O PS não chegou a apresentar uma proposta de alargamento da ADSE a novos beneficiários, uma ideia que está a deixar com os cabelos em pé os defensores do Serviço Nacional de Saúde. Entretanto, a comissão de peritos que o governo nomeou para estudar o futuro da ADSE, o subsistema de saúde dos funcionários públicos, está debaixo de fogo da esquerda – em causa está a sua composição. Eugénio Rosa, economista da CGTP, diz que as conclusões da comissão estão “viciadas à partida”.
“É extremamente preocupante a composição da comissão criada recentemente pelo ministro da Saúde para reformar a ADSE, em que todos os seus membros ou quase todos são defensores da saúde privada, em que os representantes dos trabalhadores e aposentados (os únicos financiadores atuais da ADSE) foram totalmente marginalizados e afastados”, afirma Eugénio Rosa, num artigo a ser publicado na revista “Crítica Económica e Social”. De notar que este economista foi também um deputado especializado e intermitente do PCP – entre 2005 e 2009, entrando em funções dois a três meses todos os anos, durante o período de discussão do OE.
Eugénio Rosa deixa agora um alerta dirigido ao BE, PCP, PEV e PS sobre a composição da comissão da ADSE. “É preciso mudar essa situação e com urgência, já que as conclusões serão apresentadas até junho de 2016 e estão certamente viciadas à partida. É o alerta que fazemos e deixamos aqui aos partidos que apoiam este governo.”
Antes, já João Semedo, médico e ex-líder do BE, tinha afirmado que a escolha do coordenador da comissão da ADSE, Pita Barros – que antes foi nomeado para uma parceria com o Grupo Mello Saúde -, “tresanda a incompatibilidade e a conflito de interesses”, atacou.
À esquerda, as críticas multiplicam-se, até dentro do PS. Paulo Pedroso, que foi ministro da Segurança Social de Guterres, está contra o alargamento dos beneficiários.
“Serviço público de saúde deve haver só um. Para benefícios complementares, prefiro os associativos, mas a competirem com os seguros privados, separados do Orçamento do Estado, e não a distorcer o princípio do serviço nacional de saúde. Por isso não vejo porque há de o Estado administrar o que devia ser a mutualidade dos funcionários públicos. Quero o Estado fora da ADSE e a ADSE fora do Estado”, escreveu no seu blogue.
PS “não vai desvirtuar” As críticas podem ter levado o PS a refrear um primeiro movimento no sentido de alargar a ADSE. A 23 de fevereiro, Luísa Salgueiro, vice-presidente da bancada do PS e coordenadora na comissão de Saúde, anunciou uma alteração ao Orçamento do Estado para alargar os beneficiários da ADSE. Concretizou-a de forma detalhada, em declarações à Antena 1: “Esta é uma proposta que prevê o alargamento dos beneficiários da ADSE, podendo ser incluídos quer os cônjuges dos atuais beneficiários, quer os filhos até aos 30 anos que continuem a viver com os pais e tenham dependência económica dos pais. Assim como os ascendentes até aos 65 anos, que ficam sujeitos ao pagamento da comparticipação de 3,5%. E também o alargamento a todos os trabalhadores do setor empresarial do Estado e de outras entidades públicas, que ficam também abrangidos.”
“O alargamento é muito positivo”, chegou a comentar Ana Avoila, a coordenadora da Frente Comum de Sindicatos da Função Pública (CGTP). No entanto, a proposta do PS não chegou a existir no papel e, por conseguinte, não foi sujeita à votação na especialidade do OE, que anteontem se concluiu no parlamento.
Joana Mortágua, do BE, diz ao i que a proposta do PS “foi anunciada mas não está consagrada em lado nenhum em termos de lei”. O PS terá enunciado um princípio geral no relatório e feito uma menção à mutualização da ADSE na nota explicativa. E foi tudo.
Entretanto, no “Fórum TSF” de ontem, dedicado ao alargamento da ADSE, Luísa Salgueiro deixou “uma nota de tranquilidade”, afastando o fantasma de “desvirtuamento do SNS”. A deputada socialista disse que o PS tem uma “posição no programa de governo” que aponta para a “progressiva mutualização da ADSE”. “Admitimos que há margem de alargamento, mas não repentinamente. Estamos a dar os passos certos”, afirmou, remetendo para a comissão nomeada pelo governo.
No mesmo “Fórum TSF”, Ana Avoila afinou a posição dos sindicatos dos funcionários públicos na CGTP: “Não estamos contra o alargamento para o setor empresarial do Estado, o que estamos é para os trabalhadores do regime geral da Segurança Social, quer sejam cônjuges, sejam filhos, sejam primos, transformando a ADSE numa coisa para todos.”
A divergência à esquerda promete continuar, embora para já se faça em surdina, sem mostrar em público divergências que ponham em causa a imagem de unidade na maioria que sustenta o governo.