A barbárie voltou a manifestar-se, desta vez em Bruxelas, no coração de uma Europa sem liderança e sem sentido de compromisso real com os princípios, os valores e os sonhos que estiveram na origem do projeto europeu. E sempre que troveja, os governos e as instituições europeias lembram-se de Santa Bárbara para, depois de exorcizados os fracassos, regressarem ao casulo da indiferença perante as realidades, da incapacidade para agir e dos paliativos políticos. O trovão é também a oportunidade por excelência para os especialistas na desgraça perorarem sobre os acontecimentos e para alguns setores à esquerda procurarem diluir a gravidade dos atos de terrorismo nas circunstâncias das origens dos terroristas, nas deficiências da integração ou em qualquer outro disparate proporcional ao populismo securitário da direita. Uns e outros constituem-se em parte do problema, na medida em que de um lado esgrimem o primado absoluto e inamovível de todo o acervo do Estado de direito para bloquear respostas diferenciadas aos acontecimentos e, do outro lado, instigam ao ódio repressivo de uma realidade que não é exterior ao espaço comum da Europa. A verdade é que é o passivo acumulado de indiferença perante os sinais, as realidades concretas e as dinâmicas nacionais e supranacionais que potencia os fenómenos limite de Paris ou de Bruxelas. É claro que este tipo de atos contra a humanidade tem sempre uma dimensão de imprevisibilidade que nenhuma estratégia preventiva de segurança consegue desmobilizar, mas o facilitismo das águas mornas e a insuficiência de cooperação das forças de segurança, dos serviços de informação e dos Estados são campo fértil para o germinar de oportunidades para o radicalismo, o fundamentalismo e todos os ismos que ameaçam os equilíbrios civilizacionais conquistados.
A falta de crença não nos impede de constatar que mesmo em território nacional, o sentido de integração, de moderação e de tolerância das lideranças da religião invocada na barbárie é pressionado por perspetivas mais radicais, mais difusas e mais próximas das leituras que inspiram os acontecimentos extremos. Nesta matéria, o simbolismo presidencial da iniciativa ecuménica na mesquita de Lisboa no dia da tomada de posse é positivo, mas não esgota o exercício de atenção às dinâmicas eventualmente perturbadoras da tolerância, da diversidade e da liberdade que são marcas formais e, por regra, materiais da nossa democracia. Para que não troveje e não seja necessário invocar Santa Bárbara, é preciso agir.
Para que não troveje, é importante o Estado clarificar as suas responsabilidades em matéria de prejuízos resultantes de fenómenos meteorológicos extremos e agilizar os mecanismos de apoio. É positivo o governo da República disponibilizar 62,7 milhões de euros para os 65 milhões necessários para recuperar as infraestruturas afetadas pelo mau tempo nos Açores. É um desastre de falta de sentido de Estado que o anúncio seja feito num congresso partidário.
Para que não se lembrem de Santa Bárbara, é preciso agir perante o aumento das insolvências de empresas em fevereiro de 2016, embora as criações também tenham crescido; é decisivo combater o agravamento das contas externas portuguesas no início do ano, sobretudo por via da diminuição do saldo positivo da balança de serviços e pela diminuição das remessas dos emigrantes; e é importante ter em conta o buraco de 1,6 milhões de euros para 2017 gerado pelas medidas do OE2016, segundo contas do Conselho para as Finanças Públicas.
Para que não troveje, é importante assegurar a renovação da frota que garante a segurança e a proteção civil, pilares fundamentais das funções do Estado. É por isso positiva a possibilidade de as associações humanitárias de bombeiros voluntários acederem aos fundos comunitários para a renovação da frota, e não apenas para substituir viaturas perdidas no combate aos incêndios florestais.
Para que não se lembrem de Santa Bárbara, em termos de cultura democrática, de ação e de mobilização, um partido político precisa de fazer muito mais do que resumir o órgão máximo da sua estrutura na área urbana de Lisboa (PS/FAUL), o momento de debate político e de votação da sua estratégia política, a uma manhã entre as 9h30 e as 13 horas. A democracia não é um mero formalismo administrativo.
Notas finais
Trovão. Com boa parte dos destinos de internacionalização das empresas portuguesas em dificuldades económicas e políticas de diferentes graus (Angola, Brasil, Venezuela, Moçambique e China) e depois das reversões das privatizações, que geraram desconfiança em alguns investidores estrangeiros, são positivas as declarações de António Costa segundo as quais, num sistema financeiro aberto, “ era o que faltava que em Portugal pudesse haver qualquer tipo de discriminação em razão da nacionalidade para o investimento na economia portuguesa e, designadamente, no sistema financeiro.”
Trovoada. É no limiar do miserável que a Autoridade Tributária e Aduaneira tenha escolhido o momento da presença do ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural na Feira do Porco Alentejano 2016, em Ourique, para realizar ações inspetivas aos expositores presentes no certame.
Arco-íris. O funcionamento da democracia em Cabo Verde. O povo votou na mudança. Ao fim de 15 anos no poder, o PAICV perdeu, o MdP ganhou, ambos respeitaram os resultados e deram um grande exemplo inspirador para África e para os democratas.
Membro da comissão política nacional do PS Escreve à quinta-feira