Fui visitar um tio ao hospital. Tem dor crónica, é cego e coxo. Felizmente, como é tetraplégico, não se nota tanto o andar claudicante. De resto, está impecável. É uma alegria estar com ele. A sua força de viver é contagiante. Sempre que ouço os bips dos seus batimentos cardíacos na máquina e a respiração ofegante do ventilador fico emocionado por saber que ele ainda se encontra entre nós.
Tenho falado muito com o meu tio sobre a agenda esquerdalha da eutanásia. Ele está muito indignado e cheio de medo que o mandem abater só porque está a sofrer. Acho eu que é isso que está a sentir, porque já não me lembro bem o que é que significa seis piscares de olhos, mas deve ser isso.
A esquerdalhada chama-nos assassinos quando simplesmente ferimos um poderoso touro em legítima defesa, numa luta honrada interespécies em que os humanos estão em clara desvantagem, mas olha com banalidade o homicídio de uma pessoa indefesa, na sua cama de hospital, que não faz mal a ninguém.
Porque a eutanásia é um mito e uma ilegalidade espiritual. É normal que uma pessoa que esteja em sofrimento peça para morrer. As pessoas que estão em sofrimento dizem muitos disparates. Mas ao dizer a essa pessoa que a vamos matar se ela quiser, só estamos a reforçar esse disparate. Quando alguém pede para morrer, o nosso dever moral é persuadi-la a pensar de maneira diferente, dizendo-lhe que o seu sofrimento é uma dádiva de Deus.
Impondo-lhe um desafio que parece impossível de suplantar, Deus está a dizer-nos que o milagre da vida é o amor que os familiares e a sociedade em geral devem dar a esse doente. O amor que, graças a esse doente, irá florescer e multiplicar-se como as metástases no seu corpo.
A pessoa que sofre em frente aos nossos olhos serve de exemplo, pois gera amor e dá, aos que vão vivendo sem doenças, mais vontade de viver e de praticar o bem.
É comum dizer-se: “Põe os olhos no teu tio Alberto e para de ser piegas! Ele só tem três meses de vida, mas estás a vê-lo queixar-se? E não me digas que lá por não conseguir mexer-se e falar contigo, ele gostaria de morrer. Ele é um campeão. Um exemplo! Aguenta-se firmemente com dores até que Deus lhe diga que chegou a sua hora.”
O grau de sofrimento que Deus coloca nas nossas vidas é proporcional à felicidade que iremos encontrar quando a nossa alma deixar o seu recipiente podre e cheio de vícios, para se transformar numa alma limpa de pecados.
Uma pessoa que nunca teve problemas na vida e que a teve facilitada será vista na entrada do reino dos céus como uma privilegiada que nada fez para testar a sua fé. Ao invés, uma pessoa em permanente dor terá a recompensa de entrar no reino dos céus sob um forte aplauso de todas as almas que esperam pela sua vez há milhões de anos, na fila, para poderem carimbar o seu passaporte divino.
Se alguém escolher a sua morte, estará apenas a prolongar o seu sofrimento. Deus não vai receber muito bem uma pessoa que apareceu inesperadamente e contra a Sua vontade. Deus gere um serviço de booking: cada pessoa tem uma hora marcada e pode não ter as suas acomodações preparadas se aparecer antes do check-in. Pode ter de ficar na sala de espera durante três milhões de anos, como castigo. O que, numa eternidade, é pouco. Mas numa semana já leu as tvguias todas e tem mais três milhões de anos para se entreter.
Sofrer é um dom, como o demonstra a história de Job. Pode custar muito Deus brincar às doenças com o nosso corpo e, no momento, até podemos querer morrer. Também eu já sofri muito e sei o que é passar por provações. Ainda ontem fiquei retido num elevador com um vendedor da “CAIS” que tresandava. Mas Deus não gosta de pessoas ingratas. Se fosse tudo fácil na terra, íamos olhar para todas as maravilhas que estão à nossa espera no céu como um adolescente enfadado que não fica impressionado se os pais o levam ao Grand Canyon, mas escreve “TOP” e “Brutal” nos comentários dos vídeos do Feromonas. Deus quer que apreciemos as coisas boas da vida e é por isso que nos faz sofrer.
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