Está aberta a caixa de Pandora e, a partir de agora, a polémica começa a subir de tom com sucessivas declarações polémicas sobre a prática da eutanásia no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Rui Moreno, coordenador da Unidade de Cuidados Intensivos Neurocríticos do Centro Hospitalar de Lisboa Central, disse este fim de semana ter praticado eutanásia num amigo com cancro do pâncreas e vai agora ser alvo de um processo disciplinar interposto pela Ordem dos Médicos. José Manuel Silva, bastonário dos médicos, confirmou ao “Notícias ao Minuto” que após as declarações de Rui Moreno, que alegou ter praticado eutanásia num amigo, a “Ordem decidiu abrir um inquérito” para que seja analisado o caso.
José Manuel Silva defende que a ordem “cumpriu a sua obrigação” depois de um “médico ter admitido publicamente o que fez”.
As consequências do processo dependem “dos prazos e dos resultados do inquérito”, dado que o caso pode já ter prescrito.
Confusão O bastonário salienta que é cada vez mais necessário proceder ao esclarecimento do termo “eutanásia”, lembrando que o que está em causa é a “antecipação consentida da morte” e não uma “morte assistida”.
“A morte assistida é o que existe atualmente, quer nos hospitais quer em casa. É a morte que todos nós queremos”, afirma, acusando os promotores do manifesto pela eutanásia de estarem a “confundir deliberadamente os conceitos.”
“As declarações que têm vindo a público provam que há alguma confusão de terminologias para que todos nos entendamos”, defende José Manuel Silva, lembrando que as declarações da bastonária da Ordem dos Enfermeiros e do médico Pereira Coelho, que apontavam para a existência de casos de eutanásia no SNS, acabaram por não ser “confirmadas”, o que prova, segundo o próprio, “que não há eutanásia nos hospitais” do país.
Bastonária abriu a caixa A eutanásia já é praticada nos hospitais portugueses. A revelação foi feita a 27 de fevereiro, no programa “Em Nome da Lei”, da Rádio Renascença, por Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros. A responsável garantiu que viu situações no SNS em que médicos sugeriram dar insulina aos doentes em situação terminal para lhes causar o coma e provocar a morte.
“Vivi situações pessoalmente, não preciso de ir buscar outros exemplos. Vi casos em que médicos sugeriram administrar insulina àqueles doentes para lhes provocar um coma insulínico. Não estou a chocar ninguém porque quem trabalha no SNS sabe que estas coisas acontecem por debaixo do pano, por isso vamos falar abertamente”, sublinhou Ana Rita Cavaco. “Não estou a dizer que as pessoas o fazem, estou a dizer que temos de falar sobre essas situações”, acrescentou.
Então a eutanásia já é praticada nos hospitais? “É, mas não sou só eu que digo isso. Há outras figuras públicas que já o admitiram, e mais vale admitirmos que há coisas que não estão legisladas, mas que são feitas”, disse a responsável. É um crime? “É, mas isso acontece em todos os setores da sociedade, mais vale discutir.” Ana Rita Cavaco assinou a petição “Direito a Morrer com Dignidade” – que pede que se despenalize e regulamente a morte assistida, quer seja o próprio doente a autoadministrar o fármaco letal (suicídio assistido), quer a droga seja administrada por outra pessoa (eutanásia), em ambos os casos com a orientação e supervisão de um médico – e diz que o fez pela experiência de sofrimento com que se tem deparado na sua vida profissional.