Encontrámos Tiago Pires naFundação Calouste Gulbenkian, tinha algumas mazelas – os pontos nas mãos e o creme branco na cabeça denunciam-nas – de um acidente que sofreu na Cave, uma onda da Ericeira que fez com que embatesse no fundo de uma rocha há duas semanas. Está calmo, quase como alguém que sabe que tomou a decisão certa e que se sente em paz pelo novo rumo que vai tomar. A sua decisão foi ter-se retirado das provas internacionais na passada sexta-feira. E fê-lo ao lado de amigos, conhecidos e jornalistas numa grande festa. Passaram-se alguns dias, e “Saca”, alcunha que veio do pai e da qual pouco fala, encontra-se tranquilo com o futuro. “Gosto muito de vir a estes jardins, sou uma pessoa muito ligada à natureza, é importante ter os nossos sítios para recarregar baterias. Mas o facto de me ter retirado, não quer dizer que vá abrandar”, diz ao i. Não tem uma prancha ao seu lado, mas muita história para contar sobre quem viveu os últimos 20 anos ligado ao mar.
Com um filho aos 35 anos, Tiago decidiu parar. Mas como se pára quando nas veias de uma pessoa, para além do sangue, “corre também água salgada”? Pois, é impossível para quem desde cedo tomou o gosto pela competição, e que tem uma paixão enorme pela Ericeira – reserva mundial do surf desde 2011 –, a sua casa de férias eterna, e que não desliga de uma modalidade onde foi o primeiro português a entrar para o WTC, o circuito mundial do surf.
O novo ano traz novidades. Para além de “projetos engraçados”, e de continuar a trabalhar com algumas marcas como a Quicksilver – com quem tem contrato até 2020 – vem aí um filme.Um documentário, melhor dizendo. “Um documentário biográfico que eu conto estrear em outubro deste ano.Estamos a meio da produção. É muito especial”, anuncia sem revelar muito mais. A “panca” por este género cinematográfico serve para contar a sua “história ímpar no desporto”, onde vamos encontrar momentos difíceis da carreira — afinal foram sete anos até entrar para a WTC em 2008, e sair da elite seis anos depois – e talvez outros detalhes, como o dente partido, uma imagem de marca que sempre ficou por explicar.
Sobre os seus sucessores como Frederico Morais ou Nicolau VonRupp, de quem sabe que “têm grande potencial” para entrar na elite, deixa vários conselhos. “Em Portugal ou somos heróis ou somos os vilões. E há uma linha que está no meio que onde é preciso estar, mas que é muito arriscada. Eles relaxam demais e não vão à procura do desafio. Há que provar que somos fortes em todo o tipo de mares e oceanos”, diz.
Foi assim que Tiago fez. Ao lado da sua mãe, “a maior fã”, do seu mentor, José Seabra, que “tornou isto tudo possível”, e de Pedro Almeida, psicólogo de desporto, que lhe deu “um balão de oxigénio” a partir de 2006. Todos eles e agora, com o seu filho.
E será mais difícil ser pai dele ou do surf português? “Muito mais difícil”, diz sobre o filho.
Entrevista publicada na edição impressa no dia 3 de março