Ouve-se por aí uma conversa que é bem reveladora do vírus revolucionário que está a contagiar o governo. Nem vou tocar nas iniciativas de regovernação tão típicas dos projetos políticos de má memória. Basta ter escutado com atenção o debate do Orçamento do Estado. O esboço que deu origem a um Orçamento que já teve um par de erratas tem levado pancada de todo o lado. O governo, o PS e os partidos à esquerda fazem o que lhes compete: esforçam-se, muito, para que as pessoas acreditem no alinhamento cósmico dos números do Orçamento. O problema é que do outro lado estão instituições (nacionais e internacionais), empresas, economistas, cidadãos e partidos na oposição que não compram a cantiga socialista. Resultado: todos os que discordam do governo e do seu Orçamento de “dá com uma mão para tirar com a outra” são acusados de detratores da pátria. Isto faz lembrar qualquer coisa.
O PS de um passado não muito longínquo deu sinais de conviver mal com o pluralismo. Com os esteroides totalitários da esquerda bloquista e comunista, essa convivência com a diferença de posições políticas é cada vez mais difícil. O PS de António Costa pensa como os bloquistas e comunistas. Exagero? Nada disso. Já esta semana, Costa brindou o país com um solo sobre os “momentos tristes” do processo de negociação do Orçamento. O mais triste dos quais, na opinião do homem que tem o corpo em São Bento e a cabeça no Largo do Rato, foi Passos Coelho ter pedido a Bruxelas para chumbar o Orçamento. Recapitulando para ver se a gente se entende: então o anterior primeiro-ministro, que Costa e a trindade PS-PCP-BE acusavam de se ajoelhar em Bruxelas, é o mesmo que agora, como líder da oposição, tem força suficiente para impedir a aprovação de um Orçamento? Isto é uma fantasia.
E é uma vergonha.
Não é admissível que um primeiro-ministro fale ao país sobre o seu antecessor com tamanho dislate, pondo em causa o seu patriotismo e sentido de Estado tantas vezes testados. De facto, Costa permite-se tudo. Mas nem tudo lhe pode ser permitido. E o mais grave: a estratégia do debate orçamental é bem reveladora das gastas táticas radicais. Arranja-se um inimigo externo, ou um interno com ligações ao exterior, que congemine para o mal do Estado. Uma encenação que justifique os fracassos que estão para vir. Tudo pelo(s) partido(s), nada pelo país.
O radicalismo da coligação tripartida que sustenta o governo só tem equivalente na impreparação e leveza com que esta encara os assuntos de Estado. Este governo tem gente boa e competente. Quanto às lideranças, a conversa é outra. António, Catarina e Jerónimo são como os três irmãos estarolas. Qualquer oportunidade é boa para fazer campanha e caçar um voto. Isso percebe-se bem no comportamento dos estarolas. “Faça-se despesa para virar a página da austeridade!”, decreta o líder estarola. Mas a austeridade continua, sabe o povo, que não está para cantigas. “Quem paga a austeridade são os ricos que fumam e andam de carro”, diz o segundo estarola em socorro do primeiro. Percebendo que o povo está cansado da brincadeira, o terceiro estarola grita: “Eu apoio este Orçamento e este governo, mas este não é o meu governo nem o meu Orçamento.” E o segundo acena com a cabeça em concordância.
É neste ambiente tragicómico que estamos a viver. E se alguém ousa discordar, lá estão os estarolas a gritar: “Ressabiados!” Para os estarolas, o país será sempre um recreio onde as crianças fazem birras a disputar a bola.
Para quem não sabe o que isso é, há um estado de espírito chamado preocupação. É que a leveza dos estarolas tem sempre uma consequência: um preço muito pesado para o país e para os portugueses, sobretudo os mais desfavorecidos.