A minha camisa,  as tuas calças, o nosso perfume

A minha camisa, as tuas calças, o nosso perfume


Em 1994, era apresentado o perfume unissexo CK One e com ele a primeira revolução de género no campo da moda. Há cerca de um mês, a Zara lançou uma pequena coleção intitulada Ungendered e a Louis Vuitton escolheu um rapaz de 17 anos, Jaden Smith, como um dos protagonistas da campanha da linha feminina da…


Em 1994, o designer norte-americano CalvinKlein lançava CK One, o primeiro perfume do mundo considerado unissexo e que, em simultâneo, se tornou um dos mais controversos lançamentos da história da moda. Numa área tão intocável como a da perfumaria, onde os aromas criados para mulher foram sempre radicalmente distintos daqueles criados para homem, de repente, a proposta era que homens e mulheres partilhassem um aroma. Na campanha, fotografada por Steven Meisel, uma muito jovem Kate Moss assumia-se como embaixadora da chamada GeraçãoX e espelho de uma sexualidade ambígua e uma sedutora androgenia. Era mais do que um perfume que aqui se lançava, era um abrir de portas a um estilo de vida. A fronteira que se esbateu com o lançamento do CKOne, permitiu questionamentos e libertou estigmas que, até à data, ainda existiam de forma bastante oprimida.

Nos anos que se seguiram a 1994, não só a própria Calvin Klein lançou a sua linha de básicos, em algodão e em denim, unissexo, como clássicos de outras marcas – como as 501 da Levi’s, modelo normalmente associado aos homens – passaram a ser progressivamente usados também por mulheres. E se avançarmos no tempo rumo aos últimos três anos, um dos modelos de jeans mais usado pelas mulheres passou a ser o boyfriend jeans. Já do lado dos homens, são cada vez mais os que usam as chamadas skinny jeans.

Podia ser só moda e o tradicional vai-e-vem das tendências. Mas a moda nada mais faz do que refletir a sociedade, as suas dúvidas e certeza. E o que, em 1994, era unissexo, e que, há cerca de um ano, continuava a ser unissexo – no sentido em que poderia ser usado por ambos os sexos, masculino ou feminino -, agora é considerado sexless, sem sexo ou de sexo neutro. A abordagem binária do género tende a ser cada vez mais questionada. Até pela moda.

A roupa tem género? Na década de 1920,Coco Chanel criou roupa para mulheres baseada em peças chave do guarda-roupa masculino, como o tailleur. Considerada uma revolucionária, numa época em que a mulher procurava ganhar os seus direitos, Coco Chanel recorreu ao imaginário do guarda-roupa masculino e transportou-o para o dia-a-dia das mulheres como forma de afirmação.

Há pouco mais de um mês, o gigante espanhol Zara lançou a linha Ungendered. São oito peças apenas que, no entanto, fizeram disparar uma discussão mundial. Para alguns é um sinal dado por um dos grandes representantes da democratização da moda de que este universo está atento aos sinais da sociedade.Para outros, uma tentativa frustrada da Zara de abordar as questões de género. Já não é a mulher que procura ser igual ao homem ou o homem igual à mulher. É o ser humano que não se encerra nestas determinações e não quer que o guarda-roupa o faça por si.

Conscientes desta questão, outras marcas têm dado os mesmos sinais que a Zara. Tanto a Gucci, como a Rick Owens ou a Alexandre Herchcovitch demonstraram um crescente esbater das fronteiras entre os guarda-roupas. A mais evidente, no entanto, foi a Louis Vuitton, agora dirigida por Nicolas Ghesquière, que escolheu o ator e músico de 17 anos, Jaden Smith, filho dos atores Will Smith e Jada Pinkett Smith, como um dos quatro protagonistas da sua campanha para este verão. Os outros três são mulheres e a campanha em questão é a campanha para a linha feminina da marca, aparecendo o jovem vestido com uma saia. Jaden, de resto, já tinha assumido comprar e usar roupas femininas e masculinas, de igual forma.

A verdade é que a ideia, quase lírica, de que o que é rosa é para menina e azul para menino parece cada vez mais ultrapassada. Fronteiras sem sentido nem reflexo realista na forma como as gerações mais jovens encaram o seu género. A pergunta fundamental, no entanto, continua sem resposta fácil: o que é que a moda e a forma como a interpretamos e usamos diz sobre o nosso género e a nossa sexualidade (se é que diz alguma coisa)?