Village Underground.  Dois anos  de carga nos contentores

Village Underground. Dois anos de carga nos contentores


A data assinala-se com uma festa de entrada livre, este sábado, a partir das 18h. Para já um balanço e o aviso de que depois do verão já há sala indoor de espetáculos. 


“Aquela coisa de contentores que se vê da ponte” faz dois anos. Pedimos as aspas emprestadas ao típico jovem que faz a travessia do Tejo pela Ponte 25 de Abril e que, à primeira – feito toupeira sempre curiosa –, se ficou a coçar e a interrogar sobre tão exótica estrutura.

E como a sede da curiosidade não se mata com um copo, melhor dizer imagem, pôs-se a caminho, ainda que em modo surf na internet, para lhe descobrir as coordenadas. Uns, amigos da cena, disseram-lhe que aquilo era ali para os lados da LX Factory, perto do Calvário.

Só que a morada encontrada nas redes sociais diz Museu da Carris, algo que alguns lisboetas até desconhecem, e o rapaz, nabo na arte de descodificar os segredos lamacentos das novas tecnologias, quase decide desistir.

Alcácer Quibir já lá vai, mas aqui “o facto de nem sempre ser fácil ir lá ter”, diz-nos Mariana Duarte Silva, fundadora do projeto, “essa espécie de fator wow” torna a tal coisa dos contentores, onde um autocarro é cafetaria, espécie de rei-mito da indústria criativa.

Aquilo é o Village Underground, que, uma vez apanhado o jeito de dar com o sítio, lá perde o mito todo. Mais: mito que é mito não assinala dois anos de vida com um punhado de iniciativas efetivas que fizeram deste um dos lugares mais cool da cidade. Dois anos depois o melhor está ainda para vir. 

Deixemo-nos de rotundas, o Village Underground foi um projeto que Mariana Duarte Silva importou de Londres, onde este já existe há dez anos. “Ainda estou para descobrir qual foi o meu rasgo de loucura”, afiança entre risos antes de prosseguir: “A principal motivação foi o meu sócio inglês, fundador do projeto em Londres. Quando o conheci fiquei com um desejo enorme de continuar a trabalhar com ele assim como ele tinha um desejo enorme de expandir o Village, Lisboa pareceu-lhe perfeito, na altura”. 

Sócio esse que tinha uma namorado com casa em Odeceixe, e, que uma vez vista Lisboa através do seu encanto, pensou “Why not?”. “Em 2009 ninguém estava virado para a indústria criativa, espaços de cowork, nem em empreendedorismo, mas depois batalhando e fazendo o plano, acabou por se conseguir. Em 2012, estabeleci um protocolo com a Câmara, assim como recebi a ajuda da Carris, que disponibilizou o espaço”. 

Sobra agora, dois anos volvidos, espaço para dizer que oVillage Underground também teve a sorte de estar nos primórdios da mutação recente de que Lisboa foi alvo. Esta Lisboa do postal e do cruzeiro, que já não é só fado e pastel de nata, está hoje mais predisposta a lugares como este, onde se fazem mostras de teatro em contentores, onde há um programa televisivo no tal autocarro que é cafetaria, onde um baloiço sai do parque infantil para ser bom poiso para uma bebida : “Lisboa também virou, este boom coincidiu com o nosso crescimento, estivemos lá no início da onda”. 

Aqui o trabalho também pode ser conhaque Finalmente alguém perdeu o medo: trabalho e lazer podem partilhar a mesma mesa. “Não é para todos”, avisa Mariana Duarte Silva que se assume fã de lugares onde um intervalo pode embater com dez minutos a degustar um DJ set, por exemplo.

“Não nos limitámos a ser um espaço de cowork, somos principalmente um espaço de eventos experimentais. Quase todos os meses tenho um grupo de estudantes que vem fazer uma apresentação de final de curso, é um espaço aberto a todo o tipo de promotores e agentes culturais, é claro que depois complementamos com a nossa própria programação, com os nossos gostos específicos”, conta. 

E aquele “não é para todos” é coisa que implica ter que “despejar quatro residentes de três contentores diferentes para outro”, avisa Mariana que, depois, tratou de voltar a colocar tudo em ordem: “Há essa abertura”. 

Essa como a outra, aquela que, no final do verão, setembro/outubro, virá dar cabo daquele que tem sido o grande calcanhar de Aquiles do Village, um armazém indoor, ou, melhor dizendo, uma sala de espetáculos multiusos. “Vamos trazer gente de Londres, que é algo que nos tem faltado desde o início. Queremos que seja um espaço multifacetado, tanto pode ter cinema como teatro ou uma rave, até pode receber uma apresentação de um carro, isso vai ser um grande salto para o Village”. 

Defeito nosso, de gente que escreve sobre música e percorre uns quantos festivais, aquele que decidi inquirir a Mariana Duarte Silva para quando um festival à lá Village Underground? “Tenho ideias para o Village a todos os segundos, obviamente que a possibilidade de um Festival Village está presente desde o dia zero. Agora com esta sala de espetáculos torna-se mais possível, para o próximo ano por certo que existirá algo assim ou em moldes parecidos a um festival”, responde a fundadora. 

Sobre então falar do bolo de aniversário que é igual a dizer festa de entrada livre onde as velas são artistas. Há uma exposição, há teatro, há música, há vídeo, há tudo quanto seja meter a carga toda nos contentores e nos seus arrabaldes: “Esta free party espelha um bocado do que é o Village, tudo a acontecer ao mesmo tempo. Quisemos ter o teatro, uma área que já nos marca, duas peças em dois contentores, vamos ter uma exposição, vamos ter concertos, de Ganso e de Mesa. Os DJs são comigo, aí sou um bocado egoísta e vou pelo meu gosto pessoal”, confessa Mariana Duarte Silva. E tem o direito. Seguimos-lhe as pisadas e, egoístas seremos ao ponto de lhe dizer que sábado é dia de Village. Ou noite. Ou as duas. Aos dois anos os pais ainda deixam fazer tudo.