Reformar a Democracia


Em Portugal os mais ambiciosos projetos de redemocratização da Democracia têm sido liderados pelas autarquias através do aprofundamento das ferramentas da democracia participativa


A confiança é um dos bens mais preciosos de uma sociedade democrática. Acreditar que todos os homens e mulheres são iguais perante a lei; presumir que o Estado trata todos por igual; dar como adquirido que as regras se aplicam a todos os cidadãos da mesma forma e que todos partilham o mesmo patamar de acesso às oportunidades. Todas estas questões, fulcrais para o funcionamento da Democracia, dependem da confiança. Da confiança na igualdade e na liberdade como valores permanentes.

Sem confiança – nas instituições, nos governos ou nos nossos concidadãos – a vida em comunidade não seria suportável. Acontece que, em Portugal, registou-se uma queda abrupta da confiança nos sistemas político, económico, judicial e até social.

Uma das consequências do fenómeno de erosão da confiança é o alheamento cívico. Cada vez mais pessoas se colocaram à margem do processo de decisão, cada vez menos pessoas votam e cada vez mais há a perceção de que o mundo se divide entre  “nós” e “eles”. Ou, pior, entre os interesses insanáveis do “eu” e dos “outros”. Isto leva a uma degradação profunda da Democracia. Como bem apontou Jane Jacobs, “uma vez corroída a confiança é virtualmente impossível de restaurar.” Ela não pode ser institucionalizada.

Qualquer tentativa de restaurar a confiança tem de passar, obrigatoriamente, pela recuperação da Democracia.

Em Portugal os mais ambiciosos projetos de redemocratização da Democracia têm sido liderados pelas autarquias através do aprofundamento das ferramentas da democracia participativa. De entre todas elas, a que mais sucesso tem experimentado é o Orçamento Participativo (OP).O princípio do OP é simples: os cidadãos decidem o que fazer, em votação aberta, com uma determinada dotação orçamental. É um exercício que descentraliza o poder de decisão passando-o dos políticos para as pessoas, que envolve os cidadãos no processo e que aumenta dramaticamente o escrutínio sobre o poder executivo e burocrático.

Este ano há em Portugal 83 OPs em atividade e, desde 2002, cerca de um terço dos municípios portugueses já tiveram experiências com OP’s. Ao todo, os munícipes nacionais já foram responsáveis pelo destino de 71 milhões de euros. Isto faz de Portugal o país do mundo onde o orçamento participativo tem maior implementação. Cascais, Câmara que lidero no âmbito das funções executivas que me foram conferidas nas eleições autárquicas, detém o título de maior OP do país e um dos maiores da Europa. Tanto em verba atribuída, 11.5 milhões de euros em cinco edições, como em número de votos per capita.   

Como decisor político responsável por processos de Democracia Participativa, não tenho a mínima dúvida de que os OP’s vieram para ficar. Por três razões. Porque resultam. As pessoas sentem-se uma extensão da comunidade e das suas realizações coletivas. Porque reforçam a democracia. Quando o cidadão é trazido para o processo de decisão é tudo mais transparente, mais inteligente e mais democrático. Porque o poder não é passível de ser subtraído aos cidadãos. A partir do momento em que o cidadão passa a ser codecisor, o poder político abdicou de parte do seu poder e não deve ensaiar nenhuma tentativa de concentração dessas parcelas de decisão delegadas. 

Compreendendo o sucesso do OP nas autarquias, o Governo lançou para a praça pública a hipótese de criar um OP nacional. É uma boa ideia que deve ser bem acolhida por todos os partidos. Todavia, para ser fiel ao espírito descentralizador do OP, seria importante que o Governo fizesse das autarquias parceiras privilegiadas na cogestão e codecisão local do OP nacional. Estes e outros temas serão discutidos hoje ao longo do dia na Fundação Calouste Gulbenkian, na III Conferência Internacional “Portugal Participa”, dando continuidade ao debate da semana passada no encontro Ibérico de Orçamentos Participativos que decorreu em Ponta Delgada.

Independentemente das nossas visões sobre o tema resta uma certeza: precisamos de uma democracia integral. Portugal, e é urgente que o alcance, tem de aperfeiçoar a sua democracia política e ao mesmo tempo fazer o caminho para se afirmar como democracia económica e social. É esse o desafio que nos espera em todos os níveis de decisão: do local ao nacional. 


Reformar a Democracia


Em Portugal os mais ambiciosos projetos de redemocratização da Democracia têm sido liderados pelas autarquias através do aprofundamento das ferramentas da democracia participativa


A confiança é um dos bens mais preciosos de uma sociedade democrática. Acreditar que todos os homens e mulheres são iguais perante a lei; presumir que o Estado trata todos por igual; dar como adquirido que as regras se aplicam a todos os cidadãos da mesma forma e que todos partilham o mesmo patamar de acesso às oportunidades. Todas estas questões, fulcrais para o funcionamento da Democracia, dependem da confiança. Da confiança na igualdade e na liberdade como valores permanentes.

Sem confiança – nas instituições, nos governos ou nos nossos concidadãos – a vida em comunidade não seria suportável. Acontece que, em Portugal, registou-se uma queda abrupta da confiança nos sistemas político, económico, judicial e até social.

Uma das consequências do fenómeno de erosão da confiança é o alheamento cívico. Cada vez mais pessoas se colocaram à margem do processo de decisão, cada vez menos pessoas votam e cada vez mais há a perceção de que o mundo se divide entre  “nós” e “eles”. Ou, pior, entre os interesses insanáveis do “eu” e dos “outros”. Isto leva a uma degradação profunda da Democracia. Como bem apontou Jane Jacobs, “uma vez corroída a confiança é virtualmente impossível de restaurar.” Ela não pode ser institucionalizada.

Qualquer tentativa de restaurar a confiança tem de passar, obrigatoriamente, pela recuperação da Democracia.

Em Portugal os mais ambiciosos projetos de redemocratização da Democracia têm sido liderados pelas autarquias através do aprofundamento das ferramentas da democracia participativa. De entre todas elas, a que mais sucesso tem experimentado é o Orçamento Participativo (OP).O princípio do OP é simples: os cidadãos decidem o que fazer, em votação aberta, com uma determinada dotação orçamental. É um exercício que descentraliza o poder de decisão passando-o dos políticos para as pessoas, que envolve os cidadãos no processo e que aumenta dramaticamente o escrutínio sobre o poder executivo e burocrático.

Este ano há em Portugal 83 OPs em atividade e, desde 2002, cerca de um terço dos municípios portugueses já tiveram experiências com OP’s. Ao todo, os munícipes nacionais já foram responsáveis pelo destino de 71 milhões de euros. Isto faz de Portugal o país do mundo onde o orçamento participativo tem maior implementação. Cascais, Câmara que lidero no âmbito das funções executivas que me foram conferidas nas eleições autárquicas, detém o título de maior OP do país e um dos maiores da Europa. Tanto em verba atribuída, 11.5 milhões de euros em cinco edições, como em número de votos per capita.   

Como decisor político responsável por processos de Democracia Participativa, não tenho a mínima dúvida de que os OP’s vieram para ficar. Por três razões. Porque resultam. As pessoas sentem-se uma extensão da comunidade e das suas realizações coletivas. Porque reforçam a democracia. Quando o cidadão é trazido para o processo de decisão é tudo mais transparente, mais inteligente e mais democrático. Porque o poder não é passível de ser subtraído aos cidadãos. A partir do momento em que o cidadão passa a ser codecisor, o poder político abdicou de parte do seu poder e não deve ensaiar nenhuma tentativa de concentração dessas parcelas de decisão delegadas. 

Compreendendo o sucesso do OP nas autarquias, o Governo lançou para a praça pública a hipótese de criar um OP nacional. É uma boa ideia que deve ser bem acolhida por todos os partidos. Todavia, para ser fiel ao espírito descentralizador do OP, seria importante que o Governo fizesse das autarquias parceiras privilegiadas na cogestão e codecisão local do OP nacional. Estes e outros temas serão discutidos hoje ao longo do dia na Fundação Calouste Gulbenkian, na III Conferência Internacional “Portugal Participa”, dando continuidade ao debate da semana passada no encontro Ibérico de Orçamentos Participativos que decorreu em Ponta Delgada.

Independentemente das nossas visões sobre o tema resta uma certeza: precisamos de uma democracia integral. Portugal, e é urgente que o alcance, tem de aperfeiçoar a sua democracia política e ao mesmo tempo fazer o caminho para se afirmar como democracia económica e social. É esse o desafio que nos espera em todos os níveis de decisão: do local ao nacional.