Recordar abril


Mobilizar nas novas gerações as conquistas de 1974 é mobilizar o futuro


Mais de 40 anos depois, não é fácil o estímulo para os festejos do 25 de abril. Ou, se quisermos ser rigorosos, para o fundamental das conquistas obtidas com a mudança de regime. Nomeadamente – e esse é o busílis – quando direcionamos esse discurso mobilizador para a geração que nasceu e fez a sua infância na contemporaneidade próxima (antes e depois) da data e do seu significado. As anteriores bem sabem o que mudou e aquilo que permitiu de evolução e modernidade ao país, e ainda agora não param de se surpreender com a diferença. Ao invés, é natural e compreensível que a geração nascida na década de 70 não tenha capacidade de ver a “revolução” como fronteira ideológica; apenas pode vê-la como fronteira temporal para o ciclo político, económico e social que viveu e vive. Por isso se compreende que comemorar a data com os olhos no pretérito perfeito ou imperfeito seja inverosímil para as gerações que fazem o presente e conjugam o futuro – ou, infelizmente, não veem o seu futuro cá dentro. Comemorar “o 25 de abril” na metáfora de uma invocada vitória de esquerda – transformando apenas e só a data nevrálgica num jogo de espelhos da litigância partidária – e na adequada homenagem à coragem dos militares não chega para consolidar os alicerces da democracia que interessa a essas gerações: a democracia das oportunidades, do reconhecimento, da justeza e da mobilidade social. O “25 de abril” foi e é de todos aqueles que lutaram por ele e, depois, de todos aqueles que dele beneficiaram e nele vivem. A dicotomia de interesses e compromisso do passado já pouco ou nada importa. Recorde-se, como é curial, mas não se esgote como princípio, meio e fim. Por isso, quando agarra o cravo num esforço ecuménico e coloca a data como união comum do país (desde logo partidário), Marcelo Presidente fez história e a história terá de recordar essa imagem com substância maior.

No entanto, por ironia dessa mesma história, há quem julgue que a fronteira de 1974 é perniciosa para o que há que fazer para consolidar abril. Que poderá ser um obstáculo (de índole situacionista) para o que há a fazer. Não é. Acima de tudo, para sustentar e promover o que a Constituição enquadrou, impõe e baliza. A diversidade (em alguns casos precursora) de direitos e garantias, o feixe inabalável de políticas do Estado, os princípios de economia política e social, a independência dos poderes entre si, tudo isso não pode ser visto como algo estático, sob pena de termos os dissabores da perda e da angústia. Como conciliar o adquirido com as exigências irreversíveis de sustentação financeira, com a necessidade de equilíbrio territorial, com a urgência de redefinir a Segurança Social, com a aconselhável revisão do sistema eleitoral, com a inversão da escalada de dependência da sociedade em relação à organização empregadora e prestadora do Estado? A estratégia ainda está na Constituição (mesmo depois de atualizada pós-marxismo) e a sua possível reconfiguração deve servir para reorientar as táticas para o futuro. Recordar abril é acreditar na sociedade civil, confiar no investimento e incutir rigor na colheita do que se semeia.

Não é tempo de carpir os liberalismos ou censurar os socialismos. É momento de realismo e de pragmatismo. Para que não se deixe cair o sorriso do menino dessas gerações que, na imagem que se fez ícone, sorriu com toda aquela esperança enquanto empurrava o cravo para a espingarda da revolução. Quem sabe, um dia regressa a Portugal para agarrar no cravo de Marcelo…

Professor de Direito da Universidadede Coimbra.

Jurisconsulto

Escreve à quinta-feira


Recordar abril


Mobilizar nas novas gerações as conquistas de 1974 é mobilizar o futuro


Mais de 40 anos depois, não é fácil o estímulo para os festejos do 25 de abril. Ou, se quisermos ser rigorosos, para o fundamental das conquistas obtidas com a mudança de regime. Nomeadamente – e esse é o busílis – quando direcionamos esse discurso mobilizador para a geração que nasceu e fez a sua infância na contemporaneidade próxima (antes e depois) da data e do seu significado. As anteriores bem sabem o que mudou e aquilo que permitiu de evolução e modernidade ao país, e ainda agora não param de se surpreender com a diferença. Ao invés, é natural e compreensível que a geração nascida na década de 70 não tenha capacidade de ver a “revolução” como fronteira ideológica; apenas pode vê-la como fronteira temporal para o ciclo político, económico e social que viveu e vive. Por isso se compreende que comemorar a data com os olhos no pretérito perfeito ou imperfeito seja inverosímil para as gerações que fazem o presente e conjugam o futuro – ou, infelizmente, não veem o seu futuro cá dentro. Comemorar “o 25 de abril” na metáfora de uma invocada vitória de esquerda – transformando apenas e só a data nevrálgica num jogo de espelhos da litigância partidária – e na adequada homenagem à coragem dos militares não chega para consolidar os alicerces da democracia que interessa a essas gerações: a democracia das oportunidades, do reconhecimento, da justeza e da mobilidade social. O “25 de abril” foi e é de todos aqueles que lutaram por ele e, depois, de todos aqueles que dele beneficiaram e nele vivem. A dicotomia de interesses e compromisso do passado já pouco ou nada importa. Recorde-se, como é curial, mas não se esgote como princípio, meio e fim. Por isso, quando agarra o cravo num esforço ecuménico e coloca a data como união comum do país (desde logo partidário), Marcelo Presidente fez história e a história terá de recordar essa imagem com substância maior.

No entanto, por ironia dessa mesma história, há quem julgue que a fronteira de 1974 é perniciosa para o que há que fazer para consolidar abril. Que poderá ser um obstáculo (de índole situacionista) para o que há a fazer. Não é. Acima de tudo, para sustentar e promover o que a Constituição enquadrou, impõe e baliza. A diversidade (em alguns casos precursora) de direitos e garantias, o feixe inabalável de políticas do Estado, os princípios de economia política e social, a independência dos poderes entre si, tudo isso não pode ser visto como algo estático, sob pena de termos os dissabores da perda e da angústia. Como conciliar o adquirido com as exigências irreversíveis de sustentação financeira, com a necessidade de equilíbrio territorial, com a urgência de redefinir a Segurança Social, com a aconselhável revisão do sistema eleitoral, com a inversão da escalada de dependência da sociedade em relação à organização empregadora e prestadora do Estado? A estratégia ainda está na Constituição (mesmo depois de atualizada pós-marxismo) e a sua possível reconfiguração deve servir para reorientar as táticas para o futuro. Recordar abril é acreditar na sociedade civil, confiar no investimento e incutir rigor na colheita do que se semeia.

Não é tempo de carpir os liberalismos ou censurar os socialismos. É momento de realismo e de pragmatismo. Para que não se deixe cair o sorriso do menino dessas gerações que, na imagem que se fez ícone, sorriu com toda aquela esperança enquanto empurrava o cravo para a espingarda da revolução. Quem sabe, um dia regressa a Portugal para agarrar no cravo de Marcelo…

Professor de Direito da Universidadede Coimbra.

Jurisconsulto

Escreve à quinta-feira