Procurador terá recebido 300 mil euros para beneficiar Manuel Vicente

Procurador terá recebido 300 mil euros para beneficiar Manuel Vicente


Orlando Figueira, antigo procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), foi detido ontem por fortes suspeitas de ter recebido ‘luvas’ de 300 mil euros para beneficiar o vice-presidente de Angola Manuel Vicente – antigo CEO da Sonangol – num inquérito que dirigia. Parte do dinheiro ter-lhe-á chegado à conta no dia em…


O magistrado é suspeito de corrupção passiva na forma agravada, corrupção ativa na forma agravada, branqueamento e falsidade informática.

Até 1 de setembro de 2012, quando suspendeu funções de magistrado ao abrigo de uma licença sem vencimento, Figueira tinha  nas suas mãos grande parte das investigações por indícios de branqueamento de capitais que envolviam cidadãos angolanos – entre os quais os que visavam o general Manuel Dias (‘Kopelipa’), Carlos Silva (CEO do Banco Privado Atlântico e vice-presidente do BCP) e Álvaro Sobrinho (ex-presidente do BESA).

Segundo o i apurou, o procurador recebeu na sua conta do Banco Privado do Atlântico transferências com origem na sociedade Primegest, que tem capital da Sonangol. Terá sido esse fluxo de dinheiro que levantou suspeitas do DCIAP, além do facto de o procurador ter pedido para sair do departamento do Ministério Público que investiga a criminalidade mais complexa e ter começado a trabalhar para o BCP (o Banco Privado do Atlântico tem entre os principais acionistas o BCP e a Sonangol). Segundo o i apurou, em 2014 o DCIAP recebeu uma denúncia anónima, mas pormenorizada, contra o procurador.

O arquivamento suspeito O inquérito arquivado por Orlando Figueira, e que está na origem de todas as suspeitas de que agora é alvo, investigava transferências de quantias avultadas para Manuel Vicente, Leopoldino Nascimento (general da Casa Militar do Presidente de Angola) e José Pedro Morais Júnior (governador do Banco Nacional de Angola). O procedimento terá sido aberto ao abrigo da lei de prevenção do branqueamento de capitais, após alertas bancários. Os montantes foram utilizados na compra de frações no empreendimento Estoril Residence.

Apesar de o arquivamento ter abrangido os outros dois arguidos, o i sabe que Manuel Vicente está no olho do furacão, uma vez que as supostas contrapartidas dadas ao procurador Orlando Figueira – e que serão de cerca de 300 mil euros – chegaram através de uma sociedade ligada à Sonangol (a Primegest).

Foram detetadas duas transferências: uma antes do arquivamento, de cerca de 130 mil euros, e a segunda, de 170 mil, no próprio dia em que Orlando Figueira deduziu o despacho de arquivamento.

Mas, para o Ministério Público (MP), as contrapartidas foram além destes pagamentos. Também o emprego que arranjou, no departamento de Compliance do BCP, aponta para ligações à Sonangol (ver gráfico).

Ontem, no âmbito da chamada Operação Fizz, foram levadas a cabo diversas buscas, em que participaram onze procuradores da República, oito juízes e 60 elementos da Polícia Judiciária. As autoridades passaram a pente fino a residência do procurador Orlando Figueira, a sede do Banco Privado Atlântico Europa, o escritório de Paulo Amaral Blanco (advogado de Manuel Vicente), as instalações do BCP e as da sociedade de advogados BAS (onde trabalha atualmente o ex-procurador). Terá ainda sido alvo de buscas a casa de um familiar de Manuel Vicente.

PGR confirma suspeitas O inquérito é conduzido no DCIAPpela procuradora Inês Bonina. Como o caso se circunscreve à zona da capital, as diligências foram validadas por uma juíza da secção de instrução criminal de Lisboa e não por juízes do Tribunal Central.

As transferências sob suspeita foram feitas a partir do estrangeiro para a conta do magistrado – conhecido entre os colegas por ficar com a maioria dos casos de branqueamento que envolviam cidadãos angolanos.

Numa nota à imprensa, a Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou estas informações: “Em causa está o recebimento de contrapartidas por parte de um magistrado do MP (em licença sem vencimento de longa duração desde setembro de 2012) com a finalidade de favorecer interesses de suspeito, em inquérito cuja investigação dirigia”. A PGR explicou ainda que Orlando Figueira iria ser “presente ao juiz de instrução criminal para primeiro interrogatório judicial.”

No âmbito da Operação Fizz, o MP foi coadjuvado por vários elementos da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da Polícia Judiciária, que terão tido preocupações acrescidas com o sigilo da investigação.

Estatuto do MP omisso O Estatuto dos Magistrados do Ministério Público não proíbe que um procurador passe a trabalhar para uma empresa ou pessoa que investigou. Fontes do Conselho Superior do Ministério Público explicaram ao i que nos últimos anos chegou a ser discutida a necessidade de acrescentar restrições ao estatuto.

“Lembro-me que a questão chegou a ser abordada quando este procurador saiu para o BCP, foi aliás o então Procurador-Geral da República (ver entrevista ao lado) a levantar essa questão, falando da necessidade de um ‘período de nojo’”, explicou um dos membros do Conselho Superior que pediu para não ser identificado.

Em 2012, o procurador Orlando Figueira defendeu à imprensa que não havia qualquer impedimento ético ou legal na sua saída para o setor privado. Justificou ainda que, numa altura em que os magistrados estavam a sofrer cortes de salários, tinha sido obrigado a sair da magistratura por “razões pessoais e financeiras”.

“Na altura, o que suscitou algumas dúvidas ao Conselho Superior foi o facto de Orlando Figueira nem sequer informar para onde iria trabalhar” – explica a mesma fonte,  reforçando que,  mesmo que não houvesse suspeitas de crime, existem questões éticas. “A matéria é difícil de trabalhar, mas o mais provável é que esta operação venha reacender o debate sobre a colocação destas restrições no Estatuto”, conclui.

PGR não o quis questionar Em 2012, a Procuradora-Geral daRepública, Joana Marques Vidal, votou contra a proposta de questionar o magistrado Orlando Figueira sobre a entidade para a qual trabalhava. Segundo o DN noticiou ontem, quando o procurador pediu a licença sem vencimento invocou uma cláusula de confidencialidade para não revelar o nome da sua nova empresa. O assunto terá sido levado ao Conselho Superior por Castanheira Neves, tendo havido uma divisão dos magistrados quanto ao que fazer. Marques Vidal foi chamada a desempatar tendo considerado que o ex-procurador não deveria ser chamado para prestar esclarecimentos.