Cerca de três meses depois de António Costa e Passos Coelho terem trocado de posições, ainda há quem veja no primeiro o líder da oposição e no segundo o primeiro-ministro. Costa tem feito questão de não deixar adormecer as tropas do partido e, em sessões públicas e vídeos, faz ‘campanha’ pelas suas políticas. Passos não perde a pose de estadista e não mudou de discurso. Será que estão de fatos trocados? E será que vão acabar por mudar?
“Há uma grande dificuldade em manter-se na vida política ativa depois de ser primeiro-ministro. É muito difícil deixar de ser primeiro-ministro”, admite Pedro Adão e Silva, lembrando que só Mário Soares passou por uma situação semelhante àquela em que está Passos Coelho. Essa circunstância, aponta o politólogo, “não liberta os partidos da herança, mesmo que essa herança tenha aspetos positivos” e faz com que seja difícil mudar o discurso apesar de um novo ciclo político “implicar sempre uma mudança de agenda”.
António Costa Pinto defende que as circunstâncias especiais que vive a política portuguesa são em parte a explicação para a forma como o primeiro-ministro e o líder da oposição se têm comportado: “Costa precisa de ação política e de tempo. Já para Passos o tempo pode ser-lhe desfavorável”.
Malabarismo com Bruxelas Costa Pinto vê Passos e Costa num malabarismo complicado. O líder do PS tem de assumir um “europeísmo crítico”, conjugando os valores socialistas com alguma “oposição ao sistema europeu”. O líder do PSD tem de usar os constrangimentos europeus para justificar as políticas do seu governo, “sem se colar demasiado a Bruxelas”.
Com as sondagens a mostrar que as intenções de voto não diferem muito das de 4 de outubro, Adão e Silva defende que António Costa vai ter de “reforçar e mobilizar” o seu eleitorado. E Passos, acredita Costa Pinto, “não tem incentivo para mudar”, precisamente porque as sondagens o mostram à frente e não tem contestação no PSD.
Para António Costa Pinto, o primeiro-ministro tem como primeira missão passar a mensagem de que “este é um Orçamnento mais amigo do fator trabalho” para demonstrar aos portugueses que a mudança de Executivo se traduziu numa mudança de políticas, mesmo que sob os constrangimentos de Bruxelas. “No fundo, tem de mostrar que com os mesmos ovos pode fazer uma omelete diferente”, analisa o politólogo.
As sessões de esclarecimento e os vídeos no Youtube sobre o Orçamento do Estado para 2016 são, por isso, ferramentas de comunicação indispensáveis. Desde logo, porque a fragilidade da situação política não premite ao primeiro-ministro deixar adormecer as tropas socialistas. E depois, como frisa Adão e Silva, porque a marca de “negociação” que Costa trouxe para a política exige esse grau de explicação. “Quem está sempre a negociar, negociar, negociar tem de explicar, explicar, explicar”, afirma o comentador, que acha que os vídeos feitos pelo governo podem vir a fazer escola em Portugal. “São baratos, são rápidos e são eficazes porque chegam às pessoas”, resume.
Lapso freudiano Esta aparente troca de fatos entre Costa e Passos já tem até dado lugar a casos anedóticos. O socialista já chamou por duas vezes “primeiro-ministro” ao líder da oposição num debate quinzenal. “Houve qualquer coisa de freudiano nisso”, aponta o deputado do PSD, Duarte Marques. “Estávamos convencidos de que Costa ia ter mais sentido de Estado e responsabilidade, mas afinal não”, ataca o social-democrata, que acha que “a versão atual de Tsipras tem mais sentido de Estado do que Costa”.
A lógica à direita é a de que a imagem de estadista de Passos pode servir como contraponto em relação a um primeiro-ministro que nas últimas semanas já teve de fazer duas erratas ao Orçamento do Estado. “Um foi eleito primeiro-ministro pelo povo, o outro foi escolhido para primeiro-ministro por uma coligação radical”, acrescenta o vice-presidente do PSD, Carlos Carreiras.
Os papéis parecem ainda mais trocados se se pensar que Pedro Passos Coelho esteve esta semana numa inauguração de um centro educativo em Paredes. Mesmo que a autarquia tenha vindo explicar que se tratou apenas de um “apadrinhamento”, a imagem que ficou podia ser facilmente confundida com os tempos em que o social-democrata ainda era o líder do governo. Mais uma vez, ficou a ideia de que Passos ainda está muito dentro de um fato de estadista.
Mas se há muito quem no PSD gostasse de o ver mais combativo, também há cada vez mais sociais-democratas a admitir que “Passos é mesmo assim” e se isso já o fez ganhar eleições duas vezes – mesmo que da última não tenha chegado para ficar no poder – o melhor é não mexer numa receita que provou dar resultados. “Neste momento de permanente imprevisibilidade, as pessoas precisam de referências de estabilidade. E Passos oferece isso”, acredita Carlos Carreiras.