É oficial: Portugal não vai sair do procedimento por défice excessivo este ano e, por isso, não vai beneficiar da flexibilidade prevista no Tratado Orçamental. Mas na maioria que apoia o governo, a situação é desvalorizada porque, garantem, o Orçamento do Estado já foi feito a pensar nisso. A pressão está na execução deste Orçamento para se saber se será possível acabar o ano com o défice de 2,8% previsto por Mário Centeno.
Por agora, os números permitem, contudo, pôr a pressão política toda sobre a direita. E foi isso que Mário Centeno foi fazer ontem à Comissão de Finanças no Parlamento. “O anterior Governo tinha estabelecido uma meta para o défice de 2,7%. Sabemos hoje que o défice será de 3,1%. E que esse valor será catapultado pelo Banif para os 4,3%”, sublinhou o ministro das Finanças.
A mensagem é clara. Mesmo sem o caso Banif, a execução orçamental derrapou. O que é que correu mal? “Houve uma quebra de receitas no IRS, uma antecipação de receitas no IRC e derrapagem nos custos com pessoal da Justiça e Educação”, resume o deputado socialista João Paulo Correia.
Mariana Mortágua também admite não ter sido apanhada de surpresa pelos números que tornam mais difícil a vida de Portugal na Europa. “Já sabíamos. O Orçamento foi feito tendo isso em conta”, explica, dizendo-se agora mais preocupada com o que pode acontecer em 2017.
É que se é certo que o programa do PS contava com a flexibilidade permitida por Bruxelas aos países que conseguem um défice abaixo dos 3%, a verdade é que o Orçamento do Estado que entrou na semana passada no Parlamento já foi feito a contar com o cenário de incumprimento. “As contas foram feitas a contar com isso”, confirma João Paulo Correia.
À direita, a reacção é cautelosa. “Vamos olhar para os dados, fazer as contas e perceber o que aconteceu”, diz uma fonte da direcção do PSD, que garante ao i que ninguém no partido esperava continuar no procedimento por défice excessivo em 2016. “Estávamos crentes de que íamos ficar abaixo dos 3%. E, na verdade, estamos a falar apenas de uma décima. Basta antecipar pagamentos que podiam ser adiados para mudar isso, mesmo que o governo de Costa só esteja em funções há apenas dois meses”, reforça a mesma fonte.
CENTENO DENUNCIA PASSOS Enquanto a direita ataca o aumento dos impostos indirectos, Mário Centeno passa ao contra-ataque, demonstrando que a receita fiscal deste Orçamento fica aquém da previsão feita por Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque no Programa de Estabilidade (PE) enviado a Bruxelas em Abril do ano passado.
“A receita fiscal fica 291 milhões abaixo do que aquela a que o anterior governo se tinha comprometido em Bruxelas”, explicou Centeno na Comissão de Finanças, sublinhando que apesar de aumentarem os impostos sobre os combustíveis, o álcool, o tabaco e o selo dos contratos de crédito, vai cobrar menos 0,22 pontos percentuais do PIB do que Passos tinha previsto obter de receita fiscal em 2016 no PE. “Com o Programa de Estabilidade a carga fiscal aumentava, com este OE a carga fiscal diminui”, declarou o ministro para rebater as críticas de PSD e CDS sobre o aumento de impostos deste Orçamento.
Centeno foi, de resto, arrasador na análise à herança deixada por Passos e Maria Luís. “O anterior governo aumentou o défice estrutural em 0,6%”, apontou o ministro que passou as últimas semanas numa dura negociação com a Comissão Europeia em torno precisamente do défice estrutural.
Apesar das alterações feitas em relação ao cenário macroeconómico que desenhou para o PS, ao programa eleitoral socialista e depois ao esboço orçamental, Centeno diz que este foi o Orçamento possível para compatibilizar as políticas de reposição dos rendimentos com os compromissos europeus e os acordos à esquerda. Mário Centeno acredita que, apesar de tudo, “este é o princípio do fim da austeridade” e que “o fim da austeridade não deve ser confundido com falta de rigor”.