A lei mata à partida a possibilidade de uma geringonça num dos 308 municípios do país, pois obriga a que o presidente da câmara seja o primeiro nome da lista mais votada. Mas mesmo a nível político, a existência de alianças com os partidos da esquerda que agora governam o país parece ter margem estreita. O Bloco de Esquerda e o Partido Comunista não manifestam para já entusiasmo por coligações pré-eleitorais para as eleições locais de 2017. Já as geringonças depois das urnas, parecem possíveis, com mais abertura do BE que do PCP.
No Bloco, a moção conjunta das duas tendências largamente maioritárias aponta para uma ida às urnas a solo. “O Bloco apresentará a sua alternativa nos Açores [as eleições regionais de Outubro] e nas autarquias, concretizando as maiores convergências locais em torno de programas que ponham as pessoas à frente dos interesses financeiros e imobiliários”, diz o texto da moção Força da Esperança, subscrita pelas principais figuras do partido.
A referência aos interesses imobiliários é um mau sinal para as pretensões de Fernando Medina a uma aliança em Lisboa. É que o Bloco tem criticado a gestão socialista sobretudo na área da política de urbanismo.
Medina não, independentes sim A moção da lista A, que venceu as recentes eleições da coordenadora da concelhia de Lisboa do BE (realizadas a 9 de Abril), deita mais umas achas para a fogueira do desacordo com o PS rumo às autárquicas.
“Lisboa: ‘cidade-vitrine’, onde manda o capital” é o título do capítulo que contém críticas ao “negócio de milhões” do urbanismo na câmara de Fernando Medina e do (detestado pela esquerda) vereador Manuel Salgado.
“A gestão urbanística é feita ao sabor dos investidores, expulsa da cidade a população idosa e jovem com menos recursos, beneficiando os mais ricos e uma atividade turística sem planeamento”, critica a moção. “A governação do PS em Lisboa tem-se pautado por decisões polémicas, designadamente quanto à privatização do espaço público, ao ordenamento do território, à gestão urbanística, às políticas culturais e ambientais e às políticas sociais, em particular as de habitação”, remata o balanço bloquista, antes de fazer o desenho da proposta eleitoral.
“Apresentaremos uma alternativa à política atualmente prosseguida pelo PS, através de listas agregadoras das vozes ativas da cidade, do mundo autárquico ao movimento social, pelo direito à cidade”, anuncia o texto. Em resumo: Medina não, lista com independentes sim.
Se em Lisboa as portas parecem fechadas ao PS, a moção à convenção, contendo a estratégia a nível nacional para as autárquicas, tem sido lida na imprensa como pouco amiga de coligações. O Bloco “apresentará a sua alternativa”, afirma o texto da orientação política para a Convenção de final de junho, acrescentando que o partido “faz um balanço positivo das candidaturas de movimentos cívicos em que participou nas anteriores autárquicas e aposta na sua continuidade”. Está o Bloco fechado a alianças com o PS?
O i não encontrou disponibilidade do BE para responder a esta pergunta. Mas em off várias vozes afirmam que um ‘não’ prematuro é insensato.
“Não faz sentido a um ano das eleições fechar o caminho a negociações”, diz uma figura de primeiro plano do BE. Outro dirigente bloquista nota que “a orientação política para esta convenção pela primeira vez não fecha a possibilidade de alianças” e isso tem um significado. Haverá, pois, uma ambiguidade deliberada que a líder do partido, Catarina Martins, não quis desfazer, na recente entrevista ao “DN”.
“O BE precisa de fazer o seu caminho. Nos últimos anos o partido viu crescer uma nova geração de pessoas muito aplicadas nas políticas locais e que ainda não tiveram a visibilidade que o seu trabalho merece. (…) Portugal precisa de uma nova geração de autarcas”, disse a porta-voz do BE. Questionada sobre se admitia “um formato de ‘geringonças’ locais”, Catarina Martins respondeu: “Se houver resultados e projetos para isso, sim, claro”. Mas logo a seguir torceu o nariz a uma aproximação a Fernando Medina. “O normal é o BE ter candidaturas próprias”.
PCP anti-geringonça No PCP, também há um congresso este ano. Mas os comunistas não parecem com pressa de falar das autárquicas. O tema é omisso no texto que lança as linhas gerais para a construção de uma orientação política. Em resposta ao i, sobre a possibilidade de alianças nas eleições locais de 2017, os comunistas mostram-se pouco entusiastas de alianças à esquerda que repliquem o modelo nacional.
A aliança natural do PCP é com o PEV, sob a sigla da CDU. Esta aliança “constitui um projecto reconhecido pelas características e elementos estruturantes e identitários que marcam o exercício nos cargos e responsabilidades dos seus eleitos locais” que o PCP “quer preservar e ampliar”. O objetivo é a CDU conseguir em 2017 a “afirmação do valor do seu projecto autárquico e de reforço do espaço próprio”, enquanto “projecto de poder e força alternativa”.
A convergência com o BE e o PS merece por enquanto aos comunistas um tratamento sem privilégio em relação a qualquer outro partido. Mantendo a “intenção de prosseguir a sua orientação de trabalhar com todos os outros eleitos interessados numa gestão local ao serviço das populações e do desenvolvimento local”, o PCP faz questão de “sublinhar que os pressupostos e condições presentes na solução política nacional não são confundíveis ou mimeticamente extensíveis no plano local”.