Parlamento. Deputados em autorregulação

Parlamento. Deputados em autorregulação


Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas  e Conselho Superior de Magistratura vão ser ouvidos. Paulo Morais, ex-candidato presidencial, também quer ser ouvido. Esquerda e direita irão entender-se na regulamentação da atividade dos deputados?


A polémica à volta da contratação de Maria Luís Albuquerque – ex-ministra das Finanças e atual deputada do PSD – pela Arrow Global levou os partidos representados no parlamento a procurar reforçar a transparência nos cargos políticos e nos altos cargos públicos e a apertar as incompatibilidades previstas no Estatuto dos Deputado. 

Para isso, foi criada uma comissão eventual para o reforço da transparência no exercício de funções públicas por iniciativa do PS. Mas a ela foram parar propostas de todos os partidos: PS, PSD, CDS, BE, PCP e PEV. 

A comissão decidiu abrir um processo de consulta pública que arranca agora e que se estende por 40 dias para recolher contributos da sociedade civil. Nos últimos dias têm chegado à comissão pedidos de esclarecimento de cidadãos anónimos que querem participar no processo legislativo. 

“Já fomos contactados por cidadãos que querem saber de que forma podem participar na discussão”, diz Fernando Negrão, deputado do PSD que ficou com a presidência da comissão. 

Também a Associação Cívica Transparência e Integridade, da qual faz parte Paulo Morais, ex-candidato presidencial, promete marcar presença e pedir uma audição aos deputados. A colaboração passará pela partilha de relatórios e análises produzidos pela Associação e que têm por base o levantamento dos principais conflitos de interesses identificados. 

Mas também serão apresentadas propostas, garante João Pedro Batalha, porta-voz da Associação, como o de tornar obrigatório o registo lobista, em linha com o que chegou a ser proposto pelo anterior governo. “Torná-lo obrigatório será mais eficaz”, frisa. Há mais propostas: como a de anexar às leis aprovadas no parlamento a sua pegada legislativa, isto é, o relatório de todo o processo até à aprovação da lei, como os protagonistas ouvidos, ou os documentos considerados. “Para além de permitir saber quem foi ouvido até à tomada de decisão, estimula uma maior participação e pluralismo na elaboração das leis”, defende Batalha ao i. 

A comissão eventual reuniu ontem para calendarizar as primeiras audições. A reunião ainda não tinha terminado à hora do fecho desta edição, mas o Conselho Superior de Magistratura, o Tribunal Constitucional ou o Tribunal de Contas estarão entre as primeiras entidades chamadas ao Parlamento para se pronunciarem sobre o regime de incompatibilidades dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos e o Estatuto do Deputado. 

A exclusividade dos deputados é uma das matérias mais sensíveis que vai estar em cima da mesa: só o Bloco de Esquerda é que avança com essa proposta (ver quadro-síntese de propostas na página ao lado). OPCP quer avançar com a proibição dos deputados-advogados (os que exercem, ao mesmo tempo que cumprem o mandato), enquanto o PSD propõe a suspensão de mandato para os deputados que não apresentem o registo de interesses.

Os partidos vão tentar chegar a um texto comum sobre as várias medidas, mas não advinham facilidades neste processo de autorregulação no parlamento. 

PS

Mais impedimentos para os deputados 

• “Impossibilidade de servir de perito, consultor ou árbitro em qualquer processo em que seja parte o Estado ou quaisquer outros entes públicos”

• “Impossibilidade de exercício de cargos de nomeação governamental remunerados e possibilidade de exercício de cargos de nomeação governamental consultivos e não remunerados, apenas após aceitação pela comissão parlamentar competente”

• “Impossibilidade de exercício de funções como consultor, de emissão de pareceres ou de exercer o mandato judicial nas ações, em qualquer foro, a favor ou contra o Estado ou quaisquer outros entes públicos”

• “Impossibilidade de prestar serviços, manter relações de trabalho subordinado ou integrar, a qualquer título, organismos de instituições, empresas ou sociedades de crédito, seguradoras e financeiras”

• “Impossibilidade de prestar serviços, manter relações de trabalho subordinado ou integrar, a qualquer título, organismos de instituições, empresas ou sociedades concessionárias de serviços públicos ou que sejam parte em parceria público-privada com o Estado”

BE

Deputados não podem exercer outras funções 
 
• “Um deputado, enquanto representante eleito dos cidadãos, deve sê-lo a tempo inteiro e em dedicação exclusiva”

• “Os deputados exercem livremente o seu mandato, em regime de exclusividade, não podendo exercer outra atividade remunerada, sendo-lhes garantidas condições adequadas ao eficaz exercício das suas funções, designadamente ao indispensável contacto com os cidadãos eleitores e à sua informação regular”

• “É, aliás, reconhecido publicamente que a melhor forma de garantir transparência ao sistema político é impedir as teias de negócio que se possam tecer entre agentes políticos e interesses económicos. E a melhor forma de garantir o rompimento dessas teias é a da obrigação de exclusividade de funções por parte de todos os deputados e deputadas”

• “O Bloco de Esquerda teve como elemento central na sua atividade parlamentar a rotatividade dos deputados (…) Esta prática apenas foi interrompida por uma alteração do Estatuto dos Deputados que nunca provou ter trazido qualquer melhoria. Propomos, assim, repor também os princípios da rotatividade dos deputados”

PCP

Restrições para as sociedades de advogados   

•  “Acabar com o autêntico offshore que existe para as sociedades de advogados. Hoje, o estatuto dos deputados permite aos deputados que são ao mesmo tempo advogados, mediar e participar em negócios com o Estado, se estiverem inseridos numa sociedade de advogados, algo que não se permite se o mesmo deputado e advogado exercer sozinho a profissão. Não aplicar o estatuto dos deputados aos deputados inseridos em sociedades de advogados é, para o PCP, inaceitável”

•  “O alargamento da incompatibilidade já existente no que toca à presença em conselhos de administração de empresas públicas ou maioritariamente públicas a todas aquelas em que o Estado detenha parte do capital, mesmo que seja acionista minoritário”

•  “A inclusão em matéria de impedimentos das situações em que, mesmo não tendo participação relevante na entidade contratante, o deputado execute ou participe na execução do que foi contratado”

•  “A inclusão das situações de união de facto a par das conjugais”

PSD

Suspensão do mandato para quem não cumpra registo de interesses 

•  “Prevê-se que, em caso de não apresentação do registo de interesses, a comissão parlamentar competente em razão da matéria notifique o deputado visado para apresentá-lo no prazo de 30 dias, sob pena de suspensão do mandato até à data em que proceda à respetiva entrega, passando essa situação a constituir uma situação de suspensão automática do mandato”

• “Deixa de ser impeditivo ao deputado, no exercício de atividade de comércio ou indústria, direta ou indiretamente, com o cônjuge não separado de pessoas e bens, por si ou entidade em que detenha participação relevante e designadamente superior a 10% do capital social, participar em concursos de fornecimento de bens ou serviços, empreitadas ou concessões, abertos pelo Estado e demais pessoas coletivas pública”

• “Criminaliza-se, com pena de prisão até três anos, a declaração apresentada no Tribunal Constitucional que seja desconforme com os seus rendimentos ou património e cargos sociais”

• “Pune-se como crime de desobediência qualificada a não apresentação das declarações de rendimentos ou património e cargos sociais, após notificação do Tribunal Constitucional para o efeito”

CDS

 Autorizar a supensão de mandatos por motivos pessoais

• ”Os deputados podem pedir ao Presidente da Assembleia da República, por motivo relevante, a sua substituição por uma ou mais vezes, no decurso da legislatura”
 
• “Por motivo relevante entende-se (entre os já previstos): outro motivo importante, relacionado com a vida ou interesses do deputado, designadamente, de natureza pessoal, profissional ou académica. A suspensão do mandato com fundamento no disposto do número anterior só é admissível por duas vezes em cada mandato, por períodos com a duração de 45 dias”

• “É igualmente vedado aos deputados, em regime de acumulação, sem prejuízo do disposto em lei especial: Exercer o mandato judicial, em qualquer foro, a favor ou contra o Estado ou prestar qualquer tipo de consultadoria ou assessoria ao Estado ou a outros entes públicos”