Medeiros/Lucas. A tradição de fazer poesia eletrónica

Medeiros/Lucas. A tradição de fazer poesia eletrónica


Apresentam amanhã, na ZDB, “Terra do Corpo”, segundo disco onde continuam a saga de reinventar a tradição. Desta vez com letras do poeta João Pedro Porto e um punhado de belas colaborações


Um café – daqueles marcados por mail pois o contacto não estava à agenda de semear – que dura duas horas quando era coisa para vinte minutos deixa de o ser, vira abatanado, que às tantas arrefece. Felizmente há quem vá bem pelo café frio, o calor pode deturpar, sobretudo em chávena fria. Pedro Lucas e João Pedro Porto podem até ter bebido vinho nesse café, mas mais importa que, líquidos à parte, tenham chegado a um consenso. Pedro Lucas – uma das partes de Medeiros/Lucas, banda que nasceu da sua fusão com Carlos Medeiros, isto depois de ter ouvido o disco do próprio Medeiros chamado “O Cantar Na M’Incomoda” e de ter criado um projeto seu chamado Experimentar Na M’Incomoda – já há algum tempo queria “fazer um disco que trabalhasse com poesia contemporânea”, confessa-nos por telefone.

 Foi quando leu “Porta Azul para Macau”, do poeta João Pedro Porto, que ficou “a matutar essa ideia, num inconsciente assim com alguma consciência”. Ora coisa que, depois de “Mar Aberto”, disco de estreia de Medeiros/Lucas, em março de 2015, coisa densa e a chamar pela inquietude açoriana – origem que partilham – gerou um segundo filho completamente escrito por João Pedro Porto. “Terra do Corpo”, meio disco meio livro musicado a explorar a poesia quando cantada é apresentado amanhã, às 22h, na Galeria ZDB.

“Terra do Corpo” foi, então, um disco feito a três cabeças pensantes, ainda que escrita apenas por uma. E nestas coisas dos convites bem sabemos que o anfitrião, ainda que receba bem, precisa sempre de dizer que lhe parece ao seu gosto, no fundo, aquilo que vulgarmente chamamos de validação. João Pedro Porto tem formação clássica de piano, ou seja, “tem um pensamento bastante musical, o que acabou por, ao início, fazê-lo escrever letras com um formato de canção, com uma métrica muito certa”, conta Pedro Lucas, como que adiantando que gosta antes “de coisas mais irregulares”.

Bastou um alerta, para que João Pedro Porto fizesse das suas e não das que aprendeu no piano, para que tudo ganhasse forma, pouco certinha, que era o que se queria afinal. “Terra do Corpo” são dez faixas que juntam colaborações de Carlos Barretto, Tó Trips, Filho da Mãe, entre outros, que apelam a uma versão muito mais eletrónica do que “Mar Aberto”. Tudo consciente, diz-nos Lucas: “O processo do ‘Mar Aberto’ foi demorado, queria algo mais rápido, estava à procura de uma coisa física, imediata, algo que não fosse assim muito pensada. E sabia que queria voltar um bocado mais à eletrónica, eram ideias pouco conceptuais, mais estéticas, mas sabia que queria seguir esse caminho, a eletrónica trouxe esse lado mais físico, o nome também vem daí”. Prova de que a tradição, com estes dois ao leme, é um barco bem mais navegável.