Cory Jones. “A Playboy foi sempre uma marca feminista”

Cory Jones. “A Playboy foi sempre uma marca feminista”


O diretor global de conteúdos da “Playboy”foi o grande responsável pelo fim da nudez integral na revista. Esteve em Portugal para falar desta decisão.


Se o Cory Jones de 12 anos, aquele que, como todos os outros miúdos da sua idade, via a “Playboy” do pai às escondidas, fizesse uma viagem no tempo, até aos dias de hoje, não viria contente. É que o diretor global de conteúdos da “Playboy” foi o grande responsável pelo fim da nudez nas páginas da edição norte-americana da revista fundada por Hugh Hefner. Uma decisão que não foi tomada de ânimo leve, garante. Em Portugal para a Playboy International Publishing Conference, que durante dois dias reuniu editores da revista vindos de todo o mundo para discutir o futuro da publicação, Cory Jones falou com i sobre esta nova era onde nudez já não marca a diferença.
 
É o rosto do fim da nudez na “Playboy”. Desde que foi feito este anúncio sente-se o homem mais odiado da terra?

Não. Quando fizemos o anúncio, em outubro, foi uma loucura. Mas a resposta tem sido muito positiva. Monitorizámos as redes sociais e 86% das reações foram positivas. Toda a gente adora a “Playboy”, é uma grande marca, e, quando ouviram pela primeira vez as notícias, terão pensado “o quê?”. Mas depois perceberam que fazia sentido. A internet evoluiu e tomou o lugar de certas coisas que durante muito tempo faziam parte da “Playboy”. Quando o Hugh Hefner lançou a “Playboy”, em 1953, a nudez era provocadora, testava os limites, sobretudo numa nação tão puritana como a América. O próprio Hugh Hefner foi um grande defensor dos direitos civis, dos direitos dos gays, dos direitos reprodutivos das mulheres, da legalização da marijuana. E fê-lo antes disso ser cool. Costumava haver Playboy Clubs e, no sul do país, quando eles não eram integracionistas, o Hugh mandava-os fechar. A nudez fazia parte desta postura de explorar as fronteiras. Nesta era da internet a nudez já não serve esses propósitos.

O advento da internet, de certa forma, esvaziou a “Playboy” de muitas das causas que defendia como suas?

Acho que, se a “Playboy” fosse apenas acerca da nudez já teria fechado há muito tempo. O nosso ADN foi sempre a liberdade e o progresso. A nudez era um aspecto, mas sempre tivemos coisas como a entrevista, que defendo ser o mais importante franchise na história das revistas. Tivemos Martin Luther King Jr, Muhammad Ali, Jimmy Carter… Indivíduos muito inteligentes com conversas intelectuais sobre a agenda do dia. Isso fez sempre parte daquilo que somos.

A revista não passará a ser igual a tantas outras?

Não acho. Continuaremos a ser sexy e continuaremos a ter imagens provocadoras. Os homens que compram a “Playboy” vão continuar a ser homens que adoram mulheres. Mas depois temos coisas que nenhuma outra revista tem. Quando falamos de algo como o casamento homossexual isso tem significado. Outras revistas que se dizem nossas concorrentes, não têm o peso da “Playboy”.

Tomar esta decisão foi muito difícil?

Quando, há cerca de um ano e meio, em agosto de 2014, relançámos o site Playboy.com, nos EUA, relançámo-lo como um site sem nudez. E o número de visitas subiu em flecha, 400%. Passámos de 4 milhões de visitas por mês para 20. E a idade média de visitantes passou de 47 anos para 30, o que é importante.

E em termos de sexo?

Cerca de 80% são homens. Continuamos a ser uma marca masculina, mas agora somos mais aceitáveis para as mulheres. Foi depois deste relançamento que começámos a falar em como seria se tirássemos a nudez do papel. Até porque, um dos nossos grandes problemas é que, nos EUA, desde 1985, a revista passou a ser vendida nas prateleiras de cima das bancas, dentro de um saco de plástico para que não fosse possível ver a capa, e ao lado de revistas para adultos que era onde não queríamos estar. Ao retirarmos a nudez passámos a estar nos escaparates da [livraria] Barnes & Noble, ao lado da “Vanity Fair”, da “New Yorker”, da “GQ”. A oportunidade de estarmos lado a lado com outras revistas mainstream era muito importante para nós. Queríamos deixar de ser a revista que as pessoas compravam com vergonha.

Estava muito nervoso por apresentar esta ideia a Hugh Hefner?

Sim, não sabia o que esperar, até porque não o conhecia. Já tinha ido várias vezes à mansão, mas não o conhecia.

Como foi?

Levei uma apresentação em Powerpoint para lhe mostrar o que queríamos fazer e tentar ter a sua benção. Ele foi fantástico. Gostou de algumas das ideias, não gostou de outras e tinha as suas razões. Falámos e acho que ele entendeu e confiou que estávamos a tomar a decisão certa. E viu que tínhamos pensado muito, não era uma decisão tomada de ânimo leve. O Hugh Hefner aprovou todas as páginas da nova edição.

A “Playboy” americana chegou a vender seis milhões de exemplares e atualmente está nos 800 mil. A revista estava condenada ao fracasso se não fosse tomada uma decisão radical?

Era preciso fazer algo grande. E o site tinha tido tanto sucesso que pensámos replicar isso na revista. Tínhamos de mostrar às pessoas que continuamos cá. Não havia meio caminho.

Durante anos a “Playboy” foi, de alguma forma, demonizada, mas a verdade é que, no passado, um miúdo roubava a “Playboy” do pai para ver mulheres nuas, enquanto que agora se agarra ao computador e vê vídeos pornográficos gratuitos. O advento de plataformas como o Youporn foi fundamental para a necessidade de mudança da revista?

Antes de mais sinto-me contente por não ter dez anos, não consigo imaginar o que seria ter acesso a literalmente tudo o que se puder imaginar. E não sei que efeitos isto terá daqui a uns anos. Mas acho que ver determinados conteúdos, numa tenra idade, muito impressionável, pode enviesar a forma como se vê o mundo. Mas sim, o livre acesso à pornografia na internet foi uma das principais razões para a decisão de acabarmos com a nudez. Retirarmos da revista a nudez, permite-nos inovar ainda mais, sobretudo a nível editorial. No passado, o facto de sermos uma revista com mulheres nuas fazia com que fôssemos avaliados segundo padrões diferentes, inferiores.

Esta decisão é a vossa forma de homenagearem as mulheres dos tempos modernos?

Sim. Hoje em dia as mulheres são donas da sua própria imagem e isso fica claro em plataformas como o Instagram. Elas estão em controlo. E nós queremos devolver às mulheres o controlo da sua imagem. Também por isto deixámos de fazer correção de imagem, apenas corrigimos a cor das fotos. Acho que as imperfeições são mais belas e os homens e mulheres, nos tempos que correm, querem ver algo real. Acho que, neste novo número, temos algumas das fotografias mais sexy de sempre, porque damos espaço à imaginação. E as imagens são feitas com uma carga muito grande de intimidade.

Parece que a “Playboy” quer tornar-se um símbolo feminino. 

Quando relançámos o site recebi vários contactos a perguntarem-me se agora éramos um site feminista. Fomos sempre uma marca feminista, que lutou pelos direitos e liberdades das mulheres.

Essa é uma forma de ver as coisas. A outra vê a “Playboy” como um veículo que promove a objetificação das mulheres.

Pois, mas o que é engraçado é que as pessoas que dizem isso são normalmente as mesmas que querem retirar os direitos reprodutivos das mulheres.

Os republicanos, portanto?

Sim. São eles que não querem pagar às mulheres salários iguais, e que querem retirar tantos outros direitos que as mulheres conquistaram. Querem estar dos dois lados da barricada. Tenho muito medo destas eleições.

É casado. O que é que a sua mulher achou desta mudança na “Playboy”?

Ela gostou! Eu costumava trabalhar na “Maxim” e foi lá que nos conhecemos. Ela achou que foi uma decisão inteligente. Já o meu pai não gostou muito… Até eu já brinquei que o Cory de 12 anos estava muito desapontado com o Cory atual!

raquel.carrilho@ionline.pt