As coisas inaceitáveis que aceitamos


Aos poucos habituamo-nos a coisas impensáveis e vamo-nos conformando por não vermos forma de as mudar.


Numa escala pessoal ou coletiva, numa dimensão nacional, europeia ou planetária, a verdade é que tendemos a aceitar e a conformar-nos com o que, no plano dos princípios, achamos inaceitável. Há milhares de exemplos de proximidade ou de grande amplitude que aceitamos porque, no fundo, achamos que não há nada a fazer para alterar o rumo das coisas. É assim com as pessoas e é assim também com os partidos e os movimentos que falam muito, mas mudam poucas coisas.

É inaceitável mas aceitamos que a segurança social, a polícia, a justiça, as instituições, as famílias e os vizinhos não sejam capazes de prevenir eficazmente os dramas que diariamente ocorrem envolvendo abusos de crianças, homicídios de indefesos e violência doméstica, só para citar estes casos.
E depois aceitamos um jornalismo, especialmente o televisivo, que explora de forma mórbida, sensacionalista e precipitada os assuntos, tirando conclusões erradas e manipuladoras que não corrigem. Alguém disse uma vez, com razão, que a nossa assistência social é como a aspirina: pode aliviar, mas não trata.

É inaceitável mas aceitamos que mais de um milhão de portugueses continue sem médico de família e que, para ter uma consulta, se espere meses, quando não anos a fio, para depois ser visto a correr e voltar a esperar eternidades para fazer um exame ou ser operado.

É inaceitável mas aceitamos que a banca tenha concedido mais de 28 mil milhões de créditos sem garantias e não haja responsabilidades criminais atribuídas por isso, enquanto um desempregado fica sujeito a medidas que se podem comparar a um termo de identidade e residência, como se fosse arguido de alguma coisa.

É inaceitável mas aceitamos que um primeiro-ministro apregoe aos quatro ventos, cá dentro e lá fora, a sua hostilidade a um governador do Banco de Portugal, dando de um país com um sistema financeiro moribundo uma imagem ainda pior do que a que já tem.
E também aceitamos que o tal governador e a sua equipa, que pouco ou nada viram e pouco ou nada evitaram, se fechem no seu reduto, enquanto cá fora são os que foram roubados que ainda levam uns encontrões dos polícias.

É inaceitável mas aceitamos uma Autoridade Tributária incompetente e arrogante que se dirige aos cidadãos em termos sistematicamente ameaçadores, atuando, ainda por cima, como entidade cobradora de instâncias que nada têm a ver com o Estado propriamente dito. Isto para além de essa mesma autoridade estar constantemente a mudar procedimentos, infernizando e dificultando a vida dos contribuintes, tenham eles ou não a sua relação com a AT através da internet.

Na dimensão europeia, achamos inaceitável e aceitamos (através dos políticos que temos) que David Cameron chegue a Londres depois de ter vergado toda a União Europeia e proclame que é pelo sim à manutenção na Europa porque conseguiu negociar o melhor dos dois mundos, ou seja, o sol na eira e a chuva no nabal. Tudo porque a Europa teve medo de usar de uma firmeza recíproca e das consequências que teria a City não ficar no seu espaço, como se Bruxelas, Paris ou Frankfurt não pudessem constituir-se lentamente como alternativa.

É inaceitável mas aceitamos que cada dia mais países se recusem a deixar entrar imigrantes e refugiados de guerra vindos de zonas de conflito, erguendo barreiras de arame farpado.

É inaceitável mas aceitamos que não haja quem tenha a coragem de intervir em força lá onde os problemas dessa gente perseguida nasce, impondo uma “Pax Ocidental” como o fizeram os nossos ancestrais europeus, americanos e russos em dois conflitos mundiais que destruíram, num dos casos, a perversidade nazi a que se assemelha o islamismo radical.

É inaceitável mas aceitamos a destruição sistemática e permanente do ambiente do planeta, apesar de termos a consciência plena de que os nossos netos e bisnetos correm risco de vida se não houver um travão definitivo a este cataclismo gerado exclusivamente pelo homem, que se comporta como um parasita que come as entranhas do ser vivo em que se alojou. Parece já impossível emendar uma catástrofe à escala planetária. Depois de ela se dar, talvez os que ficarem possam recomeçar numa base mais sensata e mais razoável, embora a natureza humana seja coletivamente complexa e violenta.

Até lá, ao menos que cada um na sua microscópica dimensão seja mais exigente consigo próprio, com o que o rodeia e condiciona de mais perto, exigindo, reclamando e atuando para que a sociedade funcione como deve e não como dá na gana de cada um dos pequenos, médios ou grandes poderes que nos rodeiam. Dir-se-á que, mesmo assim, é pouco e não vai chegar. É verdade. Mas já era qualquer coisa e sempre se adiava o desfecho inevitável…

Jornalista


As coisas inaceitáveis que aceitamos


Aos poucos habituamo-nos a coisas impensáveis e vamo-nos conformando por não vermos forma de as mudar.


Numa escala pessoal ou coletiva, numa dimensão nacional, europeia ou planetária, a verdade é que tendemos a aceitar e a conformar-nos com o que, no plano dos princípios, achamos inaceitável. Há milhares de exemplos de proximidade ou de grande amplitude que aceitamos porque, no fundo, achamos que não há nada a fazer para alterar o rumo das coisas. É assim com as pessoas e é assim também com os partidos e os movimentos que falam muito, mas mudam poucas coisas.

É inaceitável mas aceitamos que a segurança social, a polícia, a justiça, as instituições, as famílias e os vizinhos não sejam capazes de prevenir eficazmente os dramas que diariamente ocorrem envolvendo abusos de crianças, homicídios de indefesos e violência doméstica, só para citar estes casos.
E depois aceitamos um jornalismo, especialmente o televisivo, que explora de forma mórbida, sensacionalista e precipitada os assuntos, tirando conclusões erradas e manipuladoras que não corrigem. Alguém disse uma vez, com razão, que a nossa assistência social é como a aspirina: pode aliviar, mas não trata.

É inaceitável mas aceitamos que mais de um milhão de portugueses continue sem médico de família e que, para ter uma consulta, se espere meses, quando não anos a fio, para depois ser visto a correr e voltar a esperar eternidades para fazer um exame ou ser operado.

É inaceitável mas aceitamos que a banca tenha concedido mais de 28 mil milhões de créditos sem garantias e não haja responsabilidades criminais atribuídas por isso, enquanto um desempregado fica sujeito a medidas que se podem comparar a um termo de identidade e residência, como se fosse arguido de alguma coisa.

É inaceitável mas aceitamos que um primeiro-ministro apregoe aos quatro ventos, cá dentro e lá fora, a sua hostilidade a um governador do Banco de Portugal, dando de um país com um sistema financeiro moribundo uma imagem ainda pior do que a que já tem.
E também aceitamos que o tal governador e a sua equipa, que pouco ou nada viram e pouco ou nada evitaram, se fechem no seu reduto, enquanto cá fora são os que foram roubados que ainda levam uns encontrões dos polícias.

É inaceitável mas aceitamos uma Autoridade Tributária incompetente e arrogante que se dirige aos cidadãos em termos sistematicamente ameaçadores, atuando, ainda por cima, como entidade cobradora de instâncias que nada têm a ver com o Estado propriamente dito. Isto para além de essa mesma autoridade estar constantemente a mudar procedimentos, infernizando e dificultando a vida dos contribuintes, tenham eles ou não a sua relação com a AT através da internet.

Na dimensão europeia, achamos inaceitável e aceitamos (através dos políticos que temos) que David Cameron chegue a Londres depois de ter vergado toda a União Europeia e proclame que é pelo sim à manutenção na Europa porque conseguiu negociar o melhor dos dois mundos, ou seja, o sol na eira e a chuva no nabal. Tudo porque a Europa teve medo de usar de uma firmeza recíproca e das consequências que teria a City não ficar no seu espaço, como se Bruxelas, Paris ou Frankfurt não pudessem constituir-se lentamente como alternativa.

É inaceitável mas aceitamos que cada dia mais países se recusem a deixar entrar imigrantes e refugiados de guerra vindos de zonas de conflito, erguendo barreiras de arame farpado.

É inaceitável mas aceitamos que não haja quem tenha a coragem de intervir em força lá onde os problemas dessa gente perseguida nasce, impondo uma “Pax Ocidental” como o fizeram os nossos ancestrais europeus, americanos e russos em dois conflitos mundiais que destruíram, num dos casos, a perversidade nazi a que se assemelha o islamismo radical.

É inaceitável mas aceitamos a destruição sistemática e permanente do ambiente do planeta, apesar de termos a consciência plena de que os nossos netos e bisnetos correm risco de vida se não houver um travão definitivo a este cataclismo gerado exclusivamente pelo homem, que se comporta como um parasita que come as entranhas do ser vivo em que se alojou. Parece já impossível emendar uma catástrofe à escala planetária. Depois de ela se dar, talvez os que ficarem possam recomeçar numa base mais sensata e mais razoável, embora a natureza humana seja coletivamente complexa e violenta.

Até lá, ao menos que cada um na sua microscópica dimensão seja mais exigente consigo próprio, com o que o rodeia e condiciona de mais perto, exigindo, reclamando e atuando para que a sociedade funcione como deve e não como dá na gana de cada um dos pequenos, médios ou grandes poderes que nos rodeiam. Dir-se-á que, mesmo assim, é pouco e não vai chegar. É verdade. Mas já era qualquer coisa e sempre se adiava o desfecho inevitável…

Jornalista