Não há gripe que mate uma reportagem. Ainda que o Alfa Pendular das oito da manhã mais pareça uma sauna ou banho de imersão em movimento. Reflexo de arrepios e de garganta inflamada, sintomas que, à partida, deveriam ditar o afastamento da chuva a céu aberto.
Só que o São Pedro pode ser tramado, não escolhe vítimas nem idades, e nós, gente por esta paragens em trabalho não ficámos nem a são nem a salvo. Isso não significa que nos fiquemos, assim, encharcados e sem resposta. Vingança, neste caso, serve-se quente e à grande. Abaixo o São Pedro, viva o São Francisco. Ciúme é coisa feio Pedro, mas ainda que domine os céus e as pluviosidades não chega a deter uma estrutura cultural digna de fazer inveja. O Convento de São Francisco, que esta sexta-feira inaugura, é um imóvel adquirido pela Câmara Municipal de Coimbra e que foi transformado numa valência multiúsos que serve congressos, concertos, performances, com mais de 12 salas e um grande auditório com lotação de 1400 lugares. E agora, dono da chuva?
Perdão, caro leitor, ninguém merece assistir a uma disputa destes com o São Pedro, mas há resistências que precisam de ser feitas. O mesmo se pode dizer deste imóvel de 1602 que às tantas, através de Joaquim António de Aguiar, esse político, nascido em Coimbra, que ficou conhecido como o Mata-Frades, por ter eliminado grande parte das ordem religiosas do país. Aguiar, como cidadão da terra, mais ainda se preocupou com oConvento de São Francisco, que passou para o estado. Mais tarde, este viria a ser transformado numa fábrica de laticínios que viria também a encerrar.
Há cerca de 30 anos a Câmara Municipal de Coimbra adquiriu o Convento, ou seja, há muito que ideias não faltam. Mas foi só em 2008 que o projeto se concretizou, tendo sido entregue a Carrilho da Graça – tudo o que foi construído de raiz e onde se encontra o Grande Auditório – e a Gonçalo Byrne – arquiteto que ficou com a tarefa de fazer renascer o espaço do Convento, algo que ainda não está terminado. Detalhe que constatamos assim que entramos, pela mão da Vereadora da Cultura da Câmara de Coimbra, Carina Gomes.
A vertigem da imponência A visita-guiada começa por aquilo que será um Welcome Center à cidade, um cartão de visita que pretende ser mais do que um mero balcão de informações turísticas: “Queremos que este se torne o local onde as pessoas vêm para perceber a história da cidade e o que podem fazer por aqui tendo em conta os dias em que estão por cá”, conta Carina Gomes. No corredor central podem encontrar-se ainda as antigas celas dos monges, que agora serão o abrigo de administrativos, escritório funcionais mas com muita pinta, digamos assim.
Curva à esquerda e um oásis em modo jardim. É neste pátio, adjacente ao Convento – o tal cujas obras ainda não estão finalizadas e que se prevê que receba residências artísticas e concertos – que terão lugar concertos ao ar livre, DJ sets, festas informais, projeção de cinema, tudo isto junto a um restaurante com boa cara mas ainda sem ementa. Uma escadaria leva-nos a um largo onde os antigos claustros foram substituídos por inúmeras salas multiúsos, equipadas com tudo o que se pretende para a realização de congressos, encontros, ou até entrevistas, tal como estava a acontecer numa das ditas. Está a ser feito um documentário sobre o local, onde se foram encontrar familiares ou trabalhadores ainda vivos da empresa de laticínios que significou a segunda vida deste lugar.
Segue-se o novo edifício, onde fica o Grande Auditório, o café-concerto e o foyer. Entrar neste auditório é praticamente um choque dimensional, daqueles que causam vertigens mal metemos o primeiro pé na longa descida até ao palco. Pede-se equilíbrio, algo que encontramos no olhar inverso, debaixo para cima: os 1400 lugares desta sala são uma viagem que começam – de imediato na cabeça de um jornalista de cultura – a pedir concerto de jazz e produções teatrais gigantes. Afinal, esta é a segunda maior boca de cena do país – só suplantada pelo CCB – e tem a maquinaria de cena mais avançada em Portugal.São 27 metros de altura, ou seja, as vertigens continuam.
Há ainda, neste piso, um antigo bengaleiro que será agora uma biblioteca de artes cénicas, tal como quatro pianos – um deles com quarto próprio, com mimos de climatização e estância de cinco estrelas – divididos entre vários espaços. O café-concerto foi outra das salas onde nos ficou na memória.Com um bar que já tem ar de vir a servir bebidas incríveis – se assim não for vamos ter problemas – e uma vista para a encosta de Coimbra que por norma não se olha: aquela que alberga a Universidade mais antiga do país. O Convento de São Francisco parece ter a nova vista sobre Coimbra. Contemplemo-la.