Mao Mau


Mao foi Mao porque, além de tudo o mais, era mau. Mau de maldade, mau em sentido moral, pois noutros sentidos Mao era bom, nalguns era mesmo muito bom. Bom a manipular, a matar, a dissimular


A editora Guerra & Paz publicou recentemente “O Pequeno Livro Vermelho”, com as citações de Mao Tsé-Tung. Como vem sendo habitual nesta editora, a qualidade gráfica vai de par com a oportunidade da publicação, e esta edição traz ainda o brinde de um estudo de Manuel S. Fonseca sobre a China de Mao. Oportunidade da publicação? – poderão questionar alguns leitores, olhando apenas para o facto de o maoismo, embora uns palmos de terra acima, estar possivelmente tão enterrado quanto o presidente Mao (enterrado soit-disant, pois ele está num mausoléu). Sim, oportunidade da publicação, penso eu. Aliás, muita oportunidade, pois não só erraremos se estivermos aferrados à ideia de que o presente e o futuro não bebem no passado e esquecermos que este explica e ensina aqueles, mas também porque Maos em potência ou em aprendizado existem sempre alguns, em vários locais e em vários tipos e estruturas de vida em comum. Donde sempre tem muita utilidade, e inquestionável oportunidade, reler, recordar e refletir quer sobre os fatores que podem produzir um Mao quer sobre os efeitos da colocação do poder ou de poderes nas mãos de um.

Mao existiu como tal e reinou por causa de uma conjugação complexa de vários fatores, de diferentes naturezas e com diferentes importâncias para o seu reinado e para os efeitos que este teve na China e no mundo. Costuma ser assim: os reinados deste tipo nunca têm poucas causas, e muito menos apenas uma; resultam sempre de várias coisas e são tantas as ações quantas as omissões a explicá-los. Não são os escassos três mil carateres (com espaços) deste artiguinho que permitem – mesmo que o autor disso fosse capaz – tratá-los ou sequer enumerá-los. Ficarei apenas por um, sem o qual – estou convencido – os outros não teriam produzido, e não podem produzir, um Mao. A saber, a maldade. Mao foi Mao porque, além de tudo o mais, era mau.

Mau de maldade, mau em sentido moral, pois noutros sentidos Mao era bom, nalguns era mesmo muito bom. Era bom a manipular, a matar, a dissimular, a manobrar, a encarcerar, a esconder. Era exímio a administrar a violência e o medo, mas também a recompensa. Parece que não era grande coisa a planificar, a gerir ou a executar. Parece até que não era lá grande poeta, nem era garboso, e não era especialmente talentoso na oratória. Mas era determinado. Era alguém a quem interessava apenas o poder – como obtê-lo e como conservá-lo. E Mao era paciente, era astuto e era implacável. E invocava sempre o povo, habilíssimo a alimentar a ilusão de que o servia. Mao sabia o que queria e como chegar lá, mesmo que nem sempre a direito e poucas vezes às claras. Amiúde era mentiroso e manipulador, jogando com talento – aprendam, pequenos Maos – com as fraquezas, as preguiças e/ou as ambições dos que o rodeavam. Esse jogo é essencial, e nele manipulador e manipulados têm um papel importante. E Mao era mau. De uma maldade tão paciente quanto sólida e imparável. E sem isso, nada feito, na China ou noutro lugar, ontem como hoje.

Escreve quinzenalmente à sexta-feira


Mao Mau


Mao foi Mao porque, além de tudo o mais, era mau. Mau de maldade, mau em sentido moral, pois noutros sentidos Mao era bom, nalguns era mesmo muito bom. Bom a manipular, a matar, a dissimular


A editora Guerra & Paz publicou recentemente “O Pequeno Livro Vermelho”, com as citações de Mao Tsé-Tung. Como vem sendo habitual nesta editora, a qualidade gráfica vai de par com a oportunidade da publicação, e esta edição traz ainda o brinde de um estudo de Manuel S. Fonseca sobre a China de Mao. Oportunidade da publicação? – poderão questionar alguns leitores, olhando apenas para o facto de o maoismo, embora uns palmos de terra acima, estar possivelmente tão enterrado quanto o presidente Mao (enterrado soit-disant, pois ele está num mausoléu). Sim, oportunidade da publicação, penso eu. Aliás, muita oportunidade, pois não só erraremos se estivermos aferrados à ideia de que o presente e o futuro não bebem no passado e esquecermos que este explica e ensina aqueles, mas também porque Maos em potência ou em aprendizado existem sempre alguns, em vários locais e em vários tipos e estruturas de vida em comum. Donde sempre tem muita utilidade, e inquestionável oportunidade, reler, recordar e refletir quer sobre os fatores que podem produzir um Mao quer sobre os efeitos da colocação do poder ou de poderes nas mãos de um.

Mao existiu como tal e reinou por causa de uma conjugação complexa de vários fatores, de diferentes naturezas e com diferentes importâncias para o seu reinado e para os efeitos que este teve na China e no mundo. Costuma ser assim: os reinados deste tipo nunca têm poucas causas, e muito menos apenas uma; resultam sempre de várias coisas e são tantas as ações quantas as omissões a explicá-los. Não são os escassos três mil carateres (com espaços) deste artiguinho que permitem – mesmo que o autor disso fosse capaz – tratá-los ou sequer enumerá-los. Ficarei apenas por um, sem o qual – estou convencido – os outros não teriam produzido, e não podem produzir, um Mao. A saber, a maldade. Mao foi Mao porque, além de tudo o mais, era mau.

Mau de maldade, mau em sentido moral, pois noutros sentidos Mao era bom, nalguns era mesmo muito bom. Era bom a manipular, a matar, a dissimular, a manobrar, a encarcerar, a esconder. Era exímio a administrar a violência e o medo, mas também a recompensa. Parece que não era grande coisa a planificar, a gerir ou a executar. Parece até que não era lá grande poeta, nem era garboso, e não era especialmente talentoso na oratória. Mas era determinado. Era alguém a quem interessava apenas o poder – como obtê-lo e como conservá-lo. E Mao era paciente, era astuto e era implacável. E invocava sempre o povo, habilíssimo a alimentar a ilusão de que o servia. Mao sabia o que queria e como chegar lá, mesmo que nem sempre a direito e poucas vezes às claras. Amiúde era mentiroso e manipulador, jogando com talento – aprendam, pequenos Maos – com as fraquezas, as preguiças e/ou as ambições dos que o rodeavam. Esse jogo é essencial, e nele manipulador e manipulados têm um papel importante. E Mao era mau. De uma maldade tão paciente quanto sólida e imparável. E sem isso, nada feito, na China ou noutro lugar, ontem como hoje.

Escreve quinzenalmente à sexta-feira