Offshores. Para os certinhos estas sociedades não trazem vantagens fiscais

Offshores. Para os certinhos estas sociedades não trazem vantagens fiscais


Segundo a lei nacional, o que está em offshores tem de ser declarado e tributado em Portugal. Mas há alguma vantagem? Sim, podem esconder-se, por exemplo, negócios dos concorrentes


Não existem vantagens fiscais (legais) para os portugueses – ou residentes em Portugal – colocarem dinheiro em offshores. Segundo a legislação nacional, todos os rendimentos, mesmo os que estão em paraísos fiscais, têm de ser declarados e tributados em Portugal. Ao contrário do que acontece em países como os Estados Unidos (em que a declaração de rendimentos é obrigatória, mas não há tributação), o único benefício que as offshores oferecem aos portugueses é um sigilo acrescido.

“De acordo com a lei portuguesa, ser uma sociedade destas ou não é indiferente. Ela é considerada transparente e, por isso, os lucros, juros, dividendos, mais- -valias ou outras formas de rendimento são tributadas em Portugal como se essa sociedade não existisse. Isto se se cumprir a lei, pois noutros países é diferente (não existem problemas com as offshores e aí até as usam para estimular a indústria de exportação)”, explicou ao i o fiscalista Tiago Caiado Guerreiro, lembrando que existem vantagens, ainda assim, para os portugueses que usam sociedades com estas características: “Se não se quiser que outras pessoas saibam que eu vou comprar um imóvel ou uma empresa, porque os concorrentes podem concorrer e fazer subir o preço, então pode utilizar-se uma offshore. É lícita esta confidencialidade.”

Feita a ressalva – de que podem existir offshores sem crimes associados -, a verdade é que, nos últimos anos, estas sociedades têm sido notícia em Portugal por terem servido para políticos, banqueiros e empresários nacionais fugirem ao fisco. Um dos casos que envolvia uma offshore no Panamá foi revelado em 2013 pelo i e estava relacionado com o processo Monte Branco, que investiga indícios de fraude fiscal e branqueamento de capitais.

Segredo vs tributação Ricardo Salgado não tinha declarado, no seu IRS de 2011, 8,5 milhões de euros. A retificação desse montante só foi feita mais tarde, poucos dias antes de ser chamado a depor no âmbito do chamado caso Monte Branco.

Na verdade, não foi apenas uma retificação, mas três, todas feitas fora do prazo. Como noticiado na altura, a primeira deveu–se a 25 mil euros de rendimentos de capitais da sua mulher e a 655 mil euros de rendimentos de capitais no estrangeiro do próprio banqueiro – valores que não tinham sido declarados em maio.

De seguida houve uma nova retificação, entregue no final de agosto de 2012. Este novo valor levou a liquidação de imposto de cerca de 3 milhões de euros.

Poucos dias antes de ir ao DCIAP prestar depoimento, Ricardo Salgado fez a última retificação ao IRS de 2011 e liquidou novo montante: 1,3 milhões de euros.

A coleta correspondente aos seus rendimentos de 2011 foi, assim, superior a 4,5 milhões, e não 183 mil euros, como tinha sido calculado inicialmente.

Como o semanário “SOL” noticiou, também em 2013, esses milhões de Ricardo Salgado terão sido pagos pelo construtor Joaquim Guilherme, usando uma offshore do banqueiro com sede no Panamá – a Savoices.

Os casos mediáticos Os processos da justiça com maior impacto mediático nos últimos anos envolveram quase sempre offshores, quer fossem no Panamá, nas Ilhas Virgens Britânicas ou na Suíça.

Foi assim no processo Furacão e no Monte Branco, onde estas sociedades estavam no centro de todas as investigações, por ser através das mesmas que o dinheiro era branqueado. Mas também apareceram no universo BPN, no Banco Privado Português e, mais recentemente, na Operação Marquês.

Em Portugal, o Ministério das Finanças tem publicada a lista de paraísos fiscais, que foi atualizada em 2011. É a chamada “Lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada claramente mais favoráveis”. Conta com 81 territórios. Estão lá Andorra, Mónaco, São Marino, as Ilhas Salomão, a Ilha de Tokelau, as Seychelles, as Maurícias, o Uruguai, as Ilhas Virgens Britânicas, as Maldivas, as Baamas. Tantas outras e, claro, o Panamá.

Quando o ilegal passa a legal Mas se o dinheiro de portugueses que está em offshores e não é declarado ao fisco está ilegal, ele nunca mais poderá ser usado pelas formas tradicionais? Há penalizações para quem o queira legalizar? Não, quem não declara pode até ser beneficiado se esperar pelo momento certo. No caso da Operação Marquês, parte do acervo de Carlos Santos Silva – 23 milhões de euros que o MP diz serem de Sócrates – acabou por ser regularizada com um imposto muito inferior (5 a 7%) ao imposto normal (40%). Isto porque o empresário aderiu a dois regimes extraordinários de regularização tributária, uma espécie de amnistias criadas no governo de José Sócrates.

A injustiça das offshores Em declarações ao i, o bastonário dos Contabilistas Certificados, Domingues de Azevedo, explicou que, mesmo quando se faz uma utilização legal destas sociedades, criam-se injustiças. “O caso do Panamá não é exclusivo, é apenas uma ponta do iceberg, que ainda está muito encoberto. Vejo isso com muita preocupação porque conduz a rivalidades sociais, à criação de estados de injustiça e, naturalmente, pode provocar alguma instabilidade de natureza social”, refere.

Segundo Domingues de Azevedo, a busca da confidencialidade é egoísta: “O que está na génese disto é um princípio demasiado egoísta. O homem tenta sempre resolver os problemas, faltando-lhe (ou não existindo) solidariedade quanto aos outros, que também têm direito a levar a vida com dignidade.”

Com Sónia Peres Pinto