Este novo governo tem sido profundamente dececionante, mesmo para mim, que tinha expectativas baixíssimas. É perfeitamente razoável que a esquerda tivesse fortes críticas a tecer sobre o executivo de Passos Coelho, que não gostasse das soluções encontradas. No entanto, já não é minimamente aceitável que a única coisa que tenham a propor seja o regresso ao passado e não tenham nenhuma novidade para apresentar.
É particularmente dececionante que o Bloco de Esquerda, supostamente tão jovem e qualificado, não seja capaz de enriquecer a nova governação com propostas minimamente criativas no bom sentido. Sim, porque criatividade no mau sentido, como sinónimo de falta de honestidade, não tem faltado.
Falta acrescentar que este regresso ao passado tem acontecido não só na economia como também noutras áreas, como a educação e os transportes. Para além disso, para os mais esquecidos, convém lembrar que as políticas seguidas até 2011 praticamente nos conduziram à bancarrota, pelo que conviria não regressarmos a esse inferno.
Em vez disso, o novo executivo socialista pretende incorrer no gravíssimo erro de repetir a estratégia orçamental que vigorou entre 1996 e 2011, que tão maus resultados produziu: endividamento galopante e estagnação económica.
No entanto, desta vez, por milagre, a repetição dos erros do passado já não produziria a estagnação económica, mas antes uma maravilhosa multiplicação dos pães. Como é evidente, tais resultados, anunciados no excel de Mário Centeno, só poderiam ser fruto de manipulação sortida e fraudes várias.
Não surpreende, por isso, que essas desonestidades tenham sido sucessivamente denunciadas por todos aqueles que se debruçaram sobre o esboço de Orçamento do Estado para 2016. As últimas análises, do FMI e Comissão Europeia, contestam duramente os números governamentais, prevendo um menor crescimento económico e défices públicos muito superiores, acima dos 3% do PIB, em clara violação dos preceitos do Tratado Orçamental e que fariam com que Portugal se mantivesse no quadro do procedimento dos défices excessivos.
É possível que já hoje a Comissão Europeia chumbe o esboço orçamental português, o que seria a primeira vez que aconteceria dentro da zona do euro. Haveria certamente a possibilidade de o nosso governo fazer nova tentativa para passar na segunda chamada.
No entanto, não é nada claro que António Costa consiga apoio parlamentar à esquerda para construir o Orçamento que a Europa exige. O passo seguinte seria a negociação com o PSD. A questão posterior é saber quais as contrapartidas que os sociais-democratas iriam exigir. Não é preciso uma imaginação delirante para antever que Passos Coelho reclamaria que o governo sustivesse algumas das reversões de políticas em curso, nomeadamente, por algumas não passarem de vingança e tentativa de manchar a imagem do anterior executivo. Para além disso, algumas delas, tais como a reversão de privatizações, anunciam-se caríssimas, sendo muito estranho que, havendo tanta falta de dinheiro, tenham sido encaradas como prioritárias.
No entanto, se chegarmos aí, estaríamos perante o surreal. Afinal, já não haveria uma maioria de esquerda, até porque as eventuais concessões de Costa a inviabilizariam, mas seria o segundo partido mais votado no governo a negociar o apoio do mais votado. Um absurdo: se, na prática, passarmos a um governo de bloco central, este deveria ser liderado pelo partido mais votado.
Uma questão bicuda com que Marcelo terá de lidar já a partir de 9 de março.
Escreve à sexta-feira