Estado Islâmico. Uma gota de água na história do terrorismo

Estado Islâmico. Uma gota de água na história do terrorismo


Apesar dos antentados sangrentos de Paris e Bruxelas, as estatísticas sobre os mortos em actos de terrorismo na Europa mostram que vivemos os anos menos mortais desde os anos 70. O terrorismo não começou, nem parece ir acabar com o Estado Islâmico. Conheça a história do terror. 


“Num quente dia de setembro de 1920, poucos meses depois da prisão dos anarquistas Sacco e Vanzetti, que acabarão executados por um crime que não cometeram, o anarquista Mario Buda estacionou a sua carroça puxada por um cavalo perto da esquina da Broad com a Wall Street, defronte da empresa J.P. Morgan. Desceu despreocupadamente do veículo e desapareceu por entre a multidão que ia almoçar. Uns quarteirões mais abaixo, um carteiro descobriu uns folhetos que diziam “Liberdade para os prisioneiros políticos ou morrerão todos!”, assinado por uma autodenominada American Anarchist Fighters (Combatentes Anarquistas Americanos).”

Assim começa o livro do historiador norte-americano Mike Davis “Buda’s Wagon: A Brief History of the Car Bomb”.
A carroça explodiu, atirando o cavalo e o veículo para o ar em mil pedaços. Os vidros caíram em pedaços e todos os 12 pisos do edifício ficaram envoltos em chamas. Uma nuvem de pó preto cobriu a zona. Morreram 40 pessoas e ficaram feridas 200 no primeiro atentado com um carro-bomba de que há relato. No entanto, Mario Buda ficou descontente: o seu principal objetivo, o milionário J.P. Morgan, não estava entre as vítimas: na altura da explosão encontrava-se calmamente na Escócia a caçar.

Ainda assim, um pobre imigrante italiano com uma carroça e dinamite tinha provocado o inferno no coração do capitalismo norte-americano. Estava inventada a força aérea do pobres e o “terrorismo” chegava à sua fase industrial. De qualquer forma, foram precisos mais 27 anos para o mundo assistir à repetição da ação terrorista com um carro-bomba: em 12 de janeiro de 1947, os sionistas de extrema–direita da Brigada Stern faziam rebentar um camião com explosivos junto a uma esquadra britânica, matando quatro pessoas e ferindo 140. Rapidamente, o método é adotado por vários grupos beligerantes em muitos pontos do globo: Saigão em 1952, Argel em 1962, Palermo em 1963, e finalmente, como refere Mike Davis, as portas do inferno foram abertas com o atentado do IRA em 1972, que usou pela primeira vez um carro--bomba com amónio, nitrato e gasóleo, produtos que são facilmente comprados em qualquer lugar. Entre 1992 e 1998, os 16 atentados com veículos-bomba em 13 cidades do planeta mataram 1050 pessoas e feriram 12 mil.

O chamado terrorismo não nasceu agora com o Estado Islâmico, nem sequer com o carro-bomba do anarquista Buda. Os seus primórdios no mundo remontam ao século xi e à seita dos assassinos, ramo pioneiro do ismaelismo que defendia, com razão, que menos grave que fazer uma guerra em que morreriam milhares de pessoas era assassinar direta e publicamente os inimigos. Os assassinos da seita saíam da sua fortaleza de Alamut, misturavam-se com as multidões e matavam, de preferência publicamente, os seus inimigos, para vincar uma posição e para os atemorizar.

Na Europa, o nascimento da chamada idade clássica do terrorismo é em 1878, anos depois do massacre de 30 mil operários da Comuna de Paris, a execução de um grupo de internacionalistas em Cádis, em 1873, a execução de grevistas um pouco por toda a Europa, em 1877 – massacres de Estado que radicalizaram revoltosos e anarquistas.

O ano de 1878 é a grande estreia do terrorismo europeu: em janeiro, a revolucionária russa Vera Zassoulitch fere o general Trepov; em julho, Alexander Solovev tenta matar o czar, o que culminará numa verdadeira caça aos reis: assassinato de Alexandre II, em 1881, pelo Vontade do Povo; em maio e junho desse ano, uma série de atentados anarquistas contra o kaiser, em Berlim, o que, segundo Davis, dá pretexto a Bismarck para perseguir os sociais-democratas alemães, que não tinham nada que ver com os atentados; no outono, verifica-se um atentado contra Afonso xii, rei de Espanha; ao mesmo tempo que o anarquista Giovanni Passannante dissimula um punhal numa bandeira vermelha e com ele apunhala o rei de Itália. O ano termina com a encíclica do Papa Leão xiii consagrada à “peste mortal do comunismo”.

Historicamente, o chamado “terrorismo” não é um fenómeno de hoje e está ligado a conflitos em que, muitas vezes, é difícil identificar quem é “terrorista” e quem é “combatente da liberdade” – os terroristas de uns são os combatentes da liberdade de outros – e muito menos está circunscrito à Europa ocidental. Entre 2001 e 2014 foram mortas, segundo a Statista, 108 924 pessoas em atos terroristas, e apenas 420 na Europa ocidental.

Como diz Adrian Gallagher, especialista em segurança internacional e professor na Universidade de Leeds, ao site Huffington Post UK: “Na realidade, a Europa ocidental está muito mais segura que há décadas e sobretudo muito mais segura que o resto do mundo”, e acrescenta: “Podemos mesmo dizer que estamos a viver o período mais pacífico da história da humanidade.” E que as estatísticas demonstram que vivemos o período menos violento de sempre da história da Europa. Então porquê este sentimento de insegurança crescente? Ele explica-se pela espetacularidade dos atentados de Paris e Bruxelas, dando a ideia de que qualquer um de nós pode ser vítima, mas sobretudo, segundo Raffaelo Pantucci, diretor internacional de Estudos de Segurança no Royal United Services Institute, porque as pessoas estavam habituadas a terroristas “que matavam e explodiam coisas, mas não queriam morrer.

Hoje lidamos com gente que se mata para prosseguir os seus objetivos, o que torna muito mais difícil evitar os atentados”. De qualquer forma, olhando para as estatísticas de vítimas mortais de ataques terroristas na Europa, percebemos que os nacionalistas bascos e irlandeses e a extrema-direita italiana foram muito mais letais na Europa que o Daesh até agora.