no qual cada um tenta criar tensões para satisfazer as suas clientelas ou fetiches ideológicos.
É caso para dizer que nem Catarina nem César podem ficar surpreendidos se, um dia, os portugueses roerem a corda a este governo.
Dizia eu que nos últimos dias compreendemos melhor o significado das proclamações de António Costa. Percebemos que “reverter a estratégia de empobrecimento”, afinal, não significa a emancipação da maléfica “austeridade da direita”. Não é nada disso. É coisa bem mais prosaica: no léxico da coligação PS/BE/PCP, “reverter a estratégia de empobrecimento” é dar com uma mão e tirar com a outra, ou dar pouca coisa a alguns para tirar muito a todos. Já tínhamos percebido isso no OE das esquerdas, que inscreve a mais elevada carga fiscal de sempre sobre os portugueses. Agora foi a “boa notícia” da descida do imposto nos combustíveis: é este o heroico governo do povo que ousa esmagar o imposto em um cêntimo depois de o ter aumentado seis vezes mais do que isso.
Percebemos que “palavra dada é palavra honrada”. Quando o primeiro-ministro diz que não há um plano B com mais austeridade, temos de acreditar que não há mesmo um plano B com mais austeridade. A não ser que o PM tenha um lapso, admitindo afinal que há um plano B contemplando um pacote de austeridade de mais umas centenas de milhões de euros.
Também percebemos o que Costa quer dizer com “virar a página da austeridade”. Demorámos seis meses, mas chegamos lá e é assim: o anterior governo deixou um crescimento de 1,5% do PIB e a taxa de desemprego nos 11,9%. “Virar a página da austeridade” implicaria que o governo das esquerdas fulminasse cada uma destas metas. E Costa não fez a coisa por menos: em campanha prometeu pôr Portugal a crescer 2,4% em 2016; no programa do governo perdeu otimismo e só inscreveu 2,2%; entretanto voltou a rever a meta para 1,8%.
O que a Comissão Europeia e todas as entidades oficiais sustentam, com a confirmação implícita nos últimos dados do INE, é que Portugal vai estagnar nos 1,5%. Com muito mais despesa, a tendência mostra que o melhor da fórmula de Costa igualará, quando muito, o crescimento do PIB no último ano de Pedro Passos Coelho. E isso nem sequer significa que estamos na mesma, porque estamos pior. Temos mais desemprego: 12,4% contra 11,9% no final da última legislatura.
E um ritmo muito menor de criação de emprego, já que apenas no primeiro trimestre 48 mil postos de trabalho se evaporaram da economia nacional. Porque este governo faz muito mais despesa, financiada com dívida, os juros e o risco associados ao nosso serviço de dívida têm tido oscilações preocupantes. Para completar um filme que já vimos, o crédito ao consumo e à habitação explode; o petróleo voltou aos 50 dólares por barril; e alguns dos principais destinos das nossas exportações estão em recessão pronunciada.
As nuvens de tempestade estão no horizonte.
Com a impunidade de quem se julga dono do país, o PS mostra um enorme desprezo pelos portugueses ao cometer os mesmos erros do passado. Impressiona como não aprendeu nada com a sua desastrosa experiência de governo – que até parece agravada pela pressão das esquerdas. Costa podia ter escolhido outro caminho, podia ter mantido Portugal na rota irlandesa. Preferiu o caminho da Grécia.
Na falta de bom senso de quem nos governa, que a sorte esteja connosco.