Inês Meneses. “Descobrir o outro nunca me cansa”

Inês Meneses. “Descobrir o outro nunca me cansa”


A autora de “Fala Com Ela” prefere chamar-lhes conversas – são já dez anos de entrevistas na rádio Radar. Ela diz que acredita na verdade, na “bondade dos estranhos” e no eterno recomeço.


Com uma festa na discoteca Lux, no dia 29, um domingo, ao final da tarde, Inês Meneses celebra os 10 anos do “Fala com Ela” – o programa de entrevistas que lhe “enche o peito semana após semana”, na Radar, rádio onde também põe música todos os dias.

O que faz um bom entrevistador, a curiosidade?
Sempre, só.

Qual é o maior equívoco do que é um boa entrevista?
Não é bem um equívoco, mas eu desconfio das pessoas que sistematicamente tentam falar por cima dos seus entrevistados. Eu não acredito na imposição. Todos estes ditos jornalistas sérios que conduzem entrevistas, ouço-os gritar muito. Uma entrevista é uma conversa. Eu não faço entrevistas, faço conversas. 

Lembras-te de alguma coisa extraordinária que tenha acontecido numa entrevista e que queiras partilhar?
Hum… a mensagem que quero transmitir é que, às vezes, as entrevistas são tão fortes que no fim nos levantamos e nos abraçamos, porque percebemos que ambos demos. E aquilo foi um momento especial, e isso para mim é muito importante. 

Há algum assunto que nunca te canse?
O outro. Descobrir o outro nunca me cansa.

E há um de que estejas farta?
Sim. A incansável procura de respostas sobre o amor entre homens e mulheres. “Porque é que ele não me ligou?” “Porque é que ela não me disse nada?” Não vale a pena perder tempo com isso. 

O que tem de ter uma entrevista para correr bem?
Tudo tem de ser verdade. A minha filha esteve doente e eu não dormi ao longo da semana toda, e quando fui fazer a entrevista [ao argumentista Tiago R. Santos] estava toda espatifada, muito vulnerável, e de repente aquele homem, que eu não conhecia, deu-se de forma tão generosa, e eu não tinha nada para lhe dar a não ser a minha vulnerabilidade e a minha curiosidade. E isso só pode resultar bem. Eu não enceno nada, limito-me a escrever aquela introdução e as perguntas, que muitas vezes não uso – será um bom sinal não as usar.

Deixas correr.
Exato. De resto, eu conto muito com a generosidade dos estranhos no meu dia–a-dia. No meu Facebook também conto com a generosidade dos estranhos.

E não há uma fronteira? Sinto que há no teu Facebook uma sobreposição do plano pessoal e profissional.
Nunca conto nada de pessoal no FB. Eu crio uma certa atmosfera mas, por exemplo, disse que fui “toda espatifada”, não disse porque é que foi, ok? Eu não conto nada da minha vida pessoal. E também, se detetar algum tipo de abuso em relação à minha privacidade, eu corto. Portanto, é como se houvesse um acordo. Ao mesmo tempo não há, mas está implícito. No fim é sempre uma festa. Não vais para uma festa contar o que se passa na tua vida, vamos celebrar. Eu uso o FB também para isso, vamos partilhar, vamos celebrar. E o “Fala Com Ela” também é isso.

Pões o lado pessoal mas sem fornecer biografia pessoal.
É isso. Dou a minha honestidade emocional. Quando eu faço um post só a dizer “esta música veio e salvou-me” é totalmente verdade. Eu não digo é onde estava ou porque me salvou. É honestidade emocional e isso tem um efeito inacreditável.

As canções salvam-te muitas vezes?
Salvam-me mais do que as pessoas. Eu posso ouvir uma música 300 vezes e ela salvar-me, e uma pessoa não me salva, uma pessoa já traz com ela muitas coisas. E a canção… quando foi a morte do Prince, eu chamei à emissão [na Radar] “Resgate Emocional”, porque as canções têm esse poder. Podem até estar associadas a uma pessoa, mas ainda estão limpas de angústias. Uma pessoa já traz isso tudo associado. Uma canção é um mimo, pode ser um hino, se tu quiseres. Está ali para tu ocupares, como uma casa.

Dez anos depois, o que te leva a querer continuar o “Fala Com Ela”? Porque há mais pessoas? Porque podes voltar às mesmas?
Eu também volto às mesmas, porque faz sentido voltar como quem as encontra na rua. E porque sou naturalmente curiosa em relação às pessoas, aquelas com quem me cruzo no supermercado também. Cada pessoa tem uma ou várias histórias para contar. Por exemplo, agora, o Tiago R. Santos – argumentista que eu não conhecia a não ser do cinema – contou-me três ou quatro histórias que deram sentido à minha história, percebes? Isto é um fonte inesgotável para mim. Era possível eu fazer este programa mais 20 anos. Não me canso.

Quando escolhes alguém, é uma curiosidade vinda do nada ou já vem da curiosidade de outros?
É muito raro eu aceitar uma sugestão de alguém. Às vezes aceito, mas aí já havia um interesse qualquer meu nessa pessoa. Foi-se confirmando ao longo destes 10 anos que só resulta bem se o interesse for meu. Quando é uma pessoa que me foi proposta, não cola.
Já tentaste fazer um catálogo dos dez anos de entrevistas e detetar tendências: mais artistas, mais cineastas e menos escritores…?
Que engraçado! Por acaso, não. Alguém me dizia no outro dia que eu entrevisto muitos jornalistas.

Porquê?
Os jornalistas são pessoas privilegiadas porque têm histórias para contar. Mal do jornalista que não tenha histórias para contar, quer dizer que está na profissão errada.

Nunca tens problemas de edição?
Não. Eu nunca edito. A única coisa que faço é: nós antigamente ouvíamos a música no momento, eu digo assim “e agora vamos ouvir”, e agora já não ouvimos. Por uma questão de tempo, porque os convidados nem sempre têm o CD. 
As entrevistas que fazes na revista do “Expresso”, com respostas muito curtas, são o contraponto do “Fala com Ela”. 
Sim. Como não tenho nenhuma obrigação de atualidade, tento que as pessoas me deem alguma coisa sobre a vida. Eu insisto muito no que os pais passaram, no que os filhos deram. O que fica das pessoas é a experiência vivida, mais do que os livros lidos. Tento sempre ir buscar alguma coisa que já foi vivida, mais do que lida. 

A propósito das tuas várias facetas, já divulgaste sob que pseudónimo tiveste uma coluna “malandreca” na imprensa?
Não vou divulgar. Ainda hoje me perguntaram ao almoço. Eu disse:”Acabei tudo com ela.” Teve muito sentido durante 11 anos ou 12. Porque a pessoa que me falou daquilo disse que eu devia editar em livro. Mas já morreu, realmente.
 

Acabou o lado malandreco da tua vida?
Acabou. Foi muito engraçado, porque eu comecei a escrever aquilo era solteira, depois apaixonei-me, depois fui mãe, e isso foi sempre acompanhando as minhas várias mudanças. E a dada altura… quer dizer… ela sou eu. A Cidália sou eu.

Acabas de te revelar (risos).
Acho que se pode revelar. Podes revelar, é que não já quero nada com ela… mas não me arrependo de nada.

Dava-te trabalho explicares o que escrevias às poucas pessoas que sabiam que eras a Cidália [de “O Sexo e a Cidália”, a coluna semanal no “DN”]?
Não… era uma coisa muito natural. De facto, no início, aquilo era muito malandreco, não era? Eu lembro-me de o Ferreira Fernandes me dizer, “tu estragaste tudo quando contaste a várias pessoas quem eras”, porque a partir do momento em que contas começas a sentir-te condicionada. Porque a minha tia sabe (risos). E pensa, isto é verdade?

E era verdade?
Muitas coisas não eram verdade, outras eram. Mas o meu piscar de olho era sempre verdadeiro. Ou seja, podia falar de uma coisa que não tinha vivido, mas eram…

… coisas que tinhas fantasiado?
Também, claro. E agora estamos numa altura em que toda a gente fantasia.

O sexo tornou-se aborrecido?
O sexo tornou-se uma indústria – não estou a falar das pessoas que trabalham na indústria do sexo. E interessa-me muito pouco, porque eu gosto de sedução, percebes? Até posso amar platonicamente – isto é quase contraditório com aquilo que a Cidália parecia ser –, eu posso amar platonicamente anos. Eu gosto é da sedução e na sedução temos essa malandrice. Por exemplo, sou muito a favor dos piropos.

Ridicularizas a ideia do controlo público do piropo?
Sim, completamente.

Mesmo quando o piropo é o “comia-te e fazia-te não sei o quê”?
Há vários tipos de piropos. Mas eu vejo o piropo como uma sedução e tenho de permitir às pessoas liberdade para seduzir. Depois, o controlo do piropo remete para a resignação da mulher, neste sentido: se eu ouvir um piropo, tenho toda a capacidade de responder da mesma forma. O problema é que as mulheres se habituaram durante gerações a ouvir e calar. Se eu for na rua e alguém me disser uma coisa desagradável, eu respondo.

Fazes isso mesmo?
Faço, faço.

E isso já deu histórias interessantes?
Não. As pessoas não dizem muito. Não sei se é uma sorte desgraçada, eu acho que é por respeitar muito o próximo, mas eu não tenho grandes ataques, quer na rua, quer no Facebook, quer na vida em geral.

Não sistematizaste as entrevistas que fizeste. Tu não olhas muito para trás.
Não olho nada para trás. Sou muito contrária a essa coisa do passado, e explico: nunca me lembro das coisas que os convidados me disseram antes e, portanto, se entrevisto uma pessoa novamente, não vou ouvir a entrevista. Acredito no novo todos os dias. 

Existe um álbum de momentos altos do “Fala Com Ela”?
Há poucas coisas de que eu me lembre… não tenho grande memória. Lembro-me de ter perguntado à Paula Rego o que a tinha aproximado do marido, à espera de uma resposta profunda, e ela responder: “O sexo.” Lembro-me de várias coisas do Carlos do Carmo, do Herman… Mas eu não acumulo nada do passado, quero muito é a coisa que está por dizer. Deixa-me só dizer-te uma coisa: a grande viragem no programa foi a Paula Rego [em setembro de 2010]. Ainda hoje estou a dançar e nos copos e alguém me vem dizer “Ah, aquela entrevista à Paula Rego…” Porque é a Paula Rego. Eu já tinha alguns ouvintes, os ouvintes da Radar, mas os pais dos ouvintes também passaram a ouvir. Foi uma espécie de isco não premeditado. Outras pessoas vieram a partir daí.

Há nomes que excluas à partida da lista de pessoas que queres entrevistar?
Eu não excluo ninguém. Há uma coisa de que não gosto, que é um artista que lança um disco, que faz uma peça, que escreve um livro, e que está em todos os sítios: por muito especial que vá ser, é um bocado repetição de conteúdo. Preferencialmente, até evito a atualidade. É muito mais apelativo encontrar-me com uma pessoa que está num jantar e dizer: “Tu nunca mais fizeste música, pois não?” “Ah, desisti.” “Não queres vir ao ‘Fala Com Ela?’”

Referia-me a excluíres categorias de pessoas, uma atividade…
Políticos! Não tenho muitos políticos porque… nunca tinha pensado nisso e vou pensar em voz alta. Porque os políticos são pouco verdadeiros. Como eu espero a verdade, como eles têm um discurso montado, raramente se dão, porque é um pensamento orquestrado, portanto, eles ali também não se vão dar. 

Tens alguma intervenção política?
Não. Sou completamente apartidária.

Podias ter intervenção em movimentos, causas. É por falta de interesse ou por defesa?
Não gosto muito de espartilhos em nada na vida. Sinto-me apertada facilmente. Não gosto de ser encostada à parede. Por exemplo, quando foi o referendo do aborto, na altura estava recenseada na aldeia em que os meus pais vivem e fiz 600 e tal quilómetros para ir votar a favor, como é óbvio. Há causas pelas quais me bato, por exemplo o casamento entre homossexuais ou o aborto. Como não me bater por isso? Mas o que estou a defender são pessoas e, no geral, a política defende interesses Quando entrevistei a Ana Drago, acabei a dizer que nunca tinha votado no Bloco. Para que se saiba, por exemplo. Já no futebol gosto de ser de clubes.

No futebol, dizes de quem és. Do Rio Ave?
Sim. E sou do Porto, porque isso tem a ver com o meu pai.

Torces pelo Porto, tiveste um ano infeliz.
Muito infeliz, mas tive aquela vitória do Porto no Estádio da Luz que valeu pelo campeonato todo. E isso do Rio Ave… eu gosto muito de ir ao estádio, porque é como estar num concerto, gosto de sentir a emoção. O futebol é uma celebração e eu prezo muito a celebração. Até numa morte eu prezo muito a celebração: nós tivemos o privilégio de ser abençoados com a presença desta pessoa, vamos celebrá-la até na morte dela.

Isso é um otimismo a toda a prova?
Mas eu sou assim, realmente. Não fui sempre. Hoje almocei com o padre Anselmo Borges. Que já foi meu convidado no “Fala Com Ela”, deu-me uma entrevista deliciosa, e num programa que cheguei a fazer na RTP2, o “Tempo Para Conversar”, um programa de entrevistas, e no “Expresso”. É uma das pessoas mais iluminadas que conheço. E eu dizia-lhe: “Anselmo, a coisa mais importante que descobri nos últimos largos tempos é a aceitação. Quando tu aceitas, libertas-te do medo.”

Dá-me um exemplo.
Viver ou não viver com medo de um atentado terrorista. O que eu penso é: já vivi 44 anos, vivo bem, faço todos os dias por viver melhor. Se morrer hoje, lamento profundamente porque não vou estar presente na vida da minha filha. Mas vou morrer tranquila. Eu acho que está em cada um de nós a capacidade de melhorarmos a nossa vida. E tu dirás, “dizes isso porque vives bem, porque tens dinheiro”.

Posso dizê-lo?
Eu não ganho assim tanto dinheiro. Mas tenho imenso orgulho em fazer o que faço. Tenho orgulho no “Fala Com Ela” porque estes dez anos provam que eu estava certa, porque tinha toda a vontade de fazer aquilo e o que eu dava era tudo. Lentamente, aquilo começou a ser visível. Eu, durante anos… quando as pessoas me dizem assim, “tens de levar lá o Adolfo Luxúria Canibal” – já lá foi. Só que nessa altura não me ouviram. Mas eu já trabalhava para o [ouvinte] anónimo. Percebes isso? Porque eu não ganho dinheiro, o que me acontece é “esfodaçar-me” a trabalhar em vários sítios. Porque eu ganho muito pouco na Radar. Consigo viver com pouco e quero viver com cada vez menos.

Ganhaste o despojamento, essa noção do essencial, com a idade?
Sou mulher e sou vaidosa, mas preciso de muito pouco. Ou seja, gosto de ir a um bom restaurante jantar, mas sou igualmente feliz, porque já estou alimentada por dentro, a comer um prato de esparguete com um copo de vinho. Sou igualmente feliz nos dois cenários. No restaurante, se calhar, vestia-me melhor para lá estar.

Porquê o despojamento do “cada vez com menos”?
É o querer libertar-me. Eu quero ser livre, como te digo não gosto de ser apertada. Dou um exemplo: sou capaz de ir na rua e alguém me pedir dinheiro, e dou 20 euros.

Isso é um facto?
É. Dei porque quis dar. Depois há outro episódio que aconteceu há uns meses. Entrei num táxi e um senhor disse-me: “Tenho três filhos e precisava que me ajudasse com alguma coisa.” Senti-me completamente apertada. E isso não me podem fazer. Um exemplo: a minha filha estava num colégio privado e eu podia continuar a pagá-lo, mas não queria isso. E queria ser livre e pu-la numa escola pública. Eu gostaria de não ter de pagar uma casa ao banco, para que tudo o que fizesse fosse ainda mais livre.

Para poder partir amanhã para qualquer lado?
Não penso muito nisso. Quero estar aqui e quero ajudar as pessoas o mais que puder. Isto é um paleio um bocado freak, quase de seita, mas acredito muito nestas coisas. Ontem, no metro, estávamos todos apertados e entra uma senhora que fica com a mala caída e não se conseguia mexer, e eu – nem me lembro da cara da senhora – fiz um gesto de lhe pegar na alça… eu acredito que a vida faz sentido com estas pequenas coisas. Voltando ao “Fala Com Ela”: o que as pessoas têm para me dar ali… eu também lhes faço qualquer coisa. Acredito genuinamente nessa partilha.

És elitista? Moves-te numa elite cultural.
Hum…. Movo-me nessa elite mas tenho um grande desprezo pelas pessoas arrogantes. Por exemplo, se vir alguns desses meus amigos, que são meus amigos, chegarem a um sítio e posicionarem-se na dianteira porque são determinada pessoa, fico com vergonha e venho-me embora. Eu tive uma infância complicada, fui bastante discriminada porque não tinha muitas coisas, e isso é uma marca que fica para sempre nas pessoas que foram discriminadas que é, não há outra forma depois de ter passado por isso senão ajudar. Há outra forma, que é viver num certo rancor, e eu não tenho nenhum rancor em relação a nada. 

Sentes necessidade e alguma forma de validação?
Hoje em dia, honestamente, não.

Não no teu trabalho. E fora dele?
Isso é interessante, deixa-me pensar. É um exercício de psicoterapia. Tornei-me outra pessoa quando comecei a fazer psicoterapia. Isso ajudou-me bastante nas entrevistas e em tudo.

Foi há muito tempo?
Não, há pouco tempo (e durante pouco tempo). Ajudou-me a permitir que as coisas não tenham só uma leitura. E a libertar-me de julgamentos sobre os outros. Mas essa questão da validação… (pausa) também me tornei um bocado desprendida em termos de sentimentos. As coisas acontecem-me demasiado naturalmente, percebes? Eu não quero ser nada. 

Não tens projetos para o futuro?
Não. Nada. Sou aquilo que o tempo me permitir e eu quiser dar ao tempo. Vivo do espontâneo. Atenção, agora estou com este paleio de seita, mas quando os meus amigos estavam todos no bem bom a viver com os pais, eu, aos 16 anos, já estava a apanhar comboios para ir trabalhar para as rádios, ok? Passei por muito desconforto. Não sei porque o fazia, mas queria fazer aquilo. Tenho muito presente o desconforto de ir apanhar o comboio à meia–noite para ir trabalhar para uma rádio longe. Mas foi isso que me deu isto que tenho agora. E as pessoas, hoje em dia, querem tudo muito rápido. Vê o programa, o programa é falado agora ao fim de 10, 11 anos.

As pessoas são hoje mais abertas, estão diferentes?
Sobretudo, quando vão para uma coisa destas, sabem que vão fazer o pleno. Vão dar a entrevista, vão tirar a fotografia para aparecer no Facebook, os amigos partilham também. Hoje em dia há mais folclore do que havia. Hoje é tudo mais partilhado, antes era mais inglório.

Isso traz oportunidades, mas também algumas armadilhas?
Eu nunca vejo o território armadilhado. Vejo esta coisa do interesse: porque sou mais conhecida, há quem se aproxime por interesse. Eu farejo o interesse, tenho um lado de cão. E rio-me um bocado, mas nunca vejo grandes armadilhas.

A XFM, onde trabalhaste, era uma pequena rádio de música alternativa que acabou. A Voxx também acabou. Qual é o segredo para a Radar se aguentar?
Qual é o segredo? Antigamente encontravas uma pessoa que gostava de determinada música e ficavas espantado, dizias “quero ser teu amigo”. Hoje em dia há muitas pessoas a gostar dos Arcade Fire, como não havia na época a gostar dos Echo & The Bunnymen. De repente, aquilo que nós dizíamos que era o indie tornou-se o mainstream, cada vez mais, e isso fez o sucesso da Radar. A Radar, que é do Luís Montez e do Álvaro Covões, está ligada a promotores de espetáculos.

A Radar cria o gosto que alimenta a indústria de promoção dos espetáculos ou o processo é o inverso?
Vamo-nos alimentando. Há coisas que nós lançámos e ainda não eram faladas, não eram ninguém e à boleia de as ouvir tanto na rádio, os promotores vão buscá-las. E há outras coisas que os promotores decidem fazer e nós passamos.

Vestes-te de uma forma cuidada. É possível ver-te com uma T-shirt e umas calças feias?
Não. Eu gosto muito de ser mulher, gosto muito desses pequenos requintes femininos, da mala, dos saltos altos. Mas há uma coisa que eu descobri e isso foi mais recente, há cinco anos: sou eu que faço o estilo, sou eu que faço as calças parecerem giras, sou eu que faço isso. Eu uso coisas boas, mas também uso coisas más. E as pessoas ficam na dúvida e perguntam-me, “isso é bom ou é mau”? Sou eu que faço. Não preciso de usar Prada para ter estatuto, eu já tenho estatuto. Acredito piamente nisto.

Há alguma coisa que afete a tua autoestima?
A pessoa de quem julgo gostar não gostava de mim. Mas depois há um exercício mais curioso que eu descobri nos últimos tempos: quando as pessoas persistem num amor e sofrem, muitas vezes não era amor, era teimosia. A Beatriz Batarda disse uma coisa muito bonita [no “Fala Com Ela”]. Eu perguntei-lhe: “Afetam-te mais as maleitas físicas ou as amorosas?” Ela disse: “As físicas, claro, porque as do coração, superamos tudo.” E disse ainda, e isto é uma frase muito importante, “porque quando houve desilusão, no fundo, a ilusão era nossa”.

No “Fala com Ela” pedes sempre uma canção aos convidados. Posso pedir-te uma agora?
“God Only Knows”, dos Beach Boys. Uma música que eu não sei se gostava de ouvir no meu funeral ou num próximo casamento. É a canção perfeita.