Conselho de Estado. Draghi pede a Costa para não “desfazer” reformas de Passos

Conselho de Estado. Draghi pede a Costa para não “desfazer” reformas de Passos


Presidente do BCE insistiu em mais reformas no mercado de trabalho e saudou preparação do plano B pelo governo


O presidente do Banco Central Europeu (BCE) alertou ontem para a necessidade de o governo não reverter as reformas que foram feitas em Portugal no passado, nomeadamente aquelas que foram levadas a cabo pelo executivo de Passos Coelho. “Não se justifica anular reformas anteriores”, frisou Mario Draghi durante o Conselho de Estado onde participou a convite de Marcelo Rebelo de Sousa.

Numa exposição aos conselheiros do Presidente da República, antes da sessão de perguntas e respostas – que se estendeu por duas horas e meia –, Draghi deixou avisos a António Costa, que participava na reunião, lembrando que “para além de preservar o que já foi feito, são necessárias mais reformas no conjunto da área do euro”, tal como indicado nas recomendações específicas para cada país.

Draghi defendeu junto dos conselheiros mais reformas no mercado laboral para “assegurar uma rápida adaptação aos choques ou alterações estruturais”. O presidente doBCE frisou que “este domínio permanece um importante desafio em Portugal” até para fazer face “ao elevado desemprego que, segundo o Eurobarómetro mais recente, constitui a principal preocupação dos cidadãos portugueses”.

 Mario Draghi deixou elogios a Portugal, na medida em que “o crescimento do emprego flutuante em 2014 sugere que as reformas do mercado de trabalho estão a tornar a economia mais adaptável”, mas não deixou de sinalizar que “um terço da força de trabalho jovem está sem emprego”. Daí que sejam necessárias medidas urgentes, defendeu, para “evitar a criação de uma geração perdida”.

Com o Programa Nacional de Reformas e o Programa de Estabilidade a ser preparado pelo governo – e no centro da agenda da segunda parte do encontro dos conselheiros, já sem Draghi e Carlos Costa, governador do Banco de Portugal –, o presidente do BCE defendeu que “aproveitar o momento para as reformas é essencial”. Draghi reconheceu que apesar das medidas de estímulo à economia, “o BCE não consegue, por si só, criar as condições para uma recuperação sustentável no crescimento”. É preciso trabalho e reformas nacionais.

Elogio ao plano b Draghi admitiu que “já são visíveis sinais de recuperação”, mas isso não pode levar o país a baixar os braços. “Os sinais de recuperação na zona euro e na economia portuguesa não devem ser lidos como uma indicação para descansarmos sobre os louros do trabalho feito”, disse, depois de explicar que muita desta recuperação se deve às políticas monetárias conduzidas pelo BCE.

Draghi registou “com agrado o compromisso das autoridades portuguesas em preparar medidas adicionais, destinadas a ser implementadas quando necessário para assegurar a conformidade” – ou seja, o plano B com que MárioCenteno, ministro das Finanças, se comprometeu em Bruxelas para receber o ok das instituições para o Orçamento doEstado para este ano.

Silêncio com críticas Tanto à esquerda como à direita não houve reações oficiais à intervenção de Draghi. Mas Ascenso Simões, deputado e membro da comissão política do PS, não calou as críticas à composição do Conselho de Estado de ontem e alertou para os perigos que o governo corre, se o Presidente entender entrar em matérias cuja decisão são da competência exclusiva do governo.

Num artigo publicado ontem no “Ação Socialista”, jornal do PS, o deputado escreve que “é estranha esta decisão [de convidar MarioDraghi], porque entra em matérias que são da exclusiva responsabilidade do governo, porque altera o perfil do mesmo Conselho de Estado”. Simões escreve ainda que “é por isso que o texto constitucional, ao determinar que o Conselho de Estado pode aconselhar o Presidente, quando este lho solicitar, está a abrir uma caixa de Pandora”. Porque, acrescenta, “o Presidente, ao inovar nos circuitos [de decisão], não ficando quieto na ‘cadeira’ que a norma e história lhe consagram, impõe a prazo uma menor capacidade do governo perante os mercados financeiros, as agências de notação e os investidores”.

Também José ManuelPureza, do BE, reagiu aos elogios de Draghi ao anterior governo e ao caderno de encargos que o líder do BCE deixou em Lisboa”. “Há um princípio basilar no direito internacional que é o da proibição de ingerência nos assuntos internos dos Estados. Se o facto de um responsável por uma instituição internacional vir a Portugal e, numa reunião do Conselho de Estado, a convite do Presidente da República, se dar a liberdade de interferir na disputa política nacional e de indicar que políticas devemos seguir não é uma violação clara da proibição da ingerência nos assuntos internos dos Estados, então nada cabe nessa proibição”, escreveu noFacebook.

No final do Conselho de Estado, Belém fez sair um comunicado onde se explica que os conselheiros, já sem Draghi e Costa, “debruçaram-se sobre as opções que Portugal deve desenvolver em termos de afirmação de ímpeto reformista” e que devem vir plasmadas no Programa Nacional de Reformas e no Plano de Estabilidade, que será apresentado no final deste mês em Bruxelas.