Qatar 2022. A mancha na consciência do futebol mundial

Qatar 2022. A mancha na consciência do futebol mundial


Amnistia Internacional lançou um relatório arrasador a mostrar o “lado feio do jogo bonito”. É a primeira critica oficial às condições de vida de trabalhadores estrangeiros numas obras de um Campenato do Mundo


Antes de o ser, o Mundial do Qatar já o era – controverso. Desde o momento em que o nome do país árabe foi anunciado como organizador do Campeonato do Mundo de 2022 que o evento virou problema, com a FIFA no seu epicentro. Primeiro foram as denúncias de corrupção no processo de votação para o país ser o palco do principal evento futebolístico que se realiza a cada quatro anos – é o primeiro Mundial de futebol no Médio Oriente. Agora, é a vez de um (novo) relatório da  Amnistia Internacional arrasador para a organização. “É um Mundial baseado na exploração”, acusa Mustafa Qadri, editor do documento.

As notas revelam que os trabalhadores imigrantes a trabalhar no Estádio Khalifa, que acolherá uma das meias-finais da competição, e na Aspirine Zone, que engloba campos de treino e estruturas adjacentes ao campo, ambos na capital Doha, têm sofrido abusos e são vítimas de exploração sistemática, em alguns casos vítimas de trabalhos forçados. 

Não é um relatório novo, nem diferente do publicado pela AI, que já em 2013 havia feito as mesmas denúncias de pôr a nu o setor da construção civil no Qatar, “repleto de abusos e explorações”. Chamou na altura ao relatório “O lado negro da imigração: destaque sobre o setor de construção do Qatar antes do Campeonato do Mundo” e revelava as tramas complexas de contratos e expunha o abuso generalizado e diário dos trabalhadores. Mas agora, em 2016, é a primeira vez que a entidade de defesa dos direitos humanos critica oficialmente as condições de vida de trabalhadores estrangeiros numa obra do Mundial. Apresentando outro relatório, com o nome “O lado feio do jogo bonito: exploração num estádio do Mundial de 2022 no Qatar”.

Segundo a AI, os imigrantes que trabalham nas obras do Estádio Khalifa (um dos 12 que estão a ser construídos ou reconstruídos) estão instalados em condições “absolutamente imundas”, além de terem passaportes confiscados e “sofrerem intimidações dos chefes”. “Recebem salários inferiores aos prometidos, além de outras irregularidades”.

Dos mais de duzentos homens entrevistados pela Amnistia Internacional, apenas seis afirmaram receber o salário anteriormente acertado (ver caixa). Segundo o relatório, o número de pessoas que nos próximos dois anos estarão a trabalhar em estruturas do Campeonato do Mundo de 2022 deverá aumentar dez vezes, para cerca de 36 mil. “É imperdoável que num dos países mais ricos do mundo muitos trabalhadores imigrantes estejam a ser cruelmente explorados, privados dos seus salários e a tentar sobreviver em condições muito duras”, disse Salil Shetty, secretário-geral da AI.

A situação fez com que a AI condenasse a FIFA, por desrespeito dos direitos humanos: “O abuso de trabalhadores imigrantes é uma mancha na consciência do futebol mundial. Tanto para jogadores como adeptos, um estádio de um Mundial é um lugar de sonhos. Mas para alguns dos trabalhadores que a Amnistia Internacional entrevistou, é como se estivessem a viver um pesadelo”, escreve em comunicado o secretário-geral da organização de direitos humanos, Salil Shetty. “Apesar das promessas feitas ao longo dos últimos cinco anos, a FIFA falhou quase totalmente em impedir que o Mundial seja construído sobre abusos de direitos humanos”.

A FIFA respondeu ontem ao final da tarde. “Desde 2011 que a FIFA tem mantido reuniões com diversos grupos de interesses, incluindo a Amnistia Itnernacional, com o objetivo de encontrar o mais rapidamente possível condições laborais justas nas obras dos estádios do Mundial” e que por isso, segundo o órgão máximo do futebol, “não irá parar de instar as autoridades governamentais do Qatar e outros grupos de interesse a que empreendam ações com o fim de garantirem que as medidas adotadas em matéria de direitos dos trabalhadores imigrantes sejam respeitadas nos projetos de contrução”.

A AMI diz que a investigação no Qatar durou um ano, até fevereiro de 2016, entrevistou mais de 234 operários, principalmente oriundos do Bangladesh, Índia e Nepal.