Quando, a meio de abril, a Câmara de Deputados do Brasil votou pelo início do processo de destituição de Dilma Rousseff, a “Folha de São Paulo” citava uma fonte do gabinete da presidente a dizer que esta acabava de “colher o que plantou”.
Sob anonimato, o colaborador de Dilma não acrescentou mais, mas a tese explica-se através do opositor Aécio Neves, o candidato do PSDB derrotado na reeleição de Dilma, em 2014: “A presidente não está sendo afastada pela oposição, está sendo afastada também pela sua arrogância, porque ela mostrou que perdeu condições de comandar e governar o país”, disse Aécio após o inevitável “colheu o que plantou”.
Por outras palavras, o que aliado e inimigo sublinharam foi o facto de a antiga guerrilheira marxista – que chegou a ser detida e torturada pela ditadura militar, como fez questão de lembrar um dos seus opositores na insólita votação de 17 de abril – nunca ter conseguido imitar o seu mentor, Lula da Silva, no jogo político que fez dele o presidente mais popular da história da democracia brasileira.
Em março, num texto em que chamava a Dilma o “Richard Nixon do Brasil”, a “New Yorker” lembrava que no “especialmente complexo e caótico sistema parlamentar” do Brasil, “onde mais de duas dezenas de partidos têm assento parlamentar”, a “única forma de criar uma coligação governamental é repartindo o poder pelos partidos, normalmente em forma de controlo de ministérios, em troca do apoio parlamentar”.
E recordava também o passado “burocrata” da presidente, que “nunca tinha sido eleita para um cargo público” – um passado que também terá contribuído para o contraste entre a habilidade política de Lula e de Dilma, que voltou a ser evidente quando a votação do impeachment na câmara foi agendada. O ex-presidente voou para Brasília onde, num quarto do Hotel Royal Tulip, recebeu deputados, senadores e dirigentes de pelo menos oito partidos. Jaques Wagner, assessor de Dilma, explicava: “Como se trata de votos no Congresso, é claro que é uma agenda do governo conquistar esses votos. E que melhor forma de conquistar votos do que ampliar o espaço de aliados e fazer um novo pacto?” Entre os 189 deputados dos quatro maiores partidos aliados do PT, apenas 37 votaram a favor de Dilma – “colheu o que plantou”.
A própria não esconde o seu desprezo pelo sistema que sustenta a sua presidência desde o primeiro dia de 2011. “Há um problema estrutural no presidencialismo de coligação brasileiro”, disse na semana passada à BBC. “O Brasil tem hoje 27 partidos, nenhum deles, nem três nem quatro, dão a maioria parlamentar necessária para a governabilidade”, lembrou a presidente ao lamentar o facto de “precisar de 13 partidos, às vezes 14”. E se “em ciclo de expansão económica não havia quem desafiasse a popularidade de Lula”, recorda Dilma, ela toma posse com a crise: “Entrou no final de 2009, acentuou-se em 2010 e 2011 e, a partir daí, começa o efeito sobre os emergentes, em especial os grandes.”
Para a ainda presidente, a conclusão é que o sistema “não suporta crises”, pois “diante da crise buscam-se soluções rápidas”. Neste caso, perante a crise, a solução é afastá-la. E o modo é um processo político que, em forma de julgamento, se confunde com as sucessivas investigações judiciais que têm atingido a política brasileira de forma quase diária nos últimos anos. Curiosamente, quando ainda em 2015 noticiou a entrada de um processo de impeachment no Congresso brasileiro, o “Financial Times” considerou o “combate à corrupção” o “principal legado” de Dilma. Lembrando que o governo de Dilma foi “pioneiro” na criação de mecanismos para o combate à corrupção – como a delação premiada, a que chama “arma de destruição maciça” –, o diário britânico considera que a presidente ficará na história “pelo declínio económico mas também pelo fortalecimento das instituições”.
É que, apesar de continuar a chamar “golpe” a um processo que pretende afastá-la por “pedaladas fiscais” – um esquema de maquilhagem de contas públicas que, se fosse crime na política brasileira, “não sobrava ninguém”, como disse ontem a própria –, Dilma não se livra dos efeitos da crise na sua imagem, mesmo entre apoiantes do PT. A mulher que chegou ao poder prometendo deixar a dívida pública nos 30% do PIB (o FMI estima que este ano acabe nos 76%) sai com as previsões a anunciarem uma recessão. E se o seu processo de destituição divide o país ao meio, o seu governo não: na última pesquisa da Datafolha, publicada a 11 de abril, 63% consideravam “ruim ou péssimo” o seu trabalho.