Se vivemos com medo, estamos a morrer aos poucos. E para morrer já basta quando morremos de vez.
Os atentados de Bruxelas não foram surpresa. As redes de islamismo radical, instaladas e alimentadas pela Europa da livre circulação e da mobilidade, estão ideologicamente fortes (com grande capacidade de atração da juventude desenraizada) e revelam uma organização atomisticamente temível nas áreas da exclusão social e da desregulação do Estado. As novas tecnologias e as redes sociais converteram o terrorismo numa peça de filigrana assente na comunicação incontrolável de pessoa a pessoa – um terrorismo de proximidade, com intimidade cultivada ao detalhe. Desde o Daesh às células dos talibãs, o perigo irradiou (dos aviões até à fila mais anónima numa paragem de autocarro) e chegou, musculado, ao coração da União Europeia. A conclusão é dura: as seitas islamitas têm estrutura, meios (com narcotráfico e contrabando de armamento pelo meio) e disponibilidade de mártires para obterem mortandades e pânico. A impotência é gritante: os serviços de informação, os controlos de segurança e as decisões políticas dos países mais fortes não chegam para evitar a concretização das ameaças, por muito que se desmontem localmente as operações e se desarmem os fanáticos. A intolerância cresce: a xenofobia e o populismo sem freio crescem nos votos da Europa da integração. O modelo de vida ocidental pós-guerra está encostado às cordas.
O medo não se avisa, sente-se. Fica à porta. Chega sem avisar. Foram agora eles como poderíamos ter sido nós.
O Ocidente – a começar pelos EUA – fez um programa ao contrário. Começou de dentro para fora e falhou. O Iraque foi e é um desastre. Prolongou-se a asneira na Líbia e na Síria, que se alastra para um imprevisível Médio Oriente. O norte de África é uma explosão em potência, uma vez que a correspondente Primavera Árabe foi apenas um sonho condenado pela fragmentação. O despotismo autoritário e ditatorial dos regimes implantados durante a Guerra Fria dos blocos serviu de tampão ao ódio religioso, e o seu fim (por muito que nos custe admitir) soltou o vespeiro. A verdade é que ele já estava cá fora desde os aviões do 11 de setembro. Esse foi o início de uma guerra irreversível e persistente. Todavia, Obama não quis nem quer liderá-la. Confessadamente, deixou de querer ser o guarda do mundo e apostou na solidariedade e na conciliação. Contra o intervencionismo e os bombardeamentos. Esta semana percebemos uma vez mais que não é linguagem que o terrorismo perceba. Não é método que impeça a Rússia de provocar e abusar. Não é expediente que previna a institucionalização do Estado Islâmico e a proliferação do jihadismo violento. O que fazer agora? Ir para esta guerra com o fito de defender a nossa liberdade ou esperar que nos matem à porta de casa? Essa é a alternativa que verdadeiramente não é. Mas sem que se perca a referência e a racionalidade. Sem que se abdique da maior dimensão e da axiologia do lado certo da contenda. Sem que se criem os bodes expiatórios (Schengen ou NATO) que serão sempre defesa. Contra a estratégia longa dos terroristas, resta uma estratégia com escala: reunir o Conselho de Segurança da ONU (aproveitando o poder dos seus membros permanentes) e a UE à mesma mesa e redefinir o programa contra a radicalização islâmica e o tratamento dos refugiados. Está na hora de termos outra vez os “aliados” juntos. E marchar pelo nosso modo de vida.
Não esperemos pela próxima. Chegou a nossa hora de combater o nosso medo. Por nós.
Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto
Escreve à quinta-feira