Hoje vão morrer em Portugal 70 pessoas com cancro. Ontem morreram outras 70. Amanhã, idem.
É assim há 16 anos. Não o número de pacientes que morre com cancro, por dia, no país: esse tem aumentado. Mas é sempre no mesmo dia, desde o ano 2000, que se celebra em todo o mundo a luta contra esta doença, uma verdadeira epidemia global segundo a Organização Mundial da Saúde.
Numa das séries mais aclamadas da BBC, “Call The Midwife” (“Chamem a Parteira”), a mãe de uma das personagens principais, que sofre de cancro, faz questão de dizer em voz alta o nome da doença, algo que ninguém fazia em seu redor.
Era assim nos anos 50: o cancro era a doença inominável, “aquela cujo nome não se deve pronunciar”. Setenta anos depois, falar de cancro – ou saber de alguém com cancro, ou ter cancro – é comum. Os números são tão dramáticos e expressivos que impossível era não falar dele. O que pode não ser tão comum é falar de cancro com… humor.
Marine (ler à francesa) Antunes, 25 anos, criou há três anos um blogue e uma página no Facebook onde o leitor lê sobre aquilo que o nome promete: Cancro com Humor. A página conta atualmente com 55 mil visualizações diárias e não há um dia em que a autora não receba mensagens de incentivo: “Quando criei o Cancro com Humor, e sendo licenciada em Comunicação Social, sabia que o sucesso inicial poderia não passar de uma moda. Além disso, não sabia que feedback ia ter, se ia ser bem ou mal recebido, porque falar de cancro ainda é tabu e o humor também. Juntar os dois… Mas desde o início recebo mensagens de apoio e agradecimento de pessoas que me dizem que conseguiram superar a doença enquanto me liam.”
Para Marine, este constante interesse das pessoas pelas suas partilhas assenta no facto de oferecer um produto único. “Acho que o blogue continua a ter sucesso e visualizações porque é completamente diferente. Todos os conteúdos que se encontram na internet sobre cancro são depressivos.” E é contra essa tendência que Marine escreve nestas plataformas, tendo até já editado um livro homónimo.
Os dois lados da moeda A autora não se lembrou deste projeto do nada. Escreve com conhecimento de causa, uma vez que teve um cancro aos 13 anos, uma situação complexa à qual sobreviveu. “Posso dizer agora que o cancro foi o meu grande educador”, diz. Mas Marine conhece outras dores além das físicas e psicológicas provocadas pela sua própria doença. “Primeiro comecei a dar o meu testestemunho como sobrevivente, mas depois também o pude dar como cuidadora.” É que no meio do inusitado projeto conheceu o namorado, também com cancro, de quem cuidou. “Cuidar dele fez-me também poder dirigir-me a plateias de doentes oncológicos conhecendo também essa realidade.”
E há ainda outra, de que ela fala e com que brinca: a realidade de perder alguém para o cancro. O namorado de Marine acabou por morrer em maio do ano passado. Nem isso abalou a sua convicção de que o humor negro pode ser um remédio para muitos doentes.
O i pergunta-lhe se esta vitalidade e boa disposição – Marine fala rápido e a rir, o sentido de humor é nela verdadeiramente inato – não será uma máscara. “Claro que quando falo desta forma também faço uma catarse, mas não sinto que seja uma máscara. Ainda no outro dia dei uma palestra em que falei imenso tempo sobre ele. Só quando acabou é que percebi que a única coisa que não tinha dito foi que ele tinha morrido”, conclui.
Portanto, esta jovem sabe bem o que é a dor: várias dores, podemos dizer. Apenas escolheu não só não se render como gozar com elas. Mas admite que os seus discursos em público lhe pesam, visto que são momentos muito absorventes. “As palestras são violentíssimas para mim porque são um explodir de emoções, há sempre muita gente a rir e, claro, a chorar.”
Daqui a dois dias, Marine, as suas palestras e o seu sotaque carregado de erres atravessarão o Atlântico até à cidade brasileira de Maringá, onde falará para estudantes de Medicina.
Rir, correr e comer Estar bem-disposto pode não curar o cancro, mas está cientificamente provado que manter uma atitude positiva numa situação de doença pode ajudar. O cancro escolhe as vítimas arbitrariamente, indo para além da genética, mas há algumas atitudes preventivas que pode tomar.
Segundo a OMS – e um verdadeiro batalhão de médicos e especialistas -, comer de forma equilibrada, fugir do tabaco e de ambientes poluídos, praticar exercício físico e manter um peso saudável ajuda à prevenção. A mesma fonte diz-nos que 40% dos cancros podem ser prevenidos, por isso cuide-se. E, já agora, ria…