Na última cimeira da Cooperação Económica da Ásia-Pacífico, em novembro do ano passado, Barack Obama queixou–se a Malcolm Turnbull sobre a “arabização” do islamismo na Indonésia, que atribuiu ao investimento feito pela Arábia Saudita e outras potências do Golfo, que fomentam o radicalismo através de madraças, imãs e professores.
“Mas os sauditas não são seus amigos?”, questionou o primeiro-ministro australiano. “É complicado”, respondeu Obama, segundo a versão avançada por Jeffrey Goldberg na “Atlantic”.
Ao longo dos sete anos que já leva de Casa Branca, o norte-americano nunca disfarçou o ceticismo face à monarquia saudita, tão próxima do seu antecessor. O desgaste entre as duas potências ficou visível na visita de Obama a Riade na última semana – praticamente ignorada localmente e sem qualquer resultado digno de notícia.
E a Indonésia será o mais pequeno dos elefantes na sala. No topo da lista de temas que vão desgastando uma aliança com mais de 70 anos surgem o acordo nuclear do Irão – uma iniciativa de Washington de aproximação ao maior inimigo de Riade –, o combate ao grupo sunita do Estado Islâmico e, principalmente, os ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos.
A tensão aumentou exponencialmente em janeiro. Num momento raro de cooperação partidária nos EUA, republicanos e democratas da comissão judiciária do Senado aprovaram por unanimidade alterações a uma lei de 1976 que atribui imunidade a governos estrangeiros nos tribunais dos EUA. A ser aprovada, a legislação permitirá julgar outros governos apenas se houver provas do envolvimento destes em ataques em solo americano que matem cidadãos dos EUA.
Apesar da resistência do governo Obama – John Kerry disse no Senado que a lei “iria expor os EUA a julgamentos, retirar a imunidade soberana do país e abrir um precedente terrível” –, esta reivindicação dos familiares das vítimas do 11 de setembro goza de grande apoio bipartidário nas duas câmaras do Congresso de Washington. Quando esse apoio começou a revelar-se suficiente para aprovar a legislação, o próprio ministro saudita dos Negócios Estrangeiros voou para Washington.
“Adel al-Jubeir passou pessoalmente a mensagem do rei, avisando os congressistas de que a Arábia Saudita se verá obrigada a desfazer-se dos 750 mil milhões de dólares investidos em títulos de dívida e outros bens nos EUA antes de esses bens poderem vir a ser congelados pelos tribunais”, noticiou o “New York Times” no dia 15 deste mês, antes da visita de Obama a Riade.
Bomba em junho? Mas se neste ponto Obama até se coloca ao lado dos aliados sauditas – Hillary Clinton e Bernie Sanders, os dois democratas que se propõem sucedê-lo, já se mostraram a favor da iniciativa –, na outra ponta solta do 11 de setembro já não é bem assim. Junho é um “objetivo realista” para a publicação das 28 páginas secretas do relatório divulgado em 2002 com as conclusões da investigação aos atentados, disse na segunda-feira o responsável pela coordenação das várias agências de serviços secretos do país, James Clapper.
Estas páginas focam-se na influência do Estado saudita no financiamento da Al-Qaeda de Osama bin Laden e George W. Bush classificou-as como secretas em 2002. Foi o que garantiu o antigo senador Bob Graham, um dos autores do relatório em 2002 que, em entrevista ao “60 Minutes” da “CBS”, confirmou que as páginas “se dedicam essencialmente ao financiamento do 11 de setembro e apontam fortemente o dedo à Arábia Saudita”.
A declaração ajudou o forte lóbi dos familiares das vítimas, congressistas e comunicação social a pressionar a administração para a sua divulgação: “As 28 páginas devem ser publicadas imediatamente”, pedia no dia 22 o editorial do “New York Times”, onde se lembrava que “os americanos ainda não sabem exatamente a razão por que 15 dos 19 sequestradores da Al-Qaeda eram sauditas e até que ponto isso indica esforços de sauditas influentes, incluindo o seu poderoso sistema religioso, no planeamento do ataque.”
Há quem escreva, apoiado apenas em fontes anónimas, que Obama foi a Riade transmitir ao rei Salman a intenção de publicar a secção secreta do relatório. E se em 2002 o então MNE saudita, Saud al-Faisal, se mostrava um defensor da publicação, pois “a Arábia Saudita está de consciência tranquila e poderá defender-se”, agora não há representante do reino que comente o assunto.